Tanto as simpatias pró-Putin, quanto as esperanças mais limitadas de uma aliança anti-islamista são profundamente equivocadas.
Cathy Young, The Weekly Standard
trad. Daniel Lopes e Fabrício de Moraes
Mesmo com a mídia e toda a Washington pululando com declarações escandalosas e não confirmadas sobre ligações do presidente eleito, Donald Trump, com o Kremlin, um acontecimento menos noticiado ilustra nitidamente o outro lado do problema de Trump – ou do conservadorismo da era Trump – com a Rússia. Após Marco Rubio atormentar Rex Tillerson em suas audiências de confirmação sobre a recusa do Secretário de Estado nomeado em chamar Vladimir Putin de criminoso de guerra, a legião do twitter de Trump atacou o senador republicano. Os partidários de alto escalão de Trump zombaram de Rubio, por vezes cruelmente, alguns inclusive insistindo que se o presidente russo é um criminoso de guerra, então Barack Obama também é.
Desde a eleição, parte da retórica esquerdista que declarava Trump como o “candidato da Manchúria” do Kremlin beirou a insanidade, enquanto vários dos apoiadores do presidente eleito arrazoavam acerca dos benefícios da harmonia com o regime de Putin. Todavia, a despeito dos fatos relacionados à conexão com o Kremlin, a posição de Trump no que toca à Rússia é um caso genuinamente preocupante – tal como é o deslocamento nos contingentes direitistas pró-Trump em direção às percepções cor-de-rosa sobre Putin.
Uma pesquisa do Economist/YouGov, publicada em dezembro, demonstrou que 37% dos republicanos possuíam opinião favorável acerca de Putin, um crescimento quando comparado aos 10% em julho de 2014. Houve alguns debates questionando se se trata, de fato, uma mudança real; outra pesquisa recente, realizada pelo Chicago Council on Global Affairs, não evidenciou nenhuma mudança substantiva nos sentimentos dos republicanos para com a Rússia desde 2014 (de 33 a 35% favorável), mas sim uma queda aguda na perspectiva pró-Rússia dos democratas (de 36 a 28% favorável). Entretanto, falando às tropas online de Trump, é fácil acreditar que o sentimento pró-Putin é real: muitos aplaudem Putin como um líder forte e um potencial aliado contra o islamismo radical.
O próprio Trump, é claro, é conhecido por suas calorosas referências a Putin – “um líder, muito mais do que o nosso presidente o foi” – e por minimizar seus crimes. “Nosso país também mata bastante”, foi sua (de Trump) resposta, em fins de 2015, à observação de que Putin é constantemente acusado de ordenar o assassinato de jornalistas e opositores políticos. Alguns proeminentes conservadores pró-Trump aderiram a essa tendência.
Após Trump ter sido duramente criticado devido ao seu enaltecimento da liderança de Putin, vários apresentadores de talk shows e especialistas discursaram a seu favor. Hugh Hewitt explicou que, embora Putin possa ser “um homem mau”, ele “serviu ao interesse nacional de sua nação melhor” do que Obama. Dinesh D’Souza publicou em seu twitter: “O que [Trump] admira em Putin é o modo como este – diferentemente de qualquer um que conhecemos – AMA seu país e LUTA por seus interesses”. No programa de rádio Breitbart News Daily, Erik Prince, um SEAL da Marinha já aposentado e ex-diretor executivo da Blackwater, descreveu Putin como um líder “grandioso e responsável” que, “pelo menos, tentou dirigir o país” – e com quem podemos operar contra “um inimigo em comum… o fascismo islâmico”.
Entre os segmentos mais radicais da base de Trump, a simpatia pelo putinismo é mais explícita e isenta de responsabilidade. Em dezembro, Paul Joseph Watson, do site conspiracionista Infowars, e o programa de rádio de Alex Jones (que recebeu Trump como convidado e é fortemente acompanhado por seus fãs), a ele associado, promoveu as virtudes da Rússia num post do Facebook que compartilhou no Twitter com o seguinte e sarcástico título: “A Rússia é TERRÍVEL”. Para Watson, a Rússia é um país que “protege sua própria cultura”, não se “curva perante o islã radical”, “cuida dos interesses econômicos de sua população” e “anseia por trabalhar com os líderes de outras potências mundiais, e não ir à guerra com eles”.
