Dez livros para entender a Revolução Russa

por Paulo Roberto Silva (07/01/2017)

Livros com perspectivas muito diferentes sobre a Revolução Russa e seu legado.

Como analisar e avaliar um processo político que aconteceu em um país tão distante do nosso, tanto geográfica quanto culturalmente? Basta lembrar o comentário corrente de que se o comunismo fosse construído no Brasil a obra seria da Odebrecht, para entender o abismo que separa a nossa cultura carnavalesca do fatalismo dramático russo.

Por isso, para nos encontrarmos neste cipoal de informações sobre o que foi a experiência soviética, reservamos dez livros com perspectivas muito diferentes sobre a Revolução Russa e seu legado. A ideia é trazer informações e luzes para o debate, sem necessariamente nos afiliarmos a esta ou aquela corrente de pensamento.


 

Dez dias que abalaram o mundo, de John Reed

É uma reportagem sobre os dez dias que sucederam à tomada do Palácio de Inverno pelo soviete de Petrogrado, sob a direção do partido bolchevique. John Reed era um jornalista americano simpatizante do movimento revolucionário, especialmente dos bolcheviques, mas apesar de suas simpatias ele traça um relato fiel dos fatos. Tão fiel que a republicação do livro nos anos 1950, na época de Kruschev, exigiu a publicação de um posfácio do partido corrigindo os “enganos” do autor a respeito do protagonismo de Trotsky no processo revolucionário.

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Minha vida, de Leon Trotsky

Isolado no exílio em Prinkpo, na Turquia, Leon Trotsky faz uma revisão da própria vida desde seu nascimento como judeu russo até a perseguição promovida por Stalin, que resultou no seu exílio, passando pelo seu papel como líder do soviete de Petrogrado na Revolução de Outubro e comandante supremo do Exército Vermelho. O curioso é que o texto não procura fazer uma apologia do autor – apesar de ele sempre se achar o máximo – mas tenta construir uma explicação científica – no sentido do marxismo como ciência – da derrota de Trotsky. As elaborações teóricas do autor desenvolvidas neste livro vão desembocar em trabalhos mais acadêmicos, como a História da Revolução Russa e A Revolução Traída.

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O prelúdio do bolchevismo: a ascensão de Kornlov, de Alexander Kerensky

Este texto apresenta o ponto de vista de Kerensky sobre o governo provisório e as tentativas de oposição a ele. O foco é na tentativa de golpe de estado promovida pelo general Kornlov no mês de agosto de 1917 contra o governo do próprio Kerensky. Na visão do então chefe do governo provisório, este golpe seria o prelúdio de outro, bem sucedido, realizado em outubro pelo partido bolchevique. Kerensky era o principal político liberal da Rússia em 1917, chefe do partido Constitucional Democrata, e principal interlocutor de confiança dos governos da França, Grã Bretanha e Estados Unidos. Ao escrever este texto em 1919, ele busca denunciar os bolcheviques como os verdadeiros conspiradores contra a democracia russa.

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Execução pela fome: o holocausto escondido, de Miron Dolot

O maior crime contra a humanidade promovido pelo regime soviético foi a coletivização forçada da propriedade rural, promovida por Stalin na virada dos anos 1920 para os 1930. Especialmente na Ucrânia, o genocídio conhecido por Holodomor levou à morte pela fome milhares de pequenos proprietários rurais, acusados de contra-revolucionários e pequenos burgueses. Este livro, publicado em 1987, foi o primeiro esforço de reconstrução da história deste ato deliberado de violência do regime soviético contra os mais miseráveis de seu povo.

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Stalin: triunfo e tragédia, de Dimitri Volkogonov

Quem foi Stalin? Este livro, publicado no Brasil em dois volumes já esgotados, reconstitui a história e a personalidade do mais terrível líder soviético, tendo como fonte os arquivos secretos da URSS. Filho de quadros do Partido Comunista condenados ao gulag, Volkogonov fez carreira militar e trabalhou no departamento de propaganda do partido de 1970 até 1983. Neste período, teve acesso privilegiado aos documentos secretos do partido, que lhe permitiram traçar em detalhe a personalidade paranoica e doentia do Stalin. A primeira edição do livro foi publicada antes da dissolução da URSS. Na década de 1990, sob o governo de Yeltsin, Volkogonov foi o responsável pela abertura dos arquivos secretos da URSS, do Partido Comunista e da KGB ao público.

