Teríamos no Brasil as condições para o surgimento de uma Nova Esquerda nos moldes da europeia?
A vitória da Coligação da Esquerda Radical (Syriza, na sigla em grego) na Grécia é o fato mais recente de uma sequência de resultados eleitorais espetaculares de grupos de extrema-esquerda na Europa. Junto com o espanhol Podemos, são identificados como uma Nova Esquerda, mais conectada à juventude e aos movimentos digitais, e que reflete os movimentos de massas destes países contrários à receita de austeridade implementada na Europa após a crise de 2008.
Diante de fatos assim, vem a pergunta: e no Brasil, teríamos condições de ter o nosso Syriza? Essa pergunta manifesta uma esperança de renovação da esquerda brasileira, mas esconde uma ignorância típica de quem coloca processos diferentes no mesmo saco. Sim, tivemos mobilizações lá e cá. Sim, a nossa esquerda precisa se renovar – afinal PT e PCdoB dispensam explicações, PSTU e PCB estão presos aos parâmetros bolcheviques ortodoxos, e o PSOL parece já ter nascido burocratizado em sua disputa interna de correntes. Mas as semelhanças param por aí.
Primeiro olhemos o Syriza. O seu processo de criação começou em 2002, com um chamado pela criação de uma frente de esquerda na Grécia. Foram doze anos de construção e atuação política consistente, e uma crise financeira que foi mais grave na Grécia, até chegar às vitórias de 2014 nas eleições do Parlamento Europeu e em 2015 nas nacionais.
O Podemos realmente foi criado em 2014, mas desde 1995 existe uma chamada Esquerda Unida, da qual participavam alguns grupos que deram origem ao Podemos, como o Esquerda Alternativa. São grupos que apesar das diferenças se acostumaram a atuar juntos, e puderam assim constituir um movimento alternativo.
No caso brasileiro as coisas não se apresentam da mesma forma. Sim, tivemos junho de 2013, um movimento de massas jovem e que sacudiu as bases da política nacional naquele momento. O que nos faltou foi uma liderança capaz de aglutinar aquelas insatisfações e se colocar como uma alternativa. Marina Silva quase foi essa alternativa, mas a crise em que o Rede está inserida, com rachas internos, inviabiliza essa opção no curto prazo. O PSOL seria um partido que reuniria o mesmo espectro que o Podemos e o Syriza, mas diferentemente deles não soube aglutinar junho, e em alguns casos serviu de proteção a fontes de desagregação, como na relação entre Marcelo Freixo e os black blocs.
Além disso, o nosso momento é outro. Ali o Estado amarga alguns anos de crise por conta de um plano de austeridade exagerada. Aqui o que temos é a expansão fiscal exagerada e mal-direcionada, focada no consumo e no capitalismo amigo. A nossa correção de rota é diferente. Além disso, a nossa austeridade está sendo feita em casa, com um Chicago-boy doméstico, e não imposta por uma troica. Normalmente, isso tende a dar mais certo.
Por tudo isso, nossa esquerda tupiniquim precisa comer um pouco mais de arroz com feijão, e junta, para que se possa surgir algo próximo de um Podemos ou um Syriza. Precisa se renovar, e superar o sectarismo burocrático típico de organizações bolcheviques, como é o caso da maioria das correntes locais. E apostar mais em uma atuação institucional coerente e menos em empreitadas vanguardistas como dos black blocs. Para que tudo isso aconteça, 2015 é pouco. Contentemo-nos com Levy por enquanto.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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