Para falar a verdade, a queda por Putin na direita não começou com Trump. Por mais de uma década, já havia um contingente de amigos paleoconservadores/libertários de Vladimir, indo do veterano guerreiro cultural Patrick Buchanan ao ex-congressista Ron Paul. Às vezes, essas posturas contestadoras eram motivadas por desgosto com o intervencionismo americano, contra o qual tais críticos viam a Rússia como uma contenção; outras vezes, por tradicionalismo cultural, com a Rússia da era Putin, pós-soviética, idealizada como um bastião da cristandade e da moralidade contra o Ocidente liberal secularizado.
A ascensão de Trump inquestionavelmente tornou mainstream uma visão mais positiva de Putin nas hostes conservadoras. Ao mesmo tempo, o surgimento do Estado Islâmico e da autoclassificação de Putin como seu nêmeses levou a conversas sobre como a Rússia é uma parceira valiosa no combate ao jihadismo, uma noção compartilhada pelo futuro conselheiro de segurança nacional de Trump, Michael T. Flynn, e pelo futuro conselheiro sênior Setephen Bannon (ambos, é necessário registrar, também já foram muito críticos do regime de Putin).
Não obstante, tanto as simpatias pró-Putin, quanto as esperanças mais limitadas de uma aliança anti-islamista são profundamente equivocadas. A ideia de que Putin esteja lutando em nome da Rússia presume que é do interesse da Rússia ser governada por um regime autoritário que esmagou a nascente sociedade civil do país, eliminou toda oposição viável a um sistema de partido único e apertou o controle de um estado corrupto sobre a economia, ao mesmo tempo dando poder ao bando do capitalismo de compadrio. Mesmo a melhora econômica que muitos russos conseguiram durante os anos de Putin deveu-se primariamente aos altos preços do petróleo, enquanto que as reformas econômicas foram congeladas ou revertidas. Como Max Boot observou no Los Angeles Times, tanto o PIB da Rússia, quanto a renda dos russos vêm sofrendo um rápido declínio; a queda do PIB, de 2013 a 2015, foi de vertiginosos 40 por cento.
Putin tampouco é um paladino da religião, a menos que “religião” signifique uma hierarquia da igreja ortodoxa russa subserviente ao estado e comandada principalmente por ex-fantoches da KGB. Clérigos ortodoxos que se pronunciaram contra a relação cômoda da liderança da igreja com o Kremlim, ou que exigiram uma amplo acerto de contas de seu serviço prestado na era soviética ao regime ateu, foram amordaçados ou expulsos. E as regulações da era Putin retiraram direitos de fés minoritárias. No último outono, o pregador batista americano Donald Ossewaarde, que vivia e trabalhava na cidade russa de Oryol, foi condenado por violar as regulações vigentes em relação a evangélicos, ao ter acomodado em sua casa um grupo de orações e de estudo da Bíblia e promovê-lo por meio de folhetos.
O elogio da tenacidade de Putin em relação ao islã radical é ainda mais incongruente, em vista do papel da Rússia como a principal aliada e impulsionadora do Irã. O verdadeiro histórico da intervenção militar russa na Síria deixa pouca dúvida de que o objetivo de Putin é reerguer Bashar al-Assad, não combater o ISIS. É também digno de nota que a Rússia abriga o único estado europeu regido pela sharia: a Chechênia, cujo presidente, o parceiro de Putin Ramzan Kadyrov (a quem foi dado poder virtualmente ilimitado em troca de lealdade para com o Kremlim), impôs códigos islâmicos de vestimenta e defendeu publicamente a poligamia, os assassinatos para lavar a honra e a matança de blasfemos.
Os proponentes de uma détente ao estilo conservador frequentemente lembram que a Rússia dos dias de hoje não é a União Soviética, armada com uma ideologia que vê o Ocidente capitalista como inimigo. Verdade. Mas, especialmente na última década, Putin ativamente trabalhou para fortalecer seu poder ao dar-lhe um verniz ideológico explicitamente hostil a sociedades livres. Essa ideologia pseudoconservadora posiciona a Rússia como a vanguarda do que se poderia chamar de “internacional iliberal”: oposição à democracia liberal ao estilo europeu e americano, enraizada nos direitos individuais e no governo limitado.
Apesar de todas as falhas do Ocidente moderno, o mundo livre ainda é digno de ser defendido. Parceria com um ditador cujo programa é tornar o mundo seguro para a autocracia é ruim não apenas de um ponto de vista moral, mas também da perspectiva geopolítica realista. Alguns citam a aliança do Ocidente com Stalin para derrotar Hitler como uma modelo para políticas atuais. Mas àquela aliança, formada em uma situação muito mais desesperadora do que a que encaramos hoje, seguiu-se a escravização da Europa Oriental, a Guerra Fria e incluiu o terrorismo internacional. Que legado desastroso uma aliança com a Rússia de Putin deixará por décadas além da atual?
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