Uma reverência a Stalin é um acinte a todos que repudiam ideologias para as quais fins justificam meios.
Aldo Rebelo parece um cara gente boa. Está sempre sorridente, é simpático e benquisto pela dupla Blatter/Valcke. Possui amizades no meio empresarial daquela turma da Lava-Jato, que, sob sua gestão à frente do Ministério dos Esportes, pelo visto construiu estádios para a Copa tão seguros quanto o Palace do Sérgio Naya. Foi presidente da UNE, vereador, candidato a vice-prefeito de São Paulo. Como deputado federal, Aldo apresentou vários projetos de lei curiosos. Ele pretende, por exemplo, proibir o uso de estrangeirismos, incluir 10% de raspa de mandioca na farinha de trigo do pão francês e instituir do Dia do Saci-Pererê para substituir a comemoração do Halloween.
Não acho que “hora-feliz” seja tão melhor que “happy-hour“, senão seria melhor criar logo o pão guarani. E, se umas bruxas e abóboras são tão assustadoras a ponto de uma lei determinar sua substituição por um perneta travesso que fuma cachimbo, elas estão cumprindo bem seu papel. O perneta travesso foi representado pela primeira vez na obra O Saci-Pererê: resultado de um inquérito, de Monteiro Lobato, escritor considerado racista pela ministra da Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes, atualmente colega de Aldo, que assumiu o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O fato de ele também ter proposto uma lei que proíbe a inovação tecnológica na administração pública é mero detalhe ao qual Dilma certamente não quis se apegar na hora de escolhê-lo para a pasta.
Apesar dessas nulidades, Aldo é o tipo de pessoa em quem não se deve confiar nem mesmo se ele fosse seu irmão. Pois se pudesse, Aldo expropriaria a sua propriedade, confiscaria a sua conta bancária e o obrigaria a trabalhar 12 horas numa sovkhoz (na novilíngua de Aldo, palavras russas não são estrangeirismos) colhendo batatas ou – caso tivesse sorte, habilidades manuais ou algum companheiro incrustado no partido – numa fábrica de panelas ou numa tecelagem de uniformes militares. Como remuneração, alguns quilos de farinha (ou seria mandioca?) para você não sofrer com inanição, suprimentos básicos como vestuário (esquece aquele jeans subversivo da Levi’s, porque ele já destruiu o Império Soviético) e, só de vez em quando, umas lâminas de barbear (ou você acha que Orwell estava brincando?).
Claro que você poderia resistir, mas eu não aconselharia. Miami é bem distante pra ir de jangada ou wind-surf, e atravessar a Cortina de Ferro escalando a Cordilheira dos Andes pra se refugiar no Chile seria bastante perigoso. Se fosse pego, Aldo mandaria você e a sua família, amigos e animais de estimação para um gulag na Amazônia, onde até o fim dos seus dias – raramente mais de um quinquênio – vocês cortarão madeira de alta-qualidade para exportar para a Europa. Vendo perecer um por um dos seus queridos, talvez chegasse a hora em que você lamentaria que Aldo não tivesse a mesma “sensibilidade” que outros tiranos tiveram, i.e., encerrando de uma vez o sofrimento de suas vítimas com um indolor projétil de AK-47 em suas nucas, ao invés de mantê-las vivas (apenas sob o aspecto biológico) como peões a serviço da construção da utopia socialista.
Na pior, você, sua família, seus vizinhos e comunidades inteiras poderiam ser privados de alimentos. Haveria comércio de carne humana e a iminência do holodomor tornaria o canibalismo trivial. Para muitos – assim como ocorre com os animais – o instinto de sobrevivência suplantaria a compaixão e o afeto pelo outro, então só reconhecido como pedaços de tecidos para saciar sua necessidade momentânea e dar sobrevida ao zumbi. Desprovido de qualquer resquício de humanidade, talvez chegasse o tempo em que você preferisse um terror bestial e repugnante como a Solução Final de Heinrich Himmler ao terror de Aldo, tal como preferiram alguns indivíduos do leste europeu, submetidos à escravidão em campos de concentração na Sibéria por aquele em que o próprio Aldo sugere espelhar-se.
Embora, evidentemente, isso seja uma conjectura baseada em fatos históricos, é lamentável que o ministro, membro do Partido Comunista, compartilhe uma imagem de Stalin sem emitir qualquer juízo de reprovação. Se o calendário foi presente e Aldo desejou mostrá-lo publicamente, pode-se supor que ele tenha gostado, não? Alguém imagina como reagiria o “outro lado” se Jair Bolsonaro ou qualquer correligionário do PSDB ou DEM compartilhasse uma imagem de Hitler ou mesmo Mussolini ou Franco? Estaríamos diante de uma hecatombe política e, a essa altura, a turma do PCdoB, PSOL e PT já teria exigido a cassação ou o impeachment.
Na semana em que se relembra a libertação de Auschwitz – ainda que pelo próprio Exército Vermelho – uma reverência a Stalin é um acinte a todos que repudiam ideologias para as quais fins justificam meios. Aquelas concepções de mundo que, para sua consecução e edificação, pouco se importam com os métodos, os instrumentos e os expedientes empregados, por mais sórdidos que sejam. Nesse mundo real – bem aquém da Europa Ocidental que Marx habitou e onde podia, no conforto que o burguês Engels lhe proporcionava, escrever suas teses estapafúrdias – elas resultaram na pior tragédia humana que conhecemos.
De Hobsbawn e Zizek a black blocs e colunistas da Carta Capital que sentem saudades dos fuzilamentos, a sociedade – sobretudo após a queda do Muro de Berlim, a partir da qual o socialismo/comunismo teria implodido definitivamente – tem se portado de forma cada vez mais inerte, indiferente e impassível diante de manifestações condescendentes, quando não aquiescentes, dos crimes de Stalin, medalha de prata no quesito genocídio única e exclusivamente porque a China de Mao era bem mais populosa que a URSS. Isso é um erro. Intolerância não pode ser tolerada. Toda a sociedade – especialmente os meios-de-comunicação, as escolas e as universidades, as igrejas e os cultos, a classe artística e literária – deveria se insurgir contra Aldo e sua agremiação, reincidente na idolatria daquilo que de pior o mundo já produziu.
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Marola
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Marola
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