O atentado de 7/1 nos força a pensar se deve haver limites à fé

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No debate público sobre a laicidade do estado, as versões mais radicais do polo laicista costumam usar um suposto vínculo entre religião e violência para defender que as manifestações religiosas devam ser relegadas às catacumbas. Em contraposição, o polo pró-religião costuma lembrar que a noção de genocídio surgiu não da religião, mas da aplicação in extremis da razão, nos campos de concentração nazistas.

Contudo, sim, versões fundamentalistas do pensamento religioso costumam levar à violência. Principalmente quando a religião se torna cesarista e busca se apresentar como uma via política, é muito comum esquecer-se do dar a outra face. O atentado de 7/1 na França é apenas mais um exemplo.

Então estão certos os laicistas radicais? Não. A solução não está nem na construção de uma sociedade sem Deus – que pode nos levar ao Holodomor, para dizer o mínimo – nem em um ceticismo relativista, que pode nos conduzir à inação. Como sempre, a realidade tende a ser mais complexa que os esquemas mentais ideológicos.

Talvez o maior desafio seja encontrar o adequado equilíbrio entre fé e razão. Mantém-se atual o debate travado entre dois grandes intelectuais alemães do século XX, o filósofo Jurgen Habermas e o então cardeal Joseph Ratzinger, publicado em Dialética da Secularização. Neste debate, ambos concordam que deve haver algum limite para a fé e a razão, para se resguardar a convivência democrática. Dizia Habermas:

vou sugerir que se entenda a secularização cultural e social como um processo didático duplo, que obriga as tradições do Iluminismo assim como as doutrinas religiosas a uma reflexão acerca de suas respectivas fronteiras

Por outro lado, afirmava Ratzinger:

Nós vimos que há patologias na religião que são extremamente perigosas e que tornam necessário encarar a luz divina da razão como um, por assim dizer, órgão de controle, a partir do qual a religião sempre deve se deixar purificar e organizar novamente, o que foi, aliás, também a noção dos padres da igreja.
Em nossa reflexão, porém, mostrou-se que também há patologias da razão (do que, hoje em dia, a humanidade em geral não tem exatamente consciência), uma hybris da razão, a qual não é menos perigosa, ao contrário, devido à sua potencial eficiência, muito mais ameaçadora: a bomba atômica, o homem como produto. Por isso, por outro lado, a razão também deve ser lembrada em seus limites e aprender a disposição de ouvir as grandes tradições religiosas da humanidade. Quando ela se emancipa completamente e coloca de lado essa disposição de ouvir, essa capacidade de correlação, ela se torna destruidora.
Eu falaria de uma necessária correlação entre razão e fé, entre razão e religião, as quais são convocadas para uma purificação e salvação recíproca, que se carecem mutuamente e que precisam reconhecer isso.

Não é um exercício fácil. Encontrar a justa medida entre a contribuição das tradições religiosas seculares com as necessidades da convivência democrática no estado laico exige de ambos os lados uma abertura ao diálogo e, especialmente, ao “outro”. A pergunta que fica é: estão os setores radicais dispostos a esta abertura? E se não estiverem, o que as sociedades democráticas devem fazer?

Paulo Roberto Silva

Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

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