Uma nova edição de “Paraíso Perdido”

A edição bilíngue do clássico de John Milton mantém a métrica decassílaba original na tradução.


"Paraíso perdido", de John Milton (Editora 34, 2015, 896 páginas)

“Paraíso perdido”, de John Milton (Editora 34, 2015, 896 páginas)

No final de 2015, a Editora 34 lançou sua 1ª edição de Paradise Lost, obra épica da literatura inglesa do poeta puritano John Milton (1608-1674). Esta edição é bilíngue (texto em língua inglesa e língua portuguesa) e traz uma apresentação de Harold Bloom, tradução de Daniel Jonas e ilustrações de Gustave Doré. Embora, segundo Robert Fletcher, Milton seja o maior dos poetas ingleses depois de Shakespeare, me parece que sua obra-prima, Paradise Lost, não é muito bem conhecida entre os brasileiros.

Paradise Lost, basicamente, reconta a história popularmente conhecida de Adão e Eva do livro Gênesis. Deste modo, estabelece-se uma intertextualidade entre Paradise Lost e a narrativa nos 3 primeiros capítulos do Gênesis. Funcionando como uma releitura dessa história bíblica, observam-se diferenças entre os dois textos. Por exemplo, alguns elementos originais são mantidos, como as personagens Adão, Eva e serpente, ou o espaço Éden. Por outro lado, devido à retenção de detalhes da Bíblia, que convida seus leitores a inferirem e inventarem muitas das características da narrativa, no texto literário de Milton se encontram mais facilmente impressões subjetivas, motivações pessoais, relações causais entre eventos etc. Por exemplo, em Paradise Lost, o fruto proibido é particularizado como maçã; Satã é apresentado como alado e majestoso, deixa o Inferno que se situa além do caos, entra no corpo da serpente que dormia.

A obra de Milton inicialmente estava dividida em 10 Livros. Posteriormente, dividiu-se em 12 Livros, presumivelmente para espelhar a Eneida de Virgílio, modelo central para a épica no Renascimento.

Conforme a definição de epopeia do dicionário de termos literários de Chris Baldick, algumas características condizem com Paradise Lost. Primeiramente, é um longo poema narrativo. Satã, a protagonista, realizou grandes feitos, como a viagem do Inferno à Terra e a tentação de Eva, bem como façanhas sobre-humanas, por exemplo a luta de Lúcifer no Céu que se perpetuaria se o Filho não interviesse. Ademais, Satã, que era dos primeiros se não o primeiro arcanjo no Céu, desceu dentre os anjos.

Assim, Satã desempenha a função de herói na narrativa. Contudo, pergunta-se se Satã é o herói da épica Paradise Lost.

John Carey aponta a existência de duas críticas de Paradise Lost: uma satanista (que ressalta qualidades de Satã) e outra antissatanista (que ressalta defeitos de Satã). Nem uma nem outra poderia negar os grandes feitos de Satã na trama. No caso de se admitir a crítica antissatanista, como faz C. S. Lewis (criticado por Harold Bloom na apresentação da Editora 34) em seu prefácio do Paraíso Perdido, visto que Satã toma o mal como seu bem (“Evil be thou my good“, PL IV.110), pode-se aceitar a expressão “herói trágico” empregada por Neil Forsyth de modo que, assim como, por exemplo, Beowulf tem a função de herói épico, Satã também a tem – no entanto o qualificativo “trágico” se justifica, porque Satã é mau e derrotado.

Assim inicia o Livro I:

Of man’s first disobedience, and the fruit
Of that forbidden tree, whose mortal taste
Brought death into the world, and all our woe,
With loss of Eden, till one greater man
Restore us, and regain the blissful seat, (PL I.1-5)

Em linhas gerais, a história (em ordem cronológica dos eventos) é: Lúcifer e os outros anjos no Céu obedeciam a Deus e eram gloriosos. Lúcifer recusou o decreto irrevogável do Pai de que os anjos deveriam confessar o Filho como Senhor, caso contrário a punição seria o rompimento da união e a queda no abismo. Lúcifer convenceu um terço das hostes celestiais a travar uma batalha no Céu entre os anjos. Dois dias se passaram e os anjos estavam em perpétua luta sem que alguma solução fosse encontrada. Então o Filho no terceiro dia terminou a grande guerra. Satã e os anjos rebeldes foram expulsos do Céu e o nome “Lúcifer” não se pronunciou mais no Céu. Fez-se um conselho no Inferno e Satã, príncipe dos demônios, decidiu viajar sozinho do Inferno até a Terra. Disfarçou-se de querubim para enganar Uriel e assim entrar no Éden. Considerou todas as criaturas da Terra e escolheu entrar no corpo de uma serpente que dormia para esconder suas sugestões sombrias a Eva. Fazendo-se atrativa a Eva e fingindo ter adquirido a fala humana por ter comido do fruto proibido, a serpente tentadora mentiu: assim como ela, animal, ganhou uma qualidade superior, a fala humana, se Eva comesse a maçã proibida, ela, humana, ganharia uma qualidade superior, a divindade: “ye shall be as gods (PL IX.708). Eva colheu e comeu o fruto, a natureza gemeu e a serpente retirou-se furtivamente. Eva, refletindo, temeu que Adão vivesse feliz com outra Eva. Com mão liberal, Eva deu a Adão do belo fruto sedutor, e ele, não enganado, comeu contra a razão, vencido pelo charme feminino. Satã, no Pandemônio (termo cunhado por Milton), relatou orgulhosamente suas realizações contra o homem, mas, em vez de receber aplausos, foi transformado em serpente. Adão lembrou a Eva a promessa que lhes havia sido feita: que a semente da mulher iria se vingar contra a Serpente. Miguel e um grupo de querubins foram enviados para despejarem Adão e Eva do Paraíso, mas antes mostrou-lhes o que aconteceria até o dilúvio, e quem seria a semente da mulher. “Miguel leva-os pela mão para fora do Paraíso, com a espada flamejante brandindo em círculos atrás deles e os querubins tomando os seus postos de guarda do lugar” (Livro XII) – daí o nome “Paraíso Perdido”.

Deve-se notar nesta tradução de Daniel Jonas o uso de verso decassílabo, ou seja, procurou-se manter a métrica original na tradução. Ainda que se altere em alguma medida o conteúdo do texto traduzido em benefício da forma, essa forma permite que o leitor imprima um determinado ritmo à poesia.

Quanto à leitura de Paradise Lost, Dustin Griffin sugeriu que no século XVIII qualquer leitor de “literatura polida” o conhecesse. Entre os leitores do inglês no século XIX, algum conhecimento de Milton deve ter sido aproximadamente universal. No fim do século XIX, talvez tenha sido um livro mais reverenciado do que lido. A produção de livros e artigos sobre Milton cresceu marcadamente desde 1960. Agora, Milton figura predominantemente nas antologias de literatura inglesa mais vendidas no Estados Unidos.

Por fim, Paradise Lost é uma obra literária cuja temática é tanto filosófica quanto teológica. Pode ser lida pela fruição de um exemplo de literatura religiosa, como também para que se analisem diversos temas – a origem do mal, o livre-arbítrio do homem, a figura de Satã, a relação com a cultura clássica, dentre outros.

Amálgama





Marcos Zamith

Mestrando em Literatura em Língua Inglesa na Universidade Presbiteriana Mackenzie.


Amálgama






MAIS RECENTES