O puritanismo relativo, à maneira do islã, persiste também nessas novas religiões da política brasileira.
Para o eleitorado dos dois primeiros colocados nas pesquisas, política é uma questão de fé. Para seus seguidores, as palavras de Lula ou de Bolsonaro são como sunas ditas pelo profeta Maomé. A atitude de encarar o lulismo como uma questão de redenção e salvação não assusta ninguém, visto o caráter messiânico do socialismo.
A perfeição de ambos os deuses, para seus crentes, é inquestionável. Nem o mais claro indício de corrupção é levado em consideração por um segundo. A reação é a mesma de um wahhabista: a culpa é dos infiéis. Para o lulista, as inúmeras provas dos crimes cometidos por Lula são meras convicções de procuradores e juízes; as notícias sobre seus crimes, uma conspiração da mídia de direita.
Na mesma toada seguem os Bolsonaro e seus adoradores. Se a mídia imputa que o pré-candidato tem embolsado, ao longo de anos, um auxílio-moradia irregular, tudo é “mentira da mídia petista”. Quando se descobre que ele emprega uma funcionária fantasma como caseira de sua residência de verão em Mambucaba, Angra dos Reis, “estão tentando desviar o foco dos crimes de Lula”. Se descobrem que usa um assessor do seu filho, administrador da página Carteiro Reaça, para incitar ataques àqueles que discordam da plataforma da família Bolsonaro, “são leviandades”.
Nessa religião, não existem apenas aqueles que acreditam piamente que sua divindade – chamado de Mito – seria incapaz de se corromper. Há, sim, os que entendem a ilegalidade dos seus atos. “Mas o que é esse pouquinho perto do quanto Lula roubou?”, dizem estes últimos. Ou, “todos roubam, pelo menos este é melhor que os outros”. E assim, se aproximam do petismo, seu nêmesis político, justificando a corrupção em nome de sua crença inabalável em um político.
Desde 2014, Lula, Dilma e as estrelas do PT se transformaram em temática de decoração de festas de aniversário. À semelhança, festas temáticas com a foto do Mito viraram um fenômeno entre as crianças e jovens de todo o país. Noivos entregam-se as alianças metidos em camisetas com a foto de seu ídolo, Bolsonaro. À semelhança de um deus, Bolsonaro foi elevado e incensado aos altares por seus fiéis.
O puritanismo relativo, à maneira do islã, persiste também nessas novas religiões da política brasileira. O profeta Lula chamar mulheres viris de “grelo duro”, mas o petismo condenar o machismo onde não existe. Da mesma forma, vimos Bolsonaro proclamar seu horror seletivo à “promiscuidade” nos últimos anos, mas deixar registrado para a história que o seu auxílio-moradia foi usado para “comer gente”, como disse à Folha.
Como os petistas, os bolsominions criaram sua própria Santa Inquisição. Na internet, atacam e perseguem todos aqueles que ousam discordar da palavra do Mito, que é uma espécie de senhor sacral. A “caça aos comunistas” virou a nova palavra de ordem no âmbito do tribunal instantâneo. O sinônimo do infiel, na religião bolsonariana, é o “esquerdista”. Quem ouse imputar erros à sagrada figura de Jair, o Messias, por mais que tenha impecáveis credenciais à direita, recebe como galardão a foice e martelo na testa, e a pecha de “vermelho”. Não seria isto uma reedição das constantes caças às bruxas promovidas pelo petismo no auge do governo Dilma, com novos protagonistas?
Uma hora, o ídolo de barro feito por mãos ignorantes será quebrado. Em algum momento, Bolsonaro irá derreter nas urnas e sua canastrice será exposta para o eleitor. Pensando nesse futuro, fica a minha pergunta: o que será daqueles que o tinham como deus? Cozinharão um porre de ressaca moral? Fingirão que os momentos de idolatria nunca aconteceram? Sustentarão sua cegueira e o dogma de que existe uma perseguição em curso contra um homem honesto e puro? Ou irão à caça de um novo ídolo, como fizeram uns com Lula, e outros tantos com o deputado carioca?
Deus tenha misericórdia – à maneira de Eduardo Cunha – de um país que alça políticos à categoria de ídolos, pois “aqueles que acreditam em ídolos inúteis, desprezam a misericórdia” (Jonas 2, 8).
Lucas Baqueiro
Bacharel em Humanidades pela UFBA. Editor de política e atualidades da Amálgama.
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