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Para uma afirmação ser compreendida, é preciso que tudo seja dito da forma mais clara possível. Pedir interpretação é um crime.

Decidi nos últimos tempos acompanhar apenas de longe, sem vontade de participar, as tantas polêmicas que ganham proporções estratosféricas em época de redes sociais. Não sou contra as redes, é óbvio, afinal de contas me utilizo muito delas. As polêmicas, no entanto, se tornaram banais, tudo é motivo para discussões, não há um assunto que não seja controverso. Se a mulata Globeleza, por exemplo, usa pouquíssima roupa ou apenas pintura sobre seu corpo nas vinhetas de carnaval da Globo, descarrega-se uma porção de críticas à emissora. Se acontece o contrário, também há críticas severas. Mas não quero polemizar sobre isso.

O que me incomoda nessa moda de tudo polemizar é a falta de sentido de figuração de quem acompanha os eventos. Li críticas, por exemplo, às manchetes do atentado em Berlim no final do ano passado, que estampavam frases como “Caminhão mata dezenas de pessoas”. “Ora”, diziam, “não foi o caminhão que matou, mas sim o terrorista, pelo visto querem abafar os reais motivos da matança!” Um pouco de conhecimento dos recursos linguísticos (para quem presta o mínimo de atenção nas aulas de Língua Portuguesa ou de Literatura) nos faz saber que existe uma figura de palavra chamada metonímia, que consiste na substituição de um termo por outro, como na frase “Li Machado de Assis”, quando se quer dizer que se leu um livro do autor, ou “Bebi somente uma xícara hoje”, quando se quer afirmar a quantidade de café ingerido.

Outro exemplo de leitura equivocada se deu nas discussões sobre uma campanha de trânsito, cujo slogan era “gente boa também mata”. Para tanto, os publicitários fizeram vídeos e pôsteres com imagens de defensores de animais, de médicos que se vestem de palhaço para alegrar as crianças, de pessoas que plantam árvores, etc., passando a mensagem de que estas pessoas, se usarem celular ao volante, poderão provocar acidentes de trânsito e, consequentemente, a morte de alguém. Foi utilizada, no caso, uma figura de pensamento denominada hipérbole, que consiste no exagero de uma afirmação para tentar expressar melhor algo. Quando digo que “morri de rir com uma piada”, obviamente não morri. Se os publicitários disserem que “quem resgata um animal na rua pode matar”, não estão querendo dizer exatamente isso.

Acontece que vivemos a era do literal. Para uma afirmação ser compreendida, é preciso que tudo seja dito da forma mais clara possível. Pedir interpretação é um crime. Aliás, poucos sabem a diferença entre compreender e interpretar. Não se quer ler além do que está na sua frente. Justamente a falta de leitura e de apreciação de artes mais elaboradas, como a música clássica ou a alta literatura, causam esse mal. Soma-se a isso a cegueira ideológica que ataca inclusive as mentes mais inteligentes do meio cultural e intelectual e está feito o estrago.

Logo, logo não poderemos chamar mais ninguém de monstro na sua área de atuação, porque a pessoa, ao invés de se sentir elogiada, se sentirá ofendida. Não poderemos mais usar nenhuma metáfora, porque ninguém vai entendê-la. Não poderemos nem mais usar palavras. Um emoticon, quem sabe.

Cassionei Petry

Professor e escritor. Seu novo livro é Cacos e outros pedaços.