PESQUISA

AUTORES

  • Augusto Gaidukas
  • Bruna Frascolla
  • Carlos Orsi
  • Emmanuel Santiago
  • Fabrício de Moraes
  • Gustavo Melo Czekster
  • Lucas Baqueiro
  • Lúcio Carvalho
  • Luiz Ramiro
  • Martim Vasques da Cunha
  • Norival Silva Júnior
  • Paulo Roberto Silva
  • Pedro Almendra
  • Renata Ramos
  • Renata Nagamine
  • Rodrigo Cássio
  • Rodrigo de Lemos
  • Rodrigo Duarte Garcia
  • Sérgio Tavares
  • Sérgio Tavares
  • Tomás Adam
  • Wagner Schadeck

A política só pode concertar algumas coisas. Quanto ao resto de nós, certamente um dos maiores fracassos aqui é cultural e civilizacional.

Eliot A. Cohen*, The American Interest
trad. Daniel Lopes e Fabrício de Moraes

Eis a primeira coisa que me vem à mente. Em Ponte dos espiões (2015), Mark Rylance faz o papel de Rudolf Abel – bastante apropriadamente, um espião russo. Quando indagado, em várias situações difíceis, “Está preocupado?” ou “Está assustado?”, sua resposta invariável e trocista era “Em que isso ajudaria?”

Não é um mau começo para lidar com a eleição imprevista e imprevisível de Donald Trump. É terrível, sim – daí a razão pela qual ajudei a organizar aquelas duas cartas que o descreviam como inapto, por temperamento e caráter, para servir como comandante em chefe. Algumas das pessoas ao redor dele são ainda piores. O país se encontra profundamente dividido, e não há motivos para se pensar que Trump será capaz de lidar com os desafios apresentados ou se transformar. Ele é o que é.

Então, por que devemos nos alegrar um pouco? Bem, Hillary era melhor, mas ainda assim demasiadamente ruim: corrupta e, pior, incapaz de servir como presidente que trouxesse unidade, ou de apresentar soluções para nossos problemas além das panaceias progressistas habituais. Mas não importa se concordam com essa afirmação, visto que Trump venceu. Sou capaz de pensar três razões pelas quais isso talvez não seja tão terrível quanto pensamos.

Em primeiro lugar, as restrições e amortecimentos embutidos em nosso sistema – Congresso, as cortes, a impressa, a inércia burocrática, o federalismo e certas normas – são realmente vigorosos. Os políticos republicanos sabem que com um candidato melhor eles não teriam arrancado apenas um quase empate no voto popular, mas teriam esmagado Clinton e acrescentado à sua maioria do Senado, em vez de reduzi-la. Eles não estão ligados a Trump, nem sentem a necessidade de estarem. Ele não será capaz de governar como um ditador. E, de fato, os temores dos democratas ele o possa são salutares. Vários deles repudiaram as queixas republicanas de um Internal Revenue Service politizado – meu palpite é que eles estão redescobrindo um respeito saudável por antigos valores de neutralidade política rígida, bem como o sistema mais amplo de pesos e contrapesos.

Em segundo lugar, Trump talvez seja melhor do que pensamos. Ele não tem fortes princípios sobre muitas coisas, o que significa que pode alterar promessas. Ele está claramente disposto a delegar a legislação a Paul Ryan e a Mitch McConnell. E, mesmo no tocante à política internacional, seus instintos o inclinam a recrudescer a força dos EUA – e rechaçar mesmo a Rússia, caso, o que certamente acontecerá, Putin descumpra o acordado. Creio que o “sequestro” [Ato de Controle Orçamentário de 2011] será revogado, bem como vários regulamentos estúpidos e experimentos em irritar e importunar os americanos para que se comportem do modo que os progressistas julgam que deveriam.

Em terceiro lugar, parte da magia da América é sua habilidade de se regenerar. Ambos os partidos geraram resultados putrefatos no nível presidencial; ambos se iludiram acerca das verdadeiras preocupações do povo americano; ambos necessitam, desesperadamente, de novas gerações de líderes. Estes eventualmente surgirão. O que de igual modo se pode esperar é uma percepção sóbria da medida em que tanto um quanto o outro se lançaram em jogos perigosos – com políticas de identidade, com mentiras, com o desprezo cultural e, acima de tudo, com a transformação da política numa questão de tribalismo irrefletido.

