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BBB e além: A revolução não será televisionada

por Bia Cardoso (21/01/2012)

A arrogância da Globo diante das denúncias contra o BBB prova que ela continua se achando acima de tudo e todos

Desde o último domingo vemos como a maior emissora de televisão brasileira não está preparada para lidar com o público de seu programa mais popular. O Big Brother Brasil da Tv Globo está em sua décima segunda edição e pela primeira vez virou caso de polícia. Na madrugada do dia 15, dois participantes (Monique e Daniel) protagonizaram cenas que para muitas pessoas que assistiam o programa naquele momento pareceram ser de um estupro. O programa havia começando há menos de uma semana. As redes sociais explodiram em denúncias, reclamações, xingamentos, discussões, machismo, racismo, misoginia, moralismo e muitas cobranças. E um dos elementos que mais marcou esse caso foi a falta de transparência da emissora para lidar com algo que gerou repercussão negativa para a empresa e patrocinadores.

É claro que várias pessoas já fizeram sexo no BBB em outras edições. Porém, foi a primeira vez que uma das pessoas envolvidas parecia estar muito bêbada e desacordada. Apenas as pessoas que assinam o pay-per-view assistiram ao vivo. Vídeos com as cenas correram pela rede, com a Globo logo atrás retirando-os do ar por violação de direitos autorais. O site oficial não disponibilizou os vídeos. Esse descaso em relação às denuncias foi o que mais marcou. Durante a manhã do domingo, 15, o diretor do programa negou a violência sexual e afirmou que estava descartada a expulsão de Daniel. No programa ao vivo, a edição mostrou o caso como um romance e o apresentador Pedro Bial arrematou dizendo: “o amor é lindo”. Ficou mais do que provado que de reality show o programa não tem nada, pois é totalmente controlado. A emissora provou que pode impor sua versão dos fatos e ignorar totalmente todas as manifestações feitas na internet.

Na segunda-feira, a polícia civil do Rio de Janeiro decide investigar o caso. A Rede Globo negocia com os policiais o depoimento de Monique e Daniel. O áudio do depoimento de Monique vaza, ninguém sabe como, o caso parece ter se tornado o BBBGate. No mesmo dia, Daniel é eliminado do programa devido a um grave comportamento inadequado, segundo nota oficial da emissora. No programa ao vivo, Pedro Bial anuncia a eliminação de Daniel, mas sem citar o motivo. Não menciona o suposto caso de estupro, nem a ação da polícia, nem como os outros participantes receberam a notícia. Quem informou o público do programa – que não possui pay-per-view e que não acessou informações na internet – foi uma matéria do Jornal Nacional. A impressão é de que os participantes estavam proibidos de falar sobre o assunto. O que descobrimos ser verdade com as declarações de Analice, primeira a sair do BBB.

Sabemos que Monique não viu os vídeos com as cenas que causaram tantos questionamentos. Sabemos que ela nunca afirmou publicamente que tudo foi consensual. O que temos são relatos de seus depoimentos ao diretor do progama e ao delegado. Ela não pode falar com os outros participantes sobre o assunto, não tem contato com sua família ou amigos e terá que elaborar sozinha o que aconteceu. Chega a ser absurdo uma pessoa que está diretamente envolvida com os fatos ser obrigada a ficar totalmente alheia à questão, que provavelmente gera inúmeras dúvidas e questionamentos. Porém, Monique é adulta e, se permanece no programa, é por decisão própria. O caso está sendo investigado pela polícia, e Daniel pode ou não ser indiciado.

Mas e a Globo? Até hoje nada foi informado sobre o caso no programa ao vivo além da eliminação de Daniel. Os diretores e editores já mostraram que vão dar a versão que quiserem para os acontecimentos. Inclusive, já criaram um novo romance para Monique. E a recusa inicial em investigar seriamente o caso mostra que há uma imensa prepotência da emissora frente às manifestações públicas contrárias a seus interesses. Mas está claro que as pessoas não aceitarão qualquer versão dos fatos. A emissora pode ter sido a única fonte de informação disponível por décadas, mas a internet mostra-se cada vez mais como espaço que pode subverter o monopólio dos grandes grupos midiáticos.

Há o notório caso em que a Globo é acusada de manipular o debate entre os candidatos Collor e Lula nas eleições presidenciais de 1989. Há outros casos em que ela tentou escrever a história do Brasil de acordo com seus interesses, como nas Diretas Já. Com essa edição do Big Brother Brasil, temos uma prova de que ela não só continua se sentindo acima de tudo e todos, como aperfeiçoou seu modo de operar nesse sentido. Não escutou as redes sociais, as críticas e muito menos respeitou os participantes do programa. Em qualquer reality show, é possível acontecer uma situação como essa. Se o estupro for confirmado, Daniel terá cometido um ato que muitas pessoas em nossa sociedade não condenariam, por mais que seja um crime. O debate sobre a questão do date rape foi um dos pontos positivos nessa profusão de notícias dos últimos dias. O outro foi que a denuncia de estupro partiu da própria audiência. Isso mostra que, por mais que o Big Brother talvez seja um entretenimento vazio, baseado em baixaria, como tantas pessoas reclamam, seu público – especialmente o que está presente na internet – está de olhos abertos para possíveis casos de violência e abuso.

A confusão levanta inúmeras questões em relação à responsabilidade que a Rede Globo tem. Sempre soubemos que poderiam haver brigas nos reality shows, mas acho que nunca pensamos que um crime tão grave como um estupro poderia ser transmitido em tempo real. Acreditamos que, por estarem na televisão, as pessoas não se excederão tanto. Acontece que, não só a Globo, mas também outros canais que possuem concessão pública, exploram a estimulação do combustível álcool + sexo em seus programas.

Por fim, uma observação que seria cômica, se não refletisse a falta de responsabilidade das emissoras de televisão em relação à sociedade e as fracas regras que regulam as concessões públicas de televisão. O Ministério das Comunicações também entrou no caso. Solicitou à Globo as gravações. As imagens serão analisadas e, se estiverem em desacordo com as finalidades educativas e culturais da radiodifusão e com a manutenção de um elevado sentido moral e cívico, as infrações serão apuradas, podendo resultar na interrupção dos serviços. Quantos programas veiculados em canais abertos, ou mesmo em canais fechados, estão em acordo com as finalidades educativas e culturais da radiodifusão? Não me atrevo a tentar definir o que seria um programa com elevado sentido moral e cívico, mas o fato é que no momento estamos em luta com uma empresa que detém o maior monopólio de informação do país. E com esse affair BBB, podemos ter ganho uma batalha importante. Talvez a Globo perceba que seu público não é mais o mesmo, que as informações não podem mais ser controladas como antes e que as reações são imediatas nas redes sociais. Mas apenas talvez. Pela postura arrogante e centralizadora que acabamos de ver, o provável é mesmo que ela perca o jato da revolução digital.

Bia Cardoso

Feminista, coordenadora de grupos de mulheres na internet.