O impeachment tem de ser feito. Cobre os passadores de pano do Partido Novo, os sonhadores do PSOL e do PT, as criaturas em cima do muro do PSDB.
Já não há mais nada de novo debaixo do Sol, tampouco qualquer exagero retórico é cometido, quando se aponta o bolsonarismo como um culto à morte. Não é um culto clássico, como o Templo dos Povos de Jim Jones, que, se antecipando ao apocalipse, promoveu um suicídio em massa. Sua diferença é que, enquanto prega a defesa da vida, promove conscientemente através da negligência, negacionismo e mentira o extermínio de bebês, jovens e velhos por asfixia.
Novamente, repito, não é exagero retórico. Em uma tragédia anunciada por dias, que poderia e deveria ter sido impedida, pacientes com diversas doenças, não apenas COVID-19, morreram asfixiados em Manaus por falta de oxigênio. Dentre os mortos estão bebês que estavam em incubadoras. Enquanto morriam os pacientes, o sinistro da Saúde, Eduardo Pazuello – que estava em Manaus no momento, pasmem! – em vez de tomar qualquer atitude, culpou a falta de “tratamento precoce” pelo reaquecimento da epidemia no Amazonas.
Não há necessidade em pontuar, especialmente quando falamos com gente que possua neurônios ativos e capazes de cumprir seu papel, ou um cérebro perfeitamente funcional, o fato de que não existe tratamento precoce ou preventivo contra a COVID-19 com ivermectina (antiparasitário), cloroquina (antimalárico), nitaxozanida (vermífugo) ou azitromicina (antibiótico que é apenas usado em casos avançados de COVID onde exista infecção bacteriana). Diferentemente das vacinas condenadas pelos bolsonaristas, esse antitratamento comprovadamente não tem qualquer eficácia no combate à doença, agravando em muitos casos os quadros de saúde.
O problema da população de Manaus é que ela, inteiramente, não foi gestada por uma criança de dez anos vítima de estupros, como aquele caso no Espírito Santo que contou com a intervenção política do bolsonarismo. É essa a culpa dos manauaras. Fosse de outro modo, teria a atenção integral do Governo Federal, de modo a impedir seu aborto para cumprir pactos com parte irresponsável da bancada evangélica, com direito a gente rezando na porta do hospital.
Estamos falando de coisas velhas quando paramos para citar cada movimento negligente do Presidente da República e seu governo, coio de uma caterva de marginais da pior estirpe. O Brasil inteiro ouviu que a COVID-19 é uma gripezinha e que a verdadeira prevenção à doença é coisa de maricas. Ninguém também esquece que Jair Messias Bolsonaro, em suas palavras, “não é coveiro” para fazer algo com relação às mais de 200.000 mortes pela doença. Todos sabemos, também, de como o Presidente da República rejeitou as ofertas da Pfizer para a distribuição de 70 milhões de doses de vacina em agosto, ou de como ele tentou sucessivamente impedir o registro da Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, em São Paulo. Já sabemos, também, como seus seguidores fizeram pressão contra isolamento social e o uso de máscaras. Não precisamos mais repetir, chega! Qualquer pessoa minimamente informada sabe de tudo isso de trás para a frente.
É fato incontestável para qualquer não-idiota de que o Presidente da República é o líder de um culto à morte e principal responsável pelo extermínio de um povo, seja pela doença, seja pela fome. Paulo Guedes, principal fiança para quem se dizia preocupado com as finanças, é patrono subordinado da demolição final da economia brasileira, do desemprego e do empobrecimento geral. A desculpa de que o país vai se recuperar em “V” é apenas isso, uma desculpa horrível.
O impeachment tem de ser feito. Inexiste qualquer razão para aguardar que se criem as ditas condições favoráveis. Quais seriam elas? O Presidente da República, como reiteradas vezes prometeu, fechar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional? A gangue do Planalto instaurar uma tirania pior do que a do Regime Militar? Os ministros todos entrarem em um asilo ou uma creche e fuzilar as crianças? Jair Bolsonaro assassinar um poodle em rede pública de televisão? A condição real, afinal, para o afastamento desse assassino travestido de chefe de Governo tem de ser um absurdo esforçadamente imaginado?
A verdade é que o impeachment ainda não ocorreu porque os deputados e senadores do Centrão, recentemente cooptados pelo Presidente da República, estão pescando de jereré de papo para o ar. Estão levando dinheiro, estão recebendo cargos para distribuir entre correligionários e aliados, estão recebendo emendas parlamentares, enquanto seus eleitores morrem sem ar. Basta uma pressão real e a ameaça de perderem seus mandatos – gostem ou não gostem os amigos, foi justamente assim que aconteceu com Dilma Rousseff – que os parlamentares do Centrão se mobilizam para derrubar um governo.
