O senador de Vermont tem sido considerado por muitos o “Trump liberal”.
Se a sensação das primárias republicanas tem sido o bilionário polêmico Donald Trump, do lado democrata um senador de um pequeno estado surpreendeu pelo apoio obtido entre os jovens. Mais ainda por se definir como “socialista” em um país no qual esse termo é uma ofensa. Como entender o fenômeno Bernie Sanders?
Formação nos movimentos civis
Bernie Sanders tem hoje 74 anos. Nasceu em setembro de 1941 em Nova York, meses antes do ataque à base americana em Pearl Harbor. Quando o atual presidente Barack Obama nasceu, Sanders já estava cursando o terceiro ano da universidade, em Chicago. Sua juventude coincidiu com um momento de enorme dinamismo político: os movimentos pelos direitos civis, o pacifismo contra a Guerra do Vietnã, o assassinato de Kennedy e a instalação da Great Society de Lyndon Johnson.
Sanders participou intensamente dos primeiros. Esteve nas demonstrações públicas de apoio à pauta de Martin Luther King, Jr., tendo assistido ao famoso discurso “I Have a Dream”. Desde então, Bernie Sanders não se desligaria dos movimentos populares mais à esquerda, e procuraria representá-los em sua carreira.
Uma longa carreira política
Mudando-se para o pequeno, frio e pouco habitado estado do Vermont, Sanders desde então tentou fazer parte da discussão política. Nos anos 70, disputou o governo estadual pelo Liberty Union Party of Vermont, um partido que se define como socialista. Acabou eleito prefeito de Burlington, a maior cidade de Vermont, em 1981. Com menos de 40 mil habitantes, a cidade nunca negou a Sanders um mandato: reeleito três vezes, exerceu a prefeitura até 1989, quando procurou voos mais altos.
Vermont é um estado tão pequeno que tem direito a apenas um representante na Câmara dos Deputados. Sanders foi eleito para essa vaga em 1990 e continuamente reeleito até 2006, quando obteve uma das duas vagas ao Senado disponíveis ao estado. Ou seja, Bernie está no Congresso há um quarto de século, sempre eleito de modo independente (a lei americana permite que candidatos sem partido sejam eleitos) e sendo uma das vozes mais à esquerda. Ganhou alguma notoriedade ao se opor fortemente à Guerra do Iraque promovida pelo presidente George W. Bush, com o apoio de boa parte da elite democrata – incluindo Hillary Clinton.
A campanha presidencial
Desde a reeleição de Barack Obama em 2012, a expectativa de todos os comentaristas políticos era ver uma disputa renhida entre os republicanos para decidir o desafiante de Hillary Clinton. Não havia outra possibilidade. Muitos senadores e governadores que eventualmente poderiam tentar a sorte na campanha preferiram desistir. Até mesmo o vice-presidente Joe Biden parece ter se resignado ao papel decorativo de líder político do partido fora dos holofotes.
Mas a nomeação de Hillary não contava com tamanha força de uma candidatura que começou tentando apenas chamar a atenção do público para questões caras à esquerda americana. A desigualdade de renda, a importância das doações empresariais sobre o comportamento dos políticos no Congresso, as reformas sociais, todos esses tópicos são o motivo pelo qual um senador independente procurou concorrer pela indicação dos democratas. Se Sanders conseguisse fazer a discussão pública ir para seu lado, já teria vencido.
Pelo menos do lado dos democratas, isso ocorreu. Sanders conseguiu, a partir de pequenas doações de milhares de americanos, montar uma campanha que consegue gastar mais em publicidade televisiva que Hillary Clinton. Recusando-se a receber dinheiro dos bancos ou de montar os famigerados SuperPACs, o senador de Vermont tem sido considerado por muitos o “Trump liberal”: é também um outsider e tem um discurso considerado radical nos Estados Unidos, procurando espelhar-se no “socialismo” dos países escandinavos.
Pequenas chances, grandes intenções
Como foi dito, Bernie Sanders quer mudar a conversa. Forçar Hillary a se comprometer a grandes reformas e instilar nos mais jovens a ideia de que é necessária uma “revolução” em Washington para acabar com a força das grandes empresas e devolver o governo ao povo. É uma mensagem radical que provavelmente teria muito mais dificuldade de vencer a eleição geral do que o pragmatismo liberal de Hillary.
Mas isso não tem detido os apoiadores de Sanders. Ele tem alguma chance de vencer Iowa, o que seria um marco importante: desde 1996 o vencedor democrata em Iowa acaba se tornando o nomeado. Mas suas chances são muito melhores em New Hampshire, estado vizinho de Vermont e bastante parecido demograficamente. Isso daria fôlego à sua campanha, mas nos estados sulistas muito provavelmente Hillary terá grande vantagem pela sua força com o eleitorado negro e hispânico.
Mas se Sanders vencer a nomeação e depois a presidência, espera-se que o comediante Larry David, também nascido e criado no Brooklyn em Nova York, continue a imitá-lo perfeitamente.
Vinícius Justo
Mestre em Teoria Literária pela USP.
[email protected]