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Todos nós, vítimas do Holocausto

por Rafael Bán Jacobsen (27/01/2016)

Talvez o genocídio corra o risco não de ser esquecido, mas de se reduzir a mais uma narrativa fossilizada nas páginas dos livros.

holocausto

Em um trecho do livro O escritor fantasma, de Philip Roth, o protagonista, um jovem judeu norte-americano, envolve-se em uma discussão com sua mãe sobre os horrores do Holocausto. Com a segurança de quem nasceu e se criou no Novo Mundo, sem haver experimentado o antissemitismo ou a angústia de ter a vida ameaçada pelo simples fato de ser judeu, ele afirma: “Não fomos vítimas daquele crime.”

A frase ilustra o distanciamento entre as novas gerações e os crimes de extermínio em massa perpetrados pelos nazistas. No Brasil, não é diferente.

Meus antepassados deixaram a Europa antes da Segunda Guerra. Eram famílias pouco numerosas; não ficaram irmãos, tios ou primos para trás. Portanto, cresci sem ouvir relatos próximos de sobreviventes e sem enfrentar a ausência de parentes que não tiveram a mesma sorte dos que vieram se instalar no Rio Grande do Sul. Para mim, assim como para muitos judeus gaúchos da minha idade e mesmo da faixa etária de meus pais, as agruras do Holocausto acabam sendo apenas “ligeiramente menos remotas que as enfrentadas por Abraão na Terra de Canaã”, como diria o personagem de Roth. Imersos em uma comunidade judaica próspera e pujante, temos dificuldade em compreender e, mais do que isso, sentir a experiência do Holocausto como verdadeiramente nossa. Em breve, sequer haverá sobreviventes entre nós, para dar corpo e voz à tragédia, e talvez então o genocídio corra o risco não de ser esquecido, mas de se reduzir a mais uma narrativa fossilizada nas páginas dos livros.

Para incentivar a reflexão que vivifica e traz a memória para junto de cada um, a Assembleia Geral da ONU escolheu 27 de janeiro como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Nessa data, em 1945, foi libertado o maior campo de extermínio nazista: Auschwitz-Birkenau. Trata-se de oportunidade para honrar todas as pessoas que, pertencendo a diferentes minorias ou grupos sociais tidos como inferiores, sucumbiram nas mãos de um regime monstruoso tocado por humanos.

Aos olhos tortos de outros humanos e em circunstâncias específicas, todos nós podemos ser considerados indignos de viver a própria vida; portanto, o peso do Holocausto – não como evento datado, mas como fantasma perene – recai sobre todos nós. Judeus ou não, fomos sim vítimas daquele crime. Todos nós.

——
publicado inicialmente em 27 de janeiro de 2016 no jornal Correio do Povo

Rafael Bán Jacobsen

Físico da UFRGS e escritor. Seu romance Uma leve simetria (2009) foi finalista do Prêmio Açorianos.

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