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Arquipélago Gulag, de Alexander Solzhenitsyn

Foi a primeira denúncia dos campos de concentração soviéticos, conhecidos como gulag. A partir de sua experiência como prisioneiro por onze anos em Kolima, um dos campos de concentração, Solzhenitsyn parte de relatos de prisioneiros para reconstruir a estrutura da máquina de repressão política construída por Stalin na Sibéria russa. A obra só pode ser publicada no Ocidente durante os anos 1970, e até a glasnost de Gorbarchov ela circulava na União Soviética apenas sob a forma clandestina.

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O retrato, de Osvaldo Peralva

Osvaldo Peralva foi um militante do Partido Comunista Brasileiro enviado a Moscou em 1953 para estudar. Desta experiência resultou a desilusão com o regime soviético, e com os comunistas brasileiros. O Retrato traz o testemunho do autor sobre o que ele viu presencialmente na URSS, e traz bastidores sobre a política interna do PCB. Os relatos do autor sobre as principais lideranças do partido – Luís Carlos Prestes, João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar e Carlos Marighela – são impagáveis.

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Uma vida com Karol, de Stanislaw Dziwisz

A experiência da resistência católica ao regime comunista na Polônia foi diferente do resto da Europa Oriental. Ao invés do mero anticomunismo, o clero construiu alianças com intelectuais e sindicalistas em nome do nacionalismo polonês contra o invasor soviético. A figura mais importante deste processo foi o bispo Karol Woytila, que se tornou o papa João Paulo II. Este texto, escrito pelo secretário particular do papa, traz detalhes sobre esse processo de resistência, a espionagem ativa sobre o clero, e como o processo recrudesceu após a eleição do papa, com envolvimento direto de Moscou e da KGB no processo de repressão interna na Polônia. Traz também detalhes sobre como João Paulo II enfrentou Brejnev diretamente e as suspeitas de que o atentado contra sua vida tenha sido encomendado por Moscou.

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O fim do homem soviético, de Svetlana Aleksiévitch

Qual foi o impacto do fim do regime soviético sobre a vida das pessoas? Este livro reportagem da vencedora do Prêmio Nobel Svetlana Aleksiévitch busca responder esta pergunta. Ao mesmo tempo, traça como o regime comunista impacto o dia a dia das famílias, e foi de certa forma moldando um jeito de ser que foi pego de surpresa com o fim do regime e a abertura súbita.

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Luís Carlos Prestes: um revolucionário entre dois mundos, de Daniel Aarão Reis

Nesta que é a melhor biografia de Luís Carlos Prestes já publicada, o historiador Daniel Aarão Reis reconstrói a construção da liderança comunista de Prestes no Brasil, como ela avançou da negação à liderança inconteste e depois ao conflito que o afastou do partido. Ao mesmo tempo, traça um histórico da corrente comunista no Brasil que ajuda a esclarecer a encruzilhada em que a esquerda brasileira se meteu neste início de século XXI. Não é possível entender as relações entre a União Soviética e o Brasil sem entender a figura de Luís Carlos Prestes, e neste sentido esta biografia nos presta um serviço valioso.

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Bonus track: Corruption and institutions in Russia

Talvez a herança mais perniciosa do regime soviético para a Rússia e o mundo seja a corrupção, como resultado da relação “flexível” do partido comunista com a verdade. Este é apenas um dos estudos que mostram como a corrupção foi estimulada pelo estado russo no processo de transição do regime soviético para o atual. Não quero aqui afirmar que toda esquerda é corrupta, mas é inegável que o regime soviético promoveu a corrupção de seus quadros, e seus herdeiros ainda a promovem.

Paulo Roberto Silva

Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

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