Seria interessante a edição de lei federal com limites claros e proporcionais para questões envolvendo manifestações.
Parece que estamos diante de uma nova tradição das nossas cidades grandes – especialmente São Paulo: toda vez que uma majoração do valor das passagens de ônibus ocorre, passamos a conviver com manifestações contrárias ao aumento e favoráveis ao passe livre ou tarifa zero. Ou seja, a que o transporte público seja custeado através de impostos. Não pretendo criticar – concordando ou discordando – a proposta base do movimento. Isto já foi feito por gente bem mais qualificada nesse terreno do que eu. O que nos interessa aqui são as manifestações. Afinal, parece-me que, mais do que as suas propostas, os maiores problemas que aparecem são relativos às reuniões públicas do MPL (passeatas).
Dito isso, concordo com grande parte daquilo que foi dito por Eduardo Wolf aqui na Amálgama. Realmente, tanto no Brasil como em todo o mundo democrático, nenhuma passeata pode acontecer fora de padrões mínimos de segurança e legalidade (constitucional). Entretanto, ao contrário do que o autor diz, não há necessidade de autorização prévia às passeatas em diversos locais. Em Portugal, na Espanha e nos Estados Unidos – de acordo com a primeira emenda, especialmente a partir do caso paradigma Hague v. Comitee of Industrial Organization –, por exemplo, não é necessária autorização prévia para a realização de passeatas.
Obviamente, também concordo com o autor quanto à necessidade de investigação e aplicação da lei em relação a atos de vandalismo de patrimônio público e/ou privado praticados no curso dessas manifestações. Também concordo que a não aplicação da lei pela Polícia Militar do Estado de São Paulo mostra sua incompetência em agir de acordo com a legalidade constitucional. Provoco, entretanto, perguntando se talvez a não investigação e a não aplicação da lei nestes casos não sirva exatamente como uma justificativa para esta polícia poder ser violenta e dissolver manifestações quando isto interessa.
A polícia deve agir, preferencialmente, de forma pontual nos focos de violência. Apenas em casos de violência generalizada pode ela agir para dispersar a multidão. Talvez a grande dificuldade da PM de agir taticamente e prender em flagrante apenas aqueles que praticam atos violentos seja também fruto do seu arranjo institucional: ela não é uma polícia que deve investigar e trabalhar com vistas à aplicação da lei penal, mas sim uma polícia meramente ostensiva, acostumada a repreender e atuar não de modo preventivo, mas sim repressivo.
Por outro lado, nossa constituição é bem clara ao trazer os requisitos para o exercício do direito de reunião:
– reunião pacífica;
– sem armas;
– em locais abertos ao público;
– independentemente de autorização;
– não podendo frustrar outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local;
– prévio aviso à autoridade competente.
Logo, entendo que os problemas que surgem nessas manifestações devem-se a questões de compatibilização de direitos diversos de pessoas diversas, isto é, ao conflito dos direitos dos manifestantes com aqueles das outras pessoas. O que não podemos é ter a ação discricionária das polícias ou de agentes estatais – como o Secretário de Segurança Pública – limitando desproporcionalmente os direitos das pessoas. O melhor modo de resolver esses conflitos é através da legalidade constitucional, ou seja, reafirmando o nosso Estado Democrático de Direito.
Assim, seria muito interessante a edição de lei federal com limites claros e proporcionais para certas questões como, por exemplo: qual o prazo para o aviso prévio (prazos muito longos, por exemplo, não seriam proporcionais e, portanto, seriam inconstitucionais); possível proibição de manifestações ou obrigação de silêncio em frente a hospitais ou outros lugares públicos que exijam silêncio, exceto quando a manifestação tenha por objeto estes lugares públicos; o que o aviso prévio precisa conter (quantidade esperada de participantes, trajeto, etc).
Além disso, no futuro próximo talvez tenhamos uma compatibilização melhor desse direito porque o STF já reconheceu – em outubro de 2015 – a repercussão geral do julgamento do Recurso Extraordinário nº 806339, que versa sobre direito à reunião. Seria melhor para o sistema jurídico que a lei viesse antes da manifestação do STF, mas ainda assim a decisão do tribunal certamente será importante. Só não sabemos quando ocorrerá.