Os investimentos do BNDES em Cuba têm motivação ideológica
“Financiar projetos em Cuba beneficia Brasil”. A interpretação do jornalista Kennedy Alencar para os investimentos brasileiros mais recentes em Cuba é a mesma linha de defesa do governo brasileiro: a gastança no porto de Mariel atende aos nossos interesses porque a linha de crédito do BNDES foi para a Odebrecht, uma empresa nacional.
Em sua própria lógica, esse argumento é tolo. O investimento do contribuinte brasileiro em Cuba é uma boa para a Odebrecht e para a ditadura cubana, mas um péssimo negócio para o brasileiro comum. Pense, para contrastar, nos efeitos que teríamos com essas centenas e centenas de milhões de reais investidos na infraestrutura brasileira.
Então, aos beneficiados. A Odebrecht, essa está no business as usual. Igualmente business será sua participação nas eleições deste ano, por meio de doações. A construtora, ninguém duvida, tem mais motivos para estar satisfeita com o governo Dilma do que o Kennedy Alencar.
Mas a Odebrecht ficaria, como fica, igualmente feliz ao tocar obras dentro do território brasileiro – embora seja preciso admitir que, na competição por grandes projetos no exterior reservados de saída a uma empresa brasileira, ela enfrente bem menos concorrência. Acontece que o governo que tem o Partido dos Trabalhadores à frente esteve desde sempre muito disposto a investir em Cuba. A motivação é ideológica. Basta ler as notícias envolvendo Cuba do site do PT – a mais recente, uma press release da embaixada cubana.
O porto de Mariel pode ou não servir no futuro a empresas brasileiras em um volume que compita com o montante que está sendo financiado via BNDES. O que temos certeza é que o porto é uma inestimável ajuda à última ditadura do continente americano. Ou por acaso os investimentos brasileiros na ilha estão condicionados a um maior respeito aos direitos humanos ou a medidas efetivas rumo à democratização? Absolutamente, não. Isso seria intervir nos assuntos internos de Cuba, algo que o profissionalíssimo governo petista jamais faria. Exceto quando faz – por exemplo, alocando recursos que caem perfeitamente nos desígnios econômicos do governo de Cuba.
Tendo passado por diversas fases desde 1959 – fases que incluem a tentativa de exportar o castrismo para outros países da região –, o regime cubano, mais evidentemente desde a ascensão de Raúl Castro ao trono, decidiu abandonar qualquer pretensão idealista e adotar o modelo da China pós-Mao: um regime economicamente de capitalismo de Estado e politicamente de partido único, com as medidas capitalistas tendo como principal objetivo inserir mais indivíduos no sistema de ganhos e assim tornar mais manejável a mão de ferro do Partido e do aparato de segurança.
Se a casta militar cubana tem cada vez menos esperanças no socialismo, para boa parte da esquerda latino-americana é o sonho socialista que Cuba representa – e é como sonho socialista que se fez realidade que o regime continua se vendendo, com sucesso bastante para que os “índices de saúde e educação” continuem a compensar, na mente dos que têm na ilha seu zoo ideológico, a ausência das liberdades mais básicas. As reformas econômicas andarão de mãos juntas com o regime de partido único. A mão de obra estará, como sempre esteve, ao inteiro dispor dos engenheiros sociais. A próxima fase do comunismo cubano bem pode ser aquela em que falar mal do capitalismo dá cadeia.
Não que isso vá incomodar essa esquerda, no Brasil tão bem representada pela miríade de crentes que vê nos investimentos de Mariel um ato louvável. Não, veja bem, um ato pragmático, ditado pelos interesses econômicos brasileiros – esse é o discurso da assessoria do Planalto e do Kennedy Alencar para os indecisos –, mas um ato de solidariedade. Continuamos em um ambiente envenenado, no qual atender aos projetos essenciais para uma ditadura se manter no poder é tido como o equivalente a ser solidário com a população que vive sob tal ditadura. E vemos ativistas que geralmente gastam metade de seu tempo implorando por mais gastos do Estado brasileiro que tenham efeito o mais imediato possível na vida dos brasileiros denunciarem os críticos dos investimentos brasileiros em Cuba como sujeitos insensíveis.
Daniel Lopes
Editor da Amálgama.
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