Eleição americana – perfil de Donald Trump

por Vinícius Justo (27/01/2016)

Suas plataformas vêm imbuídas de um forte sentimento de raiva e descrédito com relação às lideranças atuais.

trump

O nome das eleições americanas até aqui não é um político tradicional. Na verdade, é um bilionário, empresário do ramo imobiliário, dono de um dos prédios mais altos e conhecidos de Manhattan, estrela de TV e figura fácil entre as celebridades estabelecidas em Nova York. Mas há seis meses, desde que entrou na campanha pela presidência dos Estados Unidos, tornou-se o líder em quase todas as pesquisas entre os eleitores republicanos. Quem é Donald Trump?

O bilionário

Trump (ou The Donald, como é chamado por muitos nos EUA) começou sua carreira no ramo imobiliário por influência do pai, Fred Trump, também da área. Desde os anos 70 tem obtido grandes contratos urbanísticos, tanto públicos como privados. Destacou-se pelo arrojo de seus empreendimentos, mas também pelas acusações de favorecimento em inúmeros projetos.

Seu sucesso profissional deveu muito à sua habilidade de se relacionar com várias pessoas, fora e dentro do governo, e aproveitar cada oportunidade. Rapidamente obteve capital suficiente para investir em outras atividades, como o famoso Taj Mahal Casino. A Trump Tower é um dos prédios mais famosos de Nova York e foi concluída em 2001.

The Apprentice (O Aprendiz) e a “face entretenimento” de Trump

Donald Trump é muito mais famoso do que vários outros bilionários. Um grande motivo é sua determinação em aparecer no show business. Trump foi dono de parte das marcas “Miss Universo” e “Miss USA” até 2015, quando lançou a campanha presidencial. Fez várias aparições na TV, mas nada lhe rendeu mais reconhecimento do que a série The Apprentice, que apresenta desde 2003. Foi adaptada para o Brasil pela Rede Record, apresentada por Roberto Justus.

No reality show, Trump acompanha um grupo de trainees interessados em se tornar membros importantes das empresas dele. Após passarem por provas destinadas a avaliar sua aptidão para o trabalho, os candidatos são analisados por Trump e um deles é sempre demitido ao final do programa. O bordão “You’re fired!” (no Brasil, “Você está demitido!”) tornou-se marca registrada de Donald, que já o usou se referindo ao presidente Barack Obama.

A vida política de The Donald

Não foi nesta campanha que Donald Trump fez sua estreia na política. Para além de suas contribuições financeiras (que foram mais a favor de democratas do que republicanos até poucos anos atrás), Trump tem sido um ator relevante nas franjas mais radicais do populismo de viés conservador, parcialmente identificado com o movimento Tea Party e de extrema oposição às políticas de Barack Obama.

Entre 2009 e 2011, The Donald foi um dos mais proeminentes birthers, defensores da teoria de que Obama não teria nascido nos Estados Unidos. Ameaçava entrar em campanha pelo partido republicano para desafiar Obama em 2012 com a única plataforma de ilegitimidade do presidente. Quando a certidão de nascimento completa de Obama foi finalmente apresentada, o movimento perdeu força. Trump recebeu a zombaria pública sobre isso diretamente do presidente:

Isso colocou uma pausa no projeto presidencial de Trump, que apoiou Mitt Romney de modo estridente em 2012. Depois de anos se reposicionando como um conservador, lançou sua candidatura em junho de 2015, subindo nas pesquisas quase imediatamente e se mantendo no topo até agora.

Propostas e posições ideológicas

Donald Trump não é o candidato ideologicamente mais coerente que já surgiu, por assim dizer. Suas posições mudaram muito e continuam mudando, de um lado a outro do espectro. Já foi a favor do aborto e de restrições na venda de armas, pautas normalmente associadas aos democratas. Hoje sua opinião é outra, diz. Sua percepção atual da imigração ilegal como grande problema americano talvez tenha vindo de várias denúncias de contratação de imigrantes ilegais em suas empreitadas imobiliárias.

Trump tem três grandes conjuntos de propostas que parecem ter encontrado forte ressonância em parte considerável do eleitorado republicano e repúdio profundo do eleitorado democrata: 1) deportar todos os imigrantes ilegais, construir um muro gigante (“a beautiful wall”) separando os EUA do México e fazer este país pagar pela construção do muro; 2) impedir temporariamente a entrada de muçulmanos nos EUA, “até sabermos o que está acontecendo”, bombardeando e aniquilando o Estado Islâmico enquanto isso; 3) endurecer negociações sobre comércio e estratégia militar com inúmeros países, especialmente a China.

Todas essas plataformas vêm imbuídas de um forte sentimento de raiva e descrédito com relação às lideranças americanas atuais. A percepção dos apoiadores de Trump é de que os EUA deixaram de ser o melhor país e precisam de um comando firme. Daí o slogan “Make America Great Again”. No entanto, o melhor resumo para tudo isso é “populismo”. Nada do que Trump propõe possui alguma base substantiva, tem alguma exequibilidade ou está em consonância com os valores americanos – mas como se trata de um discurso de repúdio a “tudo que está aí” e promete mundos e fundos com soluções simples e erradas, tanto moral quanto pragmaticamente, tem obtido sucesso.

Esta entrevista recente de Donald Trump é bastante clara quanto a todos esses pontos e em relação à personalidade no mínimo controversa do bilionário:

As chances de Donald Trump

Quando surgiu forte nas pesquisas em julho, Donald Trump foi descartado pela quase totalidade dos comentaristas, que acreditavam ser apenas um breve “surto” que logo cessaria. Com o passar dos meses, um clima de incredulidade foi se instalando. Cada gafe ou proposta maluca de Trump (e não foram poucas) deixava os analistas à espera do “fim”, que não chegou até agora. Da incredulidade, passou-se à narrativa de inexpugnabilidade e pouco a pouco está-se chegando à inevitabilidade. Muitos passaram a acreditar que não há resultado mais provável que a vitória de Trump.

Pessoalmente, ainda não acho Trump favorito à nomeação pelo partido republicano. Apesar do favoritismo nas pesquisas, a verdade é que a campanha ainda está muito aberta. Um resultado ruim de Trump pode ter efeito imprevisível sobre sua aura. Além disso, o partido não está nada interessado em vê-lo ser o candidato, não apenas por suas posições anti-establishment: seria praticamente impossível sua vitória contra Hillary Clinton.

Em última instância, o apoio que Trump obteve até agora se aproxima de um terço do eleitorado nas pesquisas. Hoje em dia a maior parte das primárias iniciais se resolve de modo proporcional – ou seja, se mantiver esse eleitorado Trump não vai obter tantos delegados assim para a Convenção Republicana em julho e poderia ser facilmente batido por uma união dos delegados de vários outros candidatos.

O que não pode ser ignorada é a possibilidade de Trump concorrer de modo independente caso não consiga a nomeação republicana. Se isso acontecer, muito provavelmente a eleição será dada de bandeja para os democratas, pois Trump causaria uma divisão dos votos conservadores que inviabilizaria uma vitória republicana.

O impacto de Donald Trump sobre o processo eleitoral de 2016 é inegável. Seu real significado ainda é incerto. Pessoalmente, não creio que veremos seu topete na Casa Branca em 2017.

Vinícius Justo

Mestre em Teoria Literária pela USP.

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