Por isso, enquanto famílias choram ao ver seus pais, avós e filhos sufocando em hospitais ou em casa, deputados do Centrão se organizam para eleger Arthur Lira como dirigente da câmara baixa. Trata-se de um sujeito acusado de espancar, esganar e ameaçar de morte sua ex-mulher, além de ser réu por corrupção. Arthur Lira este, aliás, que é o candidato de Bolsonaro à presidência da Câmara dos Deputados. Arthur Lira, no mais, que é o sujeito que continuará montando nas dezenas de pedidos de impeachment ao Presidente e individualmente aos seus ministros.
A única forma de criar condições favoráveis, diga-se de passagem, é pressionando nas redes sociais, por telefone, por carta, pessoalmente, em protestos, o que for, os deputados e senadores do seu estado, especialmente os pertencentes ao Centrão. Entre em contato especialmente com deputados do Partido Progressista, do Republicanos, do PROS, do Solidariedade, do PTB, do MDB, do PSC, do Avante, do Patriotas, e mesmo de outras legendas minúsculas de aluguel. Cobre os passadores de pano do Partido Novo, os sonhadores do PSOL e do PT, as criaturas em cima do muro do PSDB – muitos estão aproveitando para colher vantagens – e os indecisos do Cidadania. Mencione seus nomes e sua indecisão, forcem-lhes a tomar uma decisão ou serem enxovalhados como cúmplices de um assassinato em massa. Chamem nominalmente aqueles que não querem se posicionar ou que recebem vantagens pelo tímido apoio ao governo de cultuadores da morte.
Se precisam de nomes para envergonhar, pressionar e exigir uma posição ou uma mudança de postura, posso lhes ajudar com algumas centenas. Além dos deputados e senadores dos partidos mencionados, cobre aos deputados do Democratas uma tomada de decisão pública – coisa que o presidente do partido, Antônio Carlos Magalhães Neto, até outro dia prefeito da maior cidade de oposição do Brasil, tem evitado a fazer. Cobre àqueles sujeitos do seu estado que são conhecidíssimos pelo seu caráter fisiologista, e que se borram temendo o descrédito público. Chame os deputados do PSOL, do PT, do PCdoB e de toda a esquerda lulista pelo nome e exija uma postura madura de negociação que favoreça o afastamento do Presidente.
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal disponibilizam os e-mails e telefone dos gabinetes de cada um dos seus membros: gaste cinco minutinhos do seu dia e os persiga por correio eletrônico, telefone, Twitter, Facebook, de alguma forma.
Lembre-se especialmente, aliás, dos deputados eleitos por esses movimentos de renovação política. Vários estão em siglas cujas lideranças fazem de tudo para facilitar a vida do Presidente da República, como o Partido Novo, que outra vez mencione. Force-os a se pronunciar.
Aperte figuras como o senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), líder do governo Bolsonaro, e que até outro dia era o ministro da Integração Nacional de Dilma Rousseff. Ele e o seu filho (deputado pelo DEM-PE; mesmo nome), que foi ministro de Minas e Energia no governo Temer, têm muito a perder, mesmo controlando o Sertão Pernambucano com mãos de ferro. Gilberto Kassab, que tem controle sobre a bancada do PSD (adesista ao governo Bolsonaro), e que foi ministro do governo Dilma, é outro que tem de ser apertado publicamente. Menciono esses nomes porque são pessoas que não podem ser chamadas de politicamente coerentes, dada a mudança tão repentina de orientação política, prova inequívoca de fisiologismo ou carreirismo.
Pressione, sobretudo, o governador do seu Estado e o prefeito do seu município. Pode parecer que não tem sentido, dado que eles não são parlamentares: mas, saiba que eles controlam boa parte das bancadas no Congresso, e uma só palavra deles mobiliza votos parlamentares.
Se, contra a maioria do povo brasileiro, os senadores e deputados continuarem levando uma vida mansa, sem cobranças por permitir que um culto à morte seguisse adiante enquanto emitem falsas condolências ao povo de Manaus – caso mesmo de Arthur Lira, candidato de Bolsonaro à presidência da Câmara, que é réu por corrupção e é acusado de espancar e esganar sua ex-mulher – aí, definitivamente, estamos fadados ao arbítrio da ditadura, às teorias governamentais estapafúrdias dignas do Cazaquistão de Borat, e a vermos amigos, parentes e pessoas que amamos e admiramos falecerem.
Panelaços são ótimos termômetros do cansaço popular, mas o impeachment só virá com a cobrança inclemente sobre quem afasta e julga o Presidente da República. Foi essa a experiência de 1992 e de 2015. Não há de ser diferente agora, sobretudo quando o Brasil está de pernas para o ar assistindo boquiaberto à política de terra arrasada do mais bizarro culto à morte dos últimos tempos.
Lucas Baqueiro
Bacharel em Humanidades pela UFBA. Editor de política e atualidades da Amálgama.
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