Quando foi estudar direito em Yale, Hillary já estava do lado democrata.
Hillary Rodham Clinton é uma figura que provavelmente dispensa apresentações. Mas é possível encontrar passagens curiosas em sua trajetória que ajudam a explicar como a favorita a conseguir a nomeação democrata à presidência dos Estados Unidos chegou onde chegou.
Ela já foi republicana (e fez campanha por Nixon quando era criança)
Hillary nasceu e cresceu em Chicago, Illinois. Sua família era da igreja metodista e politicamente conservadora, o que acabou guiando seus passos. Aos treze anos, ajudou a campanha de Nixon à presidência. Em Illinois, Nixon perdeu por menos de 10 mil votos para Kennedy, numa das eleições mais apertadas da história.
Aos dezessete, Hillary novamente fez campanha para republicanos, desta vez em favor de um dos candidatos mais conservadores de todos os tempos: Barry Goldwater. Na faculdade suas visões começaram a mudar, especialmente pelo contato com o movimento pelos direitos civis e a oposição à Guerra do Vietnã. Quando foi estudar direito em Yale, Hillary já estava do lado democrata.
Ela já foi primeira-dama (e tentou reformar o sistema de saúde americano)
Uma das promessas de campanha de Bill Clinton em 1992, após dez anos como governador do pequeno estado do Arkansas, foi reformar o sistema de saúde americano. Sua proposta de obrigar empregadores a pagar pelos planos de saúde de seus empregados gerou intensa oposição. Mesmo democratas passaram a se distanciar dessa proposta e as empresas seguradoras de saúde lançaram uma forte campanha publicitária para enterrar os planos do presidente Clinton.
Hillary não teve papel forte na formulação da legislação proposta pela administração, mas se engajou fortemente para tentar reduzir a resistência do Congresso e da população à ideia. Não conseguiu. Ao contrário: sua participação foi causa para várias acusações da oposição. O plano foi um dos motivos que levou à reconquista republicana da Câmara dos Deputados, que há décadas era controlada pelos democratas, em 1994.
Outro momento importante e altamente desgostoso para Hillary durante seus oito anos como primeira-dama foi o caso Monica Lewinsky. Lidar publicamente com os casos de infidelidade de seu marido nunca foi fácil e até hoje rendem problemas. No entanto, é possível dizer que Hillary saiu fortalecida do caso, visto que foi a vítima de uma traição que motivou até mesmo um processo fracassado de impeachment contra Bill Clinton.
Ela já foi senadora (e só conseguiu aprovar três leis em oito anos)
Ainda antes da saída de seu marido da Casa Branca, Hillary procurou alçar voos próprios e candidatou-se de forma bem sucedida ao Senado pelo estado de Nova York. No começo manteve um perfil mais discreto com a intenção de trabalhar com os adversários republicanos após a vitória de George W. Bush. Foi bem sucedida e participou da elaboração de projetos em comum com os colegas do outro partido.
No entanto, Hillary patrocinou centenas de projetos de lei, mas apenas três foram sancionados pelo presidente Bush, sendo que a maioria nem saiu das comissões do Senado. Os três projetos aprovados foram todos inócuos.
Sua presença no Senado no entanto ajudou-a a construir sua candidatura para a presidência a partir de 2007. Suas ligações com os colegas e a experiência como primeira-dama fizeram dela uma candidata formidável. No entanto, foi atropelada pela juventude de Barack Obama.
Ela já foi secretária de Estado (e visitou o Brasil na posse de Dilma Rousseff)
Os quatro anos restantes de Hillary no Senado não foram exercidos, pois o presidente eleito Barack Obama a convidou para ser a terceira mulher secretária de Estado. O cargo é o mais importante dentre os não elegíveis nos Estados Unidos, pois secretários de Estado são responsáveis pela formulação e execução da política externa americana.
Durante sua presença na administração Obama, vários casos problemáticos surgiram. Especialmente em 2012, com o ataque à embaixada americana em Benghazi, na Líbia, que autoridades demoraram a confirmar como terrorismo. O episódio causou algum desgaste na imagem pública de Hillary.
Recentemente, foi revelado que ela não tratou adequadamente a correspondência eletrônica recebida enquanto estava na secretaria de Estado. Clinton e seus aliados têm considerado as alegações meras tentativas dos republicanos de atrapalhar sua campanha, mas independentemente disso Hillary precisou lidar com mais questões negativas do que outros secretários de Estado, justamente por ser candidata à presidência.
Em 1º de janeiro de 2011, Hillary foi convocada a representar os EUA na posse de Dilma Rousseff no Brasil. Durante a cerimônia, Clinton acabou encontrando-se com Hugo Chávez de modo amistoso. Hillary espera repetir Dilma e ser a primeira presidente mulher de seu país.
Ela já foi considerada franca favorita à presidência uma vez
Em 2007, sua nomeação para disputar a presidência em 2008 parecia garantida. Muitos pontos de vantagem nas pesquisas e uma máquina eleitoral formidável prometiam a Hillary chegar às eleições gerais em excelentes condições para se tornar a primeira mulher presidente dos EUA, considerando a péssima aprovação de George W. Bush. Mas apareceu Barack Obama pelo caminho e tudo mudou.
Bernie Sanders tem condições de ser um novo Obama? Difícil. Tudo que Obama tinha a seu favor em termos de perfil (postura razoavelmente moderada, pertencer a uma minoria étnica, juventude e vigor), Sanders não tem hoje. E Hillary parece ter aprendido a lição e não se absteve de atacar o senador de 74 anos em anúncios e pronunciamentos. A questão maior parece ser enfrentar os republicanos.
E isso continua uma incógnita. Enquanto o campo do Partido Republicano permanecer, digamos, totalmente inusitado, com a liderança contínua e resoluta de Donald Trump, a maior probabilidade é Hillary ganhar a eleição em novembro. Isso daria um terceiro mandato seguido aos democratas pela primeira vez desde as cinco vitórias de Franklin Delano Roosevelt e Harry S. Truman.
Vinícius Justo
Mestre em Teoria Literária pela USP.
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