por Daniel Lopes – Lá nos primeiros dias do Amálgama, escrevi um textinho intitulado “Os evangélicos e a homofobia”. Tratava da oposição de alguns evangélicos ao Projeto de Lei Complementar nº 122/2006, de autoria da ex-deputada pelo PT de São Paulo, Iara Bernardi. O projeto torna mais rigorosa a repressão à homofobia. Segundo os religiosos, ele é […]
por Daniel Lopes – Lá nos primeiros dias do Amálgama, escrevi um textinho intitulado “Os evangélicos e a homofobia”. Tratava da oposição de alguns evangélicos ao Projeto de Lei Complementar nº 122/2006, de autoria da ex-deputada pelo PT de São Paulo, Iara Bernardi.
O projeto torna mais rigorosa a repressão à homofobia. Segundo os religiosos, ele é “heterófobo”, representa a “ditadura homossexual” e é um atentado à liberdade de expressão. Coisas assim. (Mas, como também está no texto, outros não estão preocupados com essa balela, e vão direto ao que consideram importante, como o pastor Jabes de Alencar, da Assembléia de Deus: “Senhor, sabemos que há uma maquinação para que esse país seja transformado numa Sodoma e Gomorra. Um projeto desses vai abrir as portas do inferno.”)
O PLC deveria ter sido aprovado ano passado, mas, por pressão de congressistas evangélicos, foi empurrado para votação em meados deste Ano da Graça de 2009. Segue a expectativa.
Pois bem.
Há poucos dias, alguém descobriu o texto e o levou até a comunidade da Congregação Cristã no Brasil, no Orkut, lincando pra cá. A partir de então, temos recebido muitas visitas e alguns comentários. Destes, uns são interessantes. Outros, com o devido respeito, são bastante divertidos.
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Carlos Henrique, após afirmar ser mentira dizer “que é homofobia se opor a esse PLC 122 e ao homossexualismo”, cita passagens bíblicas onde Deus entrega os homossexuais a “paixões infames”, onde as mulheres “mudaram o uso natural no que é contrário à natureza”, onde os “varões, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, varão com varão, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a devida recompensa do seu erro.” (Romanos 1, versos 26 ao 28, segundo ele). Como se se tratasse de um argumento.
De posse dessa valiosíssima passagem de moral elevada, já podemos responder à primeira pergunta contida no cartaz desse evangélico que protestava em Brasília:
Ainda que permaneça um mistério o fato de Jesus não ter curado nenhum homossexual, como alegadamente curou leprosos. Lelê Teles comentou:
(…) devo dizer aos evangélicos, lendo a bíblia vejo o Cristo curar leprosos, cegos, coxos, entrevados, mas não o vejo curar viados! E ali onde viveu Cruaisti também havia uma grande viadagem. Ou seja, parem de frescura pseudo-cristã e assuma de vez um preconceito que é seu e que não está na Bíblia ou apresente um argumento inteligente. Deixemos Deus em paz!
O final do comentário do Carlos Henrique é:
E para os tais defensores da homossexualidade, fica aqui uma boa pergunta: Pode um homem engravidar outro homem? Ou pode uma mulher engravidar outra mulher? Pode uma sociedade em que só há pessoas homossexuais, em que não haja relacionamento heterossexual, tal sociedade subsistir? Ou não ensina a mesma natureza que uma relação dessa é totalmente estéril e não gera vida alguma? Provem o que afirmarem.
Mas e estão querendo aprovar um Projeto de Lei criando uma sociedade só de homossexuais? Taí que eu não sabia. Acho que essa sociedade só existe nos piores pesadelos do nobre comentarista. Precisaríamos saber com que frequência ele comparece à sua igreja.
Ademais, a propósito de guiar as leis do País por ditames bíblicos, Eneraldo Carneiro já havia comentado antes do Carlos Henrique:
Se todas as leis fossem baseadas na Bíblia? “Sempre que os filhos saem da linha, devemos bater neles com uma vara (Provérbios 13,24; 20,30; e 23, 13 e 14). Se eles tiverem a pouca vergonha de nos responder com insolência, devemos matá-los (Êxodo 21, 15, Levítico 20, 9, Deuteronômio 21, 18-21, Marcos 7, 9-13, Mateus 15, 4-7). Também devemos apedrejar pessoas até a morte por heresia, adultério, homossexualismo, por trabalhar no sábado, adorar imagens, praticar feitiçaria e mais uma ampla variedade de crimes imaginários” (Sam Harris, “Carta a uma Nação Cristã”, Cia das Letras, pág. 25)
Segundo a Bíblia, Deus também espera que tenhamos escravos (Levítico 25, 44-46), embora nos aconselhe a não bater neles tão severamente a ponto de ferir seus olhos ou seus dentes (Êxodo 21, 26-27). Deus deixa claro, também, que todo homem tem liberdade de vender sua filha como escrava sexual (Êxodo 21, 7-11).
E aí, vamos fazer uma Constituinte com a Bíblia em mãos?
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Outros leitores se esforçaram para ver no meu texto o que não existe. Vêem o que querem ver.
Alguém que assina como Rogério, diz:
O texto classifica os evangélicos como homofóbicos. Se você observar, inclui até mesmo uma estatística de homossexuais mortos por intolerância, como se os assassinos fossem evangélicos.