Serão tempos difíceis, sem dúvida. Porém, lembro-me de meus avós, que fugiram dos pogroms, chegaram aqui nos EUA sem um tostão, experimentaram a Primeira Guerra Mundial e a Gripe Espanhola de 1918, assim como a discriminação étnica e religiosa de um tipo hoje inconcebível. Meus pais viveram no decorrer da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial – e posteriormente às convulsões sociais da década de 1960.

Benjamin Franklin, quando perguntado que tipo de governo ele e os outros autores da Constituição haviam estabelecido, memoravelmente respondeu: “Uma república, se você conseguir mantê-la”. Aquela geração compreendeu que a conservação de instituições livres exige vigilância e luta constantes. Por que, então, a história deveria poupar nossa geração, e a geração de nossos filhos, de nossas próprias e distintas tribulações? Não deveríamos nós, e eles, encará-las como testes de caráter e trabalhar, e não como aflições a serem aliviadas com conversas tolas sobre fugir para o Canadá?

Perguntaram-me o que eu achava sobre ir trabalhar em um governo Trump. Não preciso me preocupar com isso, claro: fui um dos primeiros a denunciá-lo como despreparado em temperamento, caráter e opiniões para ocupar um cargo político. Eles não terão qualquer utilidade para mim, ou, para ser justo, eu para eles. Mas outros, incluindo alguns dos meus amigos mais jovens, terão empregos diante de si, porque o governo precisa ser preenchido.

Se eles estiverem certos de que dirão “sim” por senso de dever ao invés de mero carreirismo; se forem realistas para entender que, nessa empreitada, eles serão o cavalo, não o jóquei; se aceitarem que entrarão em um governo que provavelmente será rachado por lutas internas e armadilhas burocráticas intencionais, então acho que deveriam dizer “sim”. Mas com duas condições: que mantenham uma carta de demissão não assinada na gaveta de suas mesas (como eu fiz quando estive no governo), e que não voltem atrás sequer em uma palavra do que disseram antes de entrar no governo. Serviço público significa acomodações, mas todos precisam entender que chega um momento em que, ao cruzar uma linha, mesmo uma linha arbitrária, significa, como Sir Thomas More diz em A man for all seasons, se perder sem chance de jamais se encontrar novamente.

Nem é preciso dizer que os amigos nas forças armadas e nos serviços diplomático ou de inteligência – o pessoal de carreira que mantem nosso país forte e seguro – devem continuar a fazer seu trabalho. De fato, ter servidores que lembrem que seu juramento foi para apoiar e defender a Constituição – e não para se submeter a um indivíduo e seu círculo – será mais importante do que nunca.

Quanto ao resto de nós, certamente um dos maiores fracassos aqui é cultural e civilizacional. Elegemos uma personalidade de reality-show porque esse é um dos tipos dominantes de entretenimento; ignoramos ou desculpamos suas mentiras (e as de sua oponente, em menor medida) porque não reverenciamos a integridade; amaciamos as falhas do pessoal da nossa tribo porque temos dois pesos e duas medidas; e nos surpreendemos quando aqueles que, ao contrário de você ou eu, têm preocupações razoáveis sobre imigrantes tomarem seus empregos ou sobre empregos desaparecerem com mudanças tecnológicas, votaram como votaram.

A política só pode concertar algumas coisas. Nosso país tem particularmente feito caso demais com presidentes, que vemos como potentados e salvadores, para os quais quarteirões devem ser isolados quando estão de passagem, e em quem buscamos alívio para todos os males sociais. Isso está errado. Tem muita coisa que apenas nós podemos concertar – ao ensinar nossos filhos regras básicas de cidadania; ao inspirá-los um patriotismo que não seja ingênuo, e sim acolhedor e firme; ao encorajá-los a compreender e chegarem a acordos com quem seja diferente deles.

Se a reação a esse desastre for todos imediatamente começarem as tramas para 2018 ou 2020, jamais sairemos da confusão. Com sorte, podemos fazer muito melhor do que isso. Como um sábio amigo me disse outro dia sobre a deplorável eleição que passou: “Somos responsáveis por isso – por tudo isso”. Cada um de nós tem uma parcela para contribuir na restauração da decência, responsabilidade e civilidade na política. Há um enorme trabalho para se fazer, e é melhor começarmos já.

* Eliot A. Cohen é historiador militar e professor da Johns Hopkins University. Serviu no governo de George W. Bush de 2007 a 2009. Seu novo livro é The big stick: The limits of soft power and the necessity of military force.

Amálgama Traduções

Além de textos exclusivos, também publicamos artigos traduzidos.