“Mapa para as Estrelas” é tentativa de atualizar a tragédia grega
Mas o Olimpo hollywoodiano é só exagerado, fútil e chato.
A tragédia grega tinha uma função social, que era a de alertar os indivíduos para os limites morais. A representação de enredos catastróficos, com cenas de horror e mortes, devia provocar, segundo Aristóteles, a catarse na plateia; a purgação das emoções dos espectadores. Não raro, esses enredos tratavam de dramas envolvendo incestos, fantasmas, incêndios e afogamentos e mortes trágicas – muitos deles baseados em histórias da tradição oral onde deuses interferem no cotidiano, alterando o destino dos personagens. David Cronenberg e seu roteirista Bruce Wagner, deviam ter isso em mente quando conceberam o filme Mapa para as Estrelas, que demorou mais de cinco anos para ser filmado.
O filme se passa no Olimpo moderno, Hollywood. Um ator de treze anos é o astro de uma comédia de sucesso e filma a sua sequência – e também vê gente morta. A mãe do garoto é sua agente e serviçal. O pai é um massagista de celebridades e teleguru de autoajuda. Há sete anos, essa família viveu um drama: a filha do casal deu remédios para o irmãozinho e botou fogo na casa – mas eles, aparentemente, superaram isso.
O enredo começa, na verdade, com essa estranha garota, Agatha, chegando à cidade, onde pretende escrever um roteiro com Carrie Fisher — ela mesma, a princesa Léia de Star Wars –, que conheceu pelo Twitter. (A referência relacionada a Carrie aqui, porém, não é Star Wars, mas sim Lembranças de Hollywood, que Carrie escreveu, outra grande crítica ao hollywood way of life). Robert Pattinson é o motorista da limousine (mas aspirante a ator e roteirista), que ela aluga para visitar um local. E depois ficam amigos.
Ainda na apresentação dos personagens, conhecemos a veterana e disfuncional atriz Havana Segrand, que tenta se livrar do fantasma da mãe, que morreu em um incêndio, ao mesmo tempo em que quer o papel no remake de um filme que fora protagonizado por ela, a mãe.
Incêndios mudaram as vidas desses personagens, que vivem na tensão desse palco constante chamado Hollywood, onde todos representam constantemente, onde quer que estejam. E essa metalinguagem é o que há de mais interessante no filme.
Ok, a tragédia moderna está instalada, e vamos acompanhando esses peões se movendo dentro do roteiro trágico, até que as mortes começam a se suceder, num continuum, chegando ao ápice que revela que “liberdade é morte”. Cai o pano. Estamos catárticos? Eu não.
Os truques de Cronenberg e Wagner são fáceis demais. Colocar Julianne Moore (melhor atriz em Cannes) defecando em uma cena – obviamente para mostrar que deusas do cinema também fazem isso – é meio bobo. Senti certo constrangimento em alguns diálogos que alguns vão dizer que é como se olhássemos pelo buraco da fechadura de Hollywood – que bobagem! O cume do constrangimento é determinada cena, no entrecho final, de um dos personagens inexplicavelmente pegando fogo na beira de uma piscina: é o pior efeito especial num filme desde Ed Wood. Fui bisbilhotar grupos de discussão sobre o filme por aí e muitos acreditam que o fogo, claramente fake, seria proposital; uma maneira de Cronenberg dizer que tudo o que vimos ali é falso. Metáfora, manja? Eu só achei feio.
Para os fãs de cinema, porém, o filme pode ser divertido pelas associações que propõe. Juliane Moore parece uma Lindsay Lohan mais velha. O ator mirim é Maculay Culkin, mas também Haley Joel Osment. Mas é uma brincadeirinha que não sustenta um filme. Assista por sua conta e risco.
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PS: o roteirsta Bruce Wagner escreveu um romance elogiado, baseado no roteiro do filme. Habitante enraizado de Hollywood, Wagner foi casado com Carol Tiggs, a Mulher Nagual, principal bruxa da entourage de Carlos Castañeda nos anos 70. Se você procura uma história realmente louca, assustadora e interessante, como os primeiros filmes de Cronenberg, busque por Carol Tiggs por aí.
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