No livro de Verena Cavalcante, contos de terror com crianças como protagonistas.
Larva, segundo o dicionário Houaiss, numa acepção zoológica, é um “estágio imaturo, pós-embrionário, de um animal, quando este difere sensivelmente do adulto”.
Larva é o nome, também, do livro de estreia de Verena Cavalcante, pseudônimo de Bruna Oliveira Gonçalves, colaboradora da Amálgama, revisora e tradutora. Nele desfilam contos em que a infância e seus representantes, as crianças, desconstroem mitos, principalmente o de que não existe nelas a maldade, a sexualidade e a violência verificadas somente quando adultos. Inaugura ainda, segundo Luiz Biajoni, uma nova espécie de literatura: os contos de terror com crianças como protagonistas.
De fato, ao lê-lo retorna à cabeça A volta do parafuso, de Henry James, em que crianças suspeitas e situações mesclando fantasmas com o roçar de violências ocorrem. Isso fica evidente já no primeiro conto, “Macaúba”, no qual a narradora tem aquele “sexto sentido” de ver espectros transfigurados na forma pela qual padeceram. Mas é de se explicar que as histórias de terror do livro não são somente aquelas que nos dão sustos. Como bem definiu Biajoni na orelha, “é o horror do cotidiano, sub-reptício, que faz os pelos do leitor se eriçarem lentamente”. E, de fato, isso é comprovado em narrativas como “Tijolo” (em que o personagem se vê numa encruzilhada moral para evitar a reprimenda e o castigo do pai), “Ralo” (que apresenta o primeiro contato com as inconformidades da vida, como a doença terminal), “Marimbondo” (tratando da pedofilia, que não deixa de ser uma história de terror real contemporânea) e “Rato” (sobre o drama não televisionado e quase banal nas favelas Brasil afora: a morte de trabalhadores-pais-de-família confundidos com bandidos).
Já no conto que intitula o livro, é a vontade de não crescer da personagem – descrevendo detalhadamente suas aventuras púberes – e de não assumir responsabilidades, que faz o narrado ser impactante, justamente por seu excesso de verossimilhança. Em “Berço” a autora apresenta aquela criança quase adolescente que cuida de bebês, até o ponto dela mesma querer ser mãe, mesmo que seja de uma forma díspar. Encerrando o volume, novamente o contato infantil com a morte é apresentado, mas redefinido num objeto material (a aranha do título). Dentro das histórias são inseridas, ainda, e sem nenhum pudor ou papas na língua, as (nem tão) iniciais experiências sexuais desses personagens, sem haver uma separação rígida entre gêneros masculino e feminino, demonstrando o trivial aspecto confuso e ignorante da primeira juventude.
Não bastassem situações como estas, interessante é verificar nas narrativas de Verena a utilização da linguagem puramente coloquial, o que poderia jogar longe leitores ortodoxos, mas que aos visitantes das obras de David Foster Wallace, Mário de Andrade e Guimarães Rosa, por exemplo, que sabiam bem colocar a fala diária e rasteira na sua produção (e até, como o primeiro, criando em cima dessa mesma linguagem uma outra linguagem, própria, tal qual no conto “Tri-Stan: eu vendi Sissee Nar para Ecko” em Breves entrevistas com homens hediondos), só agrega.
Verena Cavalcante estreia com inovações como as retro mencionadas e tem aval de nomes como Raphael Montes e Rafael Sperling. Inicia com os pés firmes, e comprova (em alguns casos, no aspecto psicológico da abordagem) ser a infância o casulo dos monstros.