Como se eu tivesse dito que todos os evangélicos são homofóbicos. Como se eu tivesse inferido que os homossexuais mortos no Brasil por causa de sua opção sexual tivessem sido assassinados por evangélicos. Qualquer um pode acessar o post agora e ver se eu afirmo qualquer coisa do tipo. (Para quem não entendeu: ele se chama “Os evangélicos e a homofobia” porque teve como mote um protesto organizado por entidades evangélicas na capital federal, contra a aprovação do citado PLC; então, eu citei dados da homofobia no Brasil e critiquei a oposição (legítima) dos evangélicos ao projeto, mas sem insinuar que são eles que matam gays e lésbicas.)
Algo idêntico comentou o Israel:
Daniel, você foi extremamente infeliz ao relacionar neste artigo onde se trata da relação dos evangélicos com a homofobia, com o numero de homossexuais mortos no Brasil, como se nós fossemos os assassinos. Faça uma pesquisa, e você verá que existe uma grande distância entre o que somos e o que você tentou passar no seu artigo.
Outro escreveu:
FOBIA! Quem é o autor do texto para falar de fobia, se seu alvo é discriminar os evangélicos? Como pode alguém preconceituoso falar de respeito?
Quando na verdade os evangélicos que critiquei foram aqueles que pensam igual ao senhor Jabes de Alencar. Não quero calar o pastor Jabes nem ninguém. Mas, se há evangélicos que se enxergam na figura de um cidadão autor de declarações indigentes, sim, podem se sentir alvos dos meus comentários. Mas não do meu preconceito – afinal de contas eu juro que parei para pensar se as portas do inferno poderão mesmo se abrir com a aprovação do PLC 122, se com ele o País se transformará numa Sodoma e Gomorra, e concluí que, sim, trata-se de uma asneira indigna do ar que consumiu para ser produzida.
Jonas Belarmino, por sua vez, soltou:
O Sr. Daniel Lopes, responsável por esse texto, mostra sua Fobia claramente. Quem é essa pessoa que usa jornalismo para atacar o cristianismo? O sr. está no país errado, aqui não é o Oriente Médio, onde se briga por opções de fé.
CUIDADO!! O Sr. Daniel Lopes é defensor da CRISTOFOBIA (aliás não é crime também?). Sr. Daniel, por favor, ocupe seu tempo com matérias construtivas e lembre-se, o emprego que o Sr. ocupa foi dado por Deus, o mesmo que o Sr. está tentando destruir. CUIDADO!!!!
Eu, “cristófobo”?! Mas nem Cristo eu cito no texto! Mesmo se o senhor Jonas soubesse que concordo com Russell em que Jesus é superado em muito pelas idéias e pela moral de um Buda, um Sócrates, ainda assim não poderia dizer que sou “cristófobo”.
E quem está brigando por fé? Quem sequer está brigando? Estamos discutindo a defesa e a oposição a um Projeto de Lei. Só quem não gosta de controvérsia e de rever os próprios dogmas é que, sob a menor crítica, já sai acusando a todos de tentar impor a “lei da mordaça”.
E eu não sou jornalista, e o Amálgama não é um emprego. Mas se o Deus do senhor Jonas quiser me dar um, eu aceito.
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A propósito da “lei da mordaça”, o Rogério supracitado defendeu o seguinte:
O problema do PLC 122/06 é que ele quer amordaçar a opinião de que o homossexualismo é um desvio de conduta não aceita biblicamente, e isso não quer dizer que estamos incentivando a matança de pessoas, pois o texto bíblico diz apenas que é pecado, mas não manda matar ninguém.
Logo, criticamos a PLC 122/06 pois ela é contrária a um direito constitucional de liberdade de expressão e de culto religioso, a criticamos pois ela é uma lei de mordaça que impede a expressão pública de opinião contrária ao homossexualismo. É uma ditadura travestida.
Ora, a liberdade constitucional, de ação como de opinião, já deve trazer em si seus próprios limites.
Ninguém é obrigado a gostar de gay, nem de hetero, negro, pobre, nordestino, flamenguista ou o que for. E o PLC 122 não pede aos nobres pastores que defendam o homossexualismo em seus sermões.
Porém, uma igreja não é um jornal. A crítica ao homossexualismo feita em igrejas que recebem isenção do Estado (alegadamente por serem organizações sem fins lucrativos) não é daninha apenas aos crentes e aos filhos dos crentes. Uma igreja não é um organismo isolado da sociedade, e sim está inserida em um contexto maior. Pelos seus próprios objetivos, o que é pregado sob seus tetos não deve morrer ali – a “Palavra” deve seguir adiante. E esse adiante significa, no nosso caso, um dos países que mais matam homossexuais.
Ou seja, há o contexto – se bem que para os dogmáticos essa é uma palavra estranha. O Projeto de Lei teria outro significado se vivêssemos, digamos, numa ditadura pagã onde cristãos sofressem preconceito e morressem por causa de seu modo de vida.
Nenhum grupo de pessoas, ainda que uma esmagadora maioria, pode impor sua vontade a todos, a uma Constituição que deve reger a vida de todos. Muito menos porque acham que essa vontade está expressa em um livro que apenas eles consideram sagrado. Aliás, e se daqui a pouco uma denominação religiosa, alegando se basear em textos “sagrados”, passar a defender a educação de crianças por meio da violência, ou a exercer sua “liberdade de expressão” para contestar a igualdade entre o homem e a mulher? O que faremos com a mordaça?
Daniel Lopes
Editor da Amálgama.
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