Os temas do novo livro de Sérgio Tavares são mais líricos e existenciais do que os de seu predecessor
Sérgio Tavares, cujo livro de estreia na literatura, Cavala (2010), foi vencedor do Prêmio SESC de Literatura em 2009 na categoria Contos, retorna agora com sua nova obra: Queda da própria altura, publicada pela Confraria do Vento. Embora possa ser catalogado como uma coletânea de contos, o livro traz desafios à classificação, não só porque algumas das histórias apresentam extensão de páginas e amplitude narrativa pouco tradicionais dentro do gênero, mas também pela notável – e admirável – organicidade da construção erigida por Sérgio: não somente os contos, mas também os interlúdios textuais e gráficos de Queda se entrecruzam a todo momento, costurando todo o livro como um único tecido, e ampliando cada uma das narrativas para muito além dos limites de suas páginas.
O livro é divido em três grandes seções: “Impulso”, “Voo” e “Queda”. Os títulos demonstram o movimento contínuo que conduz todo o livro, mas não se engane o leitor: Sérgio demonstra que os três momentos não são nada mais nem menos do que partes da queda, sempre inevitável e iminente para as personagens.
A habilidade e o cuidado com a escrita são características já possíveis de serem reconhecidas em Sérgio desde seu trabalho de estreia, mas os temas de Queda da própria altura – mais líricos e existenciais do que os de seu predecessor – permitem que o autor demonstre ainda mais o apuro de suas palavras na criação de situações contundentes e personagens tocantes. Talvez um dos grandes méritos do livro seja o fato de o autor ter alcançado novas formas de encontro com o leitor, sem prejuízos à sua escrita pungente.
Outra novidade desse trabalho é a exploração, por parte de Sérgio, do realismo fantástico. É nesse novo campo que, curiosamente, florescem alguns dos melhores momentos do livro. “Ofélia” conta a história de uma família pertencente a um grupo em que as pessoas estão presas à tradição – ou à necessidade – de cavarem enormes buracos, onde enterram a si mesmos e a seus pertences, para se protegerem, em um ciclo de renovação. A recusa da filha – cujo nome dá título à história – em seguir o rito provoca grande tensão na família, mas é a força dos símbolos utilizados pelo autor que dá humanidade e lirismo a esse conto fascinante. Em “Hera”, uma extensa narrativa mistura aspectos da ditadura no Brasil e tramas familiares densas a um arco dramático surrealista que remete aos thrillers sobrenaturais do cinema.
Queda da própria altura surge como uma grande surpresa na literatura brasileira atual. Um livro de um grande autor, que não somente confirma mais uma vez seu valor, mas também parte em busca de novos caminhos para sua literatura. Sérgio Tavares produziu um livro instigante, e levou o formato do conto a novas alturas. Alturas das quais a queda certamente fascinará o leitor.
::: Queda da própria altura :::
::: Sérgio Tavares :::
::: Confraria do Vento, 2012, 244 páginas :::
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Rafael Gallo
Escritor, compositor e professor universitário. Seu livro de estreia, Réveillon e outros dias (2012), foi vencedor do Prêmio SESC de Literatura.