Parece que a população resolveu finalmente se levantar contra a repressão. Devemos isto ao junho de 2013.
Poucas pessoas aderiram às manifestações convocadas em mais de 30 cidades para o dia 24 de janeiro contra a Copa. E isso não é surpreendente – pese a imensa alegria de governistas fanáticos.
Não acredito que os protestos sejam pequenos porque o povo quer a Copa, como Dilma e sua militância tentam impor via redes sociais sabe-se lá a que custo, mas na realidade “a Copa” é algo que ainda virá, ainda é abstrato, pouco palpável. Os protestos contra a Copa das Confederações aconteceram durante os jogos, durante o período específico do evento, não antes. E havia ainda o gatilho das manifestações de junho, por algo tão palpável quanto o aumento das passagens e contra a imensa repressão que se seguiu. Agora, no entanto, falta um gatilho que consiga agregar diferentes forças em prol de uma única causa.
Falta um gatilho, mas já há uma reação desproporcional e burra por parte da “militância” governista que pode servir como catalisador de revolta, como por exemplo a grotesca manipulação da foto do Black Bloc em cima do carro de polícia virado (como na foto que abre este texto), e a insistência por parte desta “militância” em manipular fotos e fatos, fabricar notícias e mesmo exigir repressão policial, chegando a pregar o assassinato de manifestantes, com insistência no uso de “argumentos” reacionários beirando o fascismo.
No Rio há maior tensão, aparentemente há maior mobilização popular por diversas razões. Tivemos Amarildo, tivemos greve dos professores, há toda a revolta contra Paes e Cabral… É um caso específico.
Os rolezinhos se encaixam nessa lógica, até certo ponto. Não são um movimento em si politizado, mas são políticos e sem dúvida seu crescimento se deve em (grande) parte à autonomia e protagonismo popular pós-junho e protestos posteriores. Os rolezinhos não são reflexo dos protestos, mas devem a estes parte de seu corpo e potencial.
De certa forma os protestos de junho deram voz à população, permitiram a contestação. No inconsciente de muitos, os protestos foram vistos como libertadores, como um momento de inflexão no poder popular que fez com que muitos perdessem o medo de se levantar – mesmo que para consumir. Penso que veremos na maior parte das cidades resistências isoladas, manifestações isoladas – e por “isoladas” me refiro a manifestações de classe, de grupos específicos, reivindicações específicas e mesmo momentâneas, um quadro de resistência.
A recente revolta de camelôs na região da rua Uruguaiana no Rio é um exemplo. O povo, incentivado pela voz adquirida pós-junho, resolveu não aceitar calado a violência do Estado e os desmandos de seus agentes. Viraram um carro da Guarda Municipal e partiram pra cima desta, sabendo que estavam certos e que tinham direito a não mais serem humilhados e ofendidos. Parece que a população resolveu finalmente se levantar contra a repressão. Devemos isto a junho.
Mas estamos em ano eleitoral, com o nível de tensão no teto, com a expectativa de candidatos e alianças, discursos e novidades. Mesmo partidos mais à esquerda com alguma capacidade de mobilização, como PSOL e PSTU, têm cálculos eleitorais a fazer, o que diminui sua presença nas ruas e mobilizações.
Se por um lado a tensão pode encontrar nas ruas seu escape, por outro as mobilizações ficam cada vez mais descoladas de partidos e organizações com interesses eleitorais, o que tem seu lado positivo e seu lado negativo. De um lado, é fato que a militância orgânica por vezes se mostra mais comprometida em apoiar manifestações quando seu partido as convoca ou as apoia. Por outra, diminui o perigo de cooptação das massas por interesses eleitorais. Dentre, claro, outras razões.
E não nos esqueçamos do “slacktivism” (ativismo de sofá) tão típico no Brasil (mas não só), o que acaba por diminuir o efeito de uma convocação virtual realizada por comunidades/grupos como os Black Bloc ou Anonymous. Muitos dos que confirmam participação em manifestações convocadas pela rede o fazem apenas como sinal de apoio, não necessariamente como comprometimento (ideológico).
O compasso é de espera no que tange grandes mobilizações, mas é de resistência popular em questões micro e específicas. E de uma desconfiança das instituições em geral. Mas no que isso difere das manifestações isoladas que já temos desde sempre? Simples: a inexistência de uma liderança formal e a ausência da tríade CUT, UNE e PT; um processo de descentralização, de movimentos que não são ou nunca foram ligados a estas organizações tomando a frente e organizando manifestações. A novidade é a disputa em si, entre antigas organizações e novas, nas ruas, nos espaços de poder.
Não nos esqueçamos que os protestos de junho começaram e foram mobilizados em grande parte pelo MPL, organização sem qualquer ligação partidária, sem qualquer ligação com a tríade de organizações que, hoje, são basicamente a mesma coisa: o governo.
2014 pode guardar grandes surpresas.
Raphael Tsavkko Garcia
Formado em Relações Internacionais (PUC-SP), mestre em Comunicação (Cásper Líbero) e doutorando em Direitos Humanos (Universidad de Deusto).
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Luís
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