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Assim é se lhe parece

por Ronaldo Cagiano (15/01/2016)

A obra de Rosp é uma deliciosa e debochada imersão no ambiente da criação e das vaidades literárias.

"Inverossímil", de Rodrigo Rosp (Não Editora, 2015, 128 páginas)

“Inverossímil”, de Rodrigo Rosp (Não Editora, 2015, 128 páginas)

Inverossímil, novo livro do editor e escritor gaúcho Rodrigo Rosp, lançado no final do ano em Porto Alegre, é uma novela que aborda uma questão intrigante na literatura, a fronteira entre realidade e ficção, culminando no fato relevante de que autor e personagens acabam por incursionar por uma crítica sobre o próprio ato da criação e as diatribes do mercado editorial.

Livro dentro do livro, tendo a experiência pessoal como leitmovit e recursos da metaliteratura e da intertextualidade, Inverossímil faz um recorte do ambiente que circunda a vida de um professor de literatura que ministra aulas de escrita criativa. Do texto, depreende-se um forte exercício de argumentação e mergulho nos escaninhos da profissão e da própria oficina literária, e como pano de fundo contracenam situações que remetem a um envolvimento com suas alunas. E nesse contexto muito peculiar, a construção do próprio romance é permeado de sutilezas, quando o processo de criação do autor se imiscui no de suas alunas, num trânsito onírico permeado de humor, de uma ironia às vezes corrosiva e forte carga erótica.

O personagem principal é Caio, o professor que, num vai-e-vem de mensagens entre suas alunas, estabelece um vínculo não apenas acadêmico com elas, mas uma projeção afetiva. Essa interferência é determinante na confecção das obras, que acabam por adquirir um caráter simbiótico, aliás, perceptível por Lucinha, sua esposa, que o coloca contra a parede ao notar sua relação não apenas funcional, mas pessoal, nesse enredo, ao detectar o flerte e troca de intimidades com suas alunas.

No fluxo fragmentário de mensagens e no diálogo crítico entre professor e alunas (Mirella, Paulinha, Tati…), entremeado de janelas que reproduzem a correspondência eletrônica entre eles (na qual afloram a informalidade, o escracho verbal e insinuações sensuais em meio às críticas), os contos surgem como produto dessa interação. Ao mesmo tempo funcionam como plataforma para uma vasta discussão sobre o desenvolvimento da escrita nesse mundo contemporâneo condicionado aos suportes tecnológicos, as técnicas narrativas, os métodos de confecção literária e sobre as motivações do próprio meio acadêmico. São projeções críticas em que o universo literário vai sendo esmiuçado paralelamente à imposição sedutora do professor, em diálogos que mapeiam as idiossincrasias de cada um, estabelecendo uma nítida expansão do próprio espaço da comunicação literária e interior, numa clara referência à confusão que, muitas vezes fazem os próprios leitores, entre autor e personagem, ficção e realidade, fantasia e mundo objetivo.

A obra de Rosp é uma deliciosa e debochada imersão nesse escuro que é o próprio ambiente da criação e das vaidades literárias, reportando a fatos e situações que nos lembram a insegurança e/ou as ambições de todo escritor, colocando ainda em questionamento o valor da própria literatura num tempo de mercantilização e banalização do ofício, de cooptação pelos fetiches do deus mercado. No decorrer da obra, surgem os referenciais estéticos do autor, numa alusão a essa arte suscetível de interações com outras linguagens e sempre pronta a novas miradas.

Entre o que é e o que parece ser, a obra rospiana traz analogia com a peça pirandelliana, da qual retirei o título dessas breves impressões, porque tanto numa quanto na outra, o texto funciona como uma ponte entre realidades contrastantes, ou seja: verdade versus aparência, quando há um confronto  entre o mundo racional e evidente à nossa volta e o desejo subjetivo de ver as coisas de outro modo, num jogo (ou movimento) permanente e pendular entre criar ou ser personagem, uma metáfora do homem contemporâneo diante das ferramentas da internet, como o Facebook, onde nem sempre cada indivíduo é o que aparenta ser, mas se traveste de outro para uma platéia sempre ávida de fantasia.

Inverossímil é uma obra instigante e que acompanha a tendência da literatura contemporânea, que busca ousadias e contravenções no plano formal e temático, além de ser fruto não somente da intenção ficcional do autor, mas nasceu desse trabalho que vem realizando, na ministração de oficinas literárias, ambiente profícuo às inquietações íntimas e estéticas. Nesse território, onde pululam idéias, temas e situações que fornecem motivo e circunstância para uma boa literatura, Rosp explora sem pudor todas as facetas do escreviver, invocando o leitor a fazer sua(s) própria(s) leituras, e, se possível descobrir onde estão a verdade e a literatura: no texto ou na vida. E por isso, não se trata, como nomeiam os capítulos em que está dividido o livro, uma obra inverossímil, inacessível, muito menos impublicável. Está tudo aí, rodrigueanamente. Como no texto. Como na vida. Como eles são. Num e/ou noutro contexto.

Ronaldo Cagiano

Autor de Dicionário de pequenas solidões (contos, Língua Geral) e O sol nas feridas (poesia, Dobra Ideias), dentre outros. Mineiro de Cataguases, viveu em Brasília e reside em SP desde 2007.