per augusto & machina

por Romério Rômulo

1.
de quantas nuvens se faz uma loucura?
é construída a mão que bate o prego?
as estações do corpo só revelam
o hábito eloqüente do delírio.
que nos corroa a pedra, o visgo louco
da agonia!
desmonte do tamanho, o extirpado dente,
gengiva em sangue são a mesma face
do hábito terrível de ser homem. 
quanta eloqüência travada no meu olho! 
(uma bravura regenera a noite)

 

  * * *

2.
eu tenho que arrancar da tua nuca
a vaga decisão de ser meu corpo
o elo de teu ventre com a terra. 
devo extirpar o gesto adquirido
num, por somenos, ato reticente
de ver distância de mim ser teu intento. 
quando as valas mostrarem nosso rumo
quando as formigas resvalarem atos
de um só ser em nós se validar 
vou te mostrar a minha mão candente
meu corpo todo ele enluarado
e o meu dente podre de manhã. 
há de sobrar de nós-o quê? –só torpes
rasgos de vento no olho do tufão. 
a pura pedra me diz: quando fui homem? 
     (arrancar da tua nuca)

* * *

3.
meu corpo traz uma equação de nuvem.
pobres resgatados, desmorados, osso e braço
rezam no ar de penitência suas águas.
proprietários do sobrado, pouco lhes resta. 
de tempo, arreganham dentes de uma fome sólida.
ralos de feijão, seus corpos sabem o horizonte da terra. 
escaldados, cândidos, um sopro. 
(cândidos, um sopro)

* * *

4.
o meu pecado é válido, se podre
arranca luzes da cidade alta.
qualquer amante a noite se refaz
deixando a güela ressarcir desejos. 
quando mães, estacas, se filiam
às quadras do delírio permanente? 
se, à noite, piso infernos e bordéis
é que um destino vago me repisa.
somos filhotes desta dor e medo.
somos filiados à mazela rústica. 
quanto de podridão varreu-me sempre
se só o acaso dedilha meus olhares? 
sou vil filhote desta dor e medo. 
   (todo sertão é um caldo de tortura)

 

* Romério Rômulo é professor de Economia Política da Universidade Federal de Ouro Preto. Poeta, publicou em 2006 Matéria bruta (Altana). Os poemas deste post são do livro Per Augusto & Machina, que sairá em março pela mesma editora Altana.



  • http://metamorfraseando.blogspot.com Adrianna Coelho

    Os poemas do Romério Rômulo são intensos, válidos, lindos, rústicos… E muito mais! Indiscutilvelmente, há neles uma arquitetura nítida e a assinatura inconfundível do poeta.

  • http://nydiabonetti.blogspot.com/ Nydia

    Somos todos “filhotes da dor e do medo”, em permanete travessia em áridos sertões…
    Mais um texto irretocável, deste que é sem dúvida, um dos nossos mais brilhantes poetas contemporãneos.
    Abraços
    Nydia

  • José Aloise Bahia

    Falar do poeta, escritor e pensador Romério Rômulo é uma honra! Grande economista e professor… O homem tem uma imaginação do tamanho do Brasil… E após o excelente “Matéria Bruta”, o “Bardo de Ouro Preto” lança mais um livro, agora em 2009… Com certeza, terei o meu volume… O poeta é uma vastidão tamanha: um sertão em forma de luz, imagens, olhares no corpo enluarado… Peregrina um delírio permanente: a criação poética que indaga sempre o sentido das palavras, frases, versos diante de nossas máscaras desfeitas… Parabéns ao site/blog pela publicação do Romério… Estamos aguardando o novo livro… Abs do jornalista, amigo e escritor Josealoisebahiabhzmg…

  • http://raraavisinterris.blogspot.com ana

    Uma maravilha!
    Que professor e economista sensível!

  • Marise

    Falar de Romério é falar de inteligência, de carinho, de perfeição, de amor, de grande homem, de grande amigo.
    Tudo isso é o maior poeta de nosso tempo.
    Beijos
    Marise

  • http://quelevequenada.blogspot.com Mariana

    sou fã de Romério!

  • http://bodegacultural.blogspot.com Carlinhos Medeiros

    Conheci seu trabalho ano passado, quando tive o prazer de me deleitar ao sabor de seus poemas, ao receber o livro Matéria Bruta em minha casa. Romério é um dos grande poetas contemporâneos que conheci e gostei. E se existe alguém chato para ler e gostar de um poema, este alguém sou eu.

    Parabéns, poeta!

  • http://versoeprosa.wordpress.com Renata

    Para falar da poesia de Romério — sim, um dos grandes poetas contemporâneos — nada melhor que sua própria poesia:

    “uma poesia deserta, texto de pedra e secura.
    poesia de ferreiro: metal e martelo.
    uma poesia brasa candente. cozer tudo,
    ato do verso, dure tanto ou nada.”

  • http://eumeuoutro.blogspot.com/ Fred Matos

    Muito bom.

  • http://fernandeshercilia.blogspot.com/ Hercília Fernandes

    Belíssima postagem, aplaudo!

    Conhecer a poética de Romério tem sido um prazer inigualável.

    O poeta, além de amigo das boas letras, colore as suas linhas com suntuosa beleza. Porém, usa uma tinta-cola fraquinha, parafraseando Luciana Sandrini, para que as palavras possam se descolar e bailar em nossa imaginação, nos transformando.

    Parabéns Romério, aguardo o livro!

    Saudações amigos,

    H.F.

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