Cruz estudou em Princeton e Harvard, onde editou a prestigiada Harvard Law Review.
Donald Trump tem chamado a maior atenção nas primárias republicanas. Com razão: trata-se de um outsider com ideias altamente radicais (o melhor seria dizer “bizarras”) que consegue ficar na liderança em todas as pesquisas nacionais e estaduais. Exceto em Iowa, onde sofre a concorrência de um senador do Texas que os brasileiros só estão conhecendo agora: Ted Cruz. Quem é o principal desafiante de Trump?
Nascido no Canadá
Rafael Edward Cruz é filho de pai cubano e mãe americana. Nasceu no Canadá, em 1970, o que tem gerado acusações de Trump a respeito de sua elegibilidade ao cargo de presidente dos Estados Unidos. A opinião de Trump e de muitos mudou apenas recentemente, mas é possível afirmar claramente que Ted Cruz é um legítimo cidadão natural dos EUA e a polêmica é vazia.
Os pais de Cruz são cientistas e trabalhavam juntos com sismologia. O pai abandonou a família quando Ted tinha apenas três anos, indo para o Texas. Pouco depois houve uma reconciliação que levou toda a família para o estado sulista.
Um histórico acadêmico e jurídico exemplar
Ted Cruz sempre demonstrou grande promessa. Terminou o ensino médio como primeiro de sua classe e fez faculdade em Princeton, uma das mais prestigiadas universidades americanas. Depois mudou-se para Harvard, a mais prestigiada de todas, e graduou-se em direito. Na universidade, foi editor da Harvard Law Review, o que é um forte sinal de prestígio acadêmico e intelectual nos EUA.
Logo após sua graduação, Cruz tornou-se assessor de William Rehnquist, o presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos. Praticou o direito nos anos seguintes no setor privado, mas logo entrou de vez na política, servindo como conselheiro jurídico na campanha de George W. Bush à presidência em 2000 e ajudando na batalha jurídica após a contestada apuração dos votos na Flórida, que acabou com a vitória de Bush sobre Al Gore, até hoje não aceita pelos democratas.
A ascensão do Tea Party e a atuação no Senado
Cruz foi então indicado para trabalhar na parte jurídica da administração de Rick Perry, sucessor de George W. Bush como governador do Texas. Ficou até 2008, quando preferiu retornar à prática advocatícia no setor privado. Foi quando a eleição de Obama e a revolta da ala mais conservadora da sociedade americana geraram os protestos conhecidos como Tea Party.
Ted tinha um perfil muito conservador e foi assim que se apresentou aos eleitores republicanos em 2012, para desafiar o candidato natural do partido ao Senado. A ascensão do Tea Party fez com que Cruz vencesse seu oponente por 14 pontos e a eleição geral no estado por 16. Tornou-se um dos senadores de origem hispânica no Senado, junto do agora rival republicano Marco Rubio e de Bob Menendez, democrata de Nova Jersey.
Nos seus poucos anos de Senado (apenas três até agora, e o terceiro muito mais voltado à campanha presidencial), Ted Cruz causou forte impressão. Além de ser considerado quase unanimemente o membro mais conservador da casa – o que não é pouco em um Partido Republicano bastante radicalizado –, Cruz não é bem aceito por seus colegas. Frequentemente ouve-se que ele é “odiado por todos”, inclusive e especialmente no seu partido, o que o torna um candidato difícil de engolir para a elite republicana.
Sua notoriedade se deu na briga contra o chamado Obamacare, a reforma do sistema de saúde que até agora divide os americanos. Tentando rejeitar a reforma no Senado, fez inúmeros protestos (como os famosos fillibusters, quando um senador discursa sem parar com o fim de emperrar o processo legislativo) e ganhou público cativo e fiel.
As chances na campanha pela nomeação
Em condições normais, Cruz seria considerado um candidato extremo demais para conseguir a nomeação. Apesar de agradar a base de eleitores republicanos, o senador texano teria muita dificuldade para conseguir vencer Hillary Clinton (embora teoricamente tivesse uma melhor chance ao enfrentar alguém mais extremo, como Bernie Sanders, que é praticamente seu oposto no Senado). Além disso, sua dificuldade em trabalhar com os colegas gera dúvidas sobre sua capacidade de “unir o país”, ou mesmo seu partido.
Mas Cruz tem vantagens. A primeira delas é sua capacidade oratória acima da média, que o faz apresentar muita eloquência nos debates e nas entrevistas (apesar de alguns deslizes). A segunda é como a campanha deste ano ficou inusitada: a ascensão de Donald Trump faz com que Cruz pareça muito mais razoável do que seria normalmente. De candidato mais extremo, Cruz passou a se apresentar como a ponte entre os novos fãs de Trump e os eleitores republicanos mais tradicionais.
Suas chances envolvem aproveitar o começo das primárias para criar um ritmo vencedor. Derrotando Trump em Iowa, Cruz aumenta suas chances de vencer a Carolina do Sul e melhora mais ainda suas chances na Super Tuesday de 1º de março, na qual diversos estados sulistas farão suas primárias. Se conseguir se tornar a única forma de impedir Trump de vencer até lá, Cruz pode acabar se tornando o preferido dos eleitores republicanos tradicionais.
No entanto, caso outro candidato capaz de derrubar Trump surja, é possível que Cruz perca tração. Além disso, uma derrota para Trump em Iowa pode causar um efeito contrário: o abandono de seus eleitores para apoiar outra alternativa mais vistosa – talvez seu colega Marco Rubio. As chances de Ted Cruz são dúbias, mas muito maiores do que o esperado mesmo após a profunda radicalização do Grand Old Party.
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publicado no The 58th Presidency
Vinícius Justo
Mestre em Teoria Literária pela USP.
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