A comunidade científica deve manifestar-se quando a pseudociência tenta invadir o espaço acadêmico.
Um colega passou-me uma recente mensagem que curiosamente foi distribuída a todos os professores do IMECC, o Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp. A mensagem anunciava a Iª Conferência Internacional de Saúde Quântica, que ocorrerá em Gramado de 28 a 30 de abril de 2012.
Saúde Quântica? Há uma tentativa de explicação na própria página da conferência. A parte mais próxima de uma definição é: “A Saúde Quântica está voltada para a promoção e proteção da Saúde Integral do ser humano e para compreensão de que a doença é uma oportunidade de olharmos para nós mesmos como investigadores da nossa jornada como ser humano em busca de aperfeiçoamento e de ser feliz. A simples supressão dos sintomas nos distancia do nosso processo evolutivo.” Difícil de entender. Mas o que a Mecânica Quântica tem a ver com isso? “A Física Quântica, associada à Física Relativística, assume papel de destaque por elucidar o jogo de xadrez das freqüências internas e externas que influenciam o estado de saúde e de doença.” Sei que muitos matemáticos adoram jogar xadrez, mas o IMECC deveria tomar mais cuidado com as mensagens que envia aos seus docentes.
O evento será acompanhado pela I Expoquantum, onde será possível ter contato com “novas Tecnologias Quânticas eletrônicas e humanas, que nos possibilitam acessar uma nova era de Saúde e Qualidade de Vida.” Mal consigo imaginar o que estará exposto. Talvez o SCIO?
Pode piorar. Um dos objetivos do encontro é “fortalecer processos curativos como a Homeopatia e a Acupuntura e novas e eficientes técnicas terapêuticas como o EFT (Emotional Freedom Techniques) e o EMDR (Eyes Movement Desensitization and Reprocessing), e PNL (Programação Neurolinguística), entre outras, com comprovados potenciais curativos em processos pouco invasivos e de baixo custo, fácil aplicação e alta eficiência em curto espaço de tempo, comparado com as terapias tradicionais. Elas introduzem, muitas vezes, um verdadeiro salto quântico nos processos de cura.” Agora entendi onde entra a Mecânica Quântica! Mas as técnicas são ótimas: EFT é apresentada como “acupuntura emocional sem agulhas”. EMDR consiste em reprocessar lembranças difíceis através dos movimentos dos olhos. Para quem duvida tem até vídeo no YouTube.
Mais que isso, “Nesse Simpósio, teremos a oportunidade de conhecer o trabalho de cientistas respeitados, cujas descobertas, algumas com patentes internacionais, apontam para uma nova percepção da realidade de maneira contundente e acessível a todos nós.” Os palestrantes são certamente pessoas respeitadas. Não são no entanto cientistas respeitados. Amit Goswami, apresentado como indicado ao Prêmio Nobel (só que da Paz, não da Física), eu já abordei anteriormente. Como ele, todos os demais palestrantes nunca foram cientistas ou deixaram de ser cientistas há muito tempo. Ao contrário das conferências científicas de verdade, não há nenhuma informação no site sobre quem são os organizadores do evento, exceto que ele acontecerá no Centro de Eventos UFRGS/FAURGS.
Os organizadores têm todo direito do mundo de realizar um evento como este. Só fico muito contrariado por estarem tentando travestir algo puramente místico como se fosse um evento científico, nas barbas dos colegas do Coletivo Ácido Cético e ocupando espaço de uma universidade séria pela qual tenho um carinho infinito. Acho um dever da comunidade científica manifestar-se duramente sempre que a pseudociência tenta invadir o espaço de discussão acadêmico. Pseudociência não é ciência.
Foi na UFRGS que em 1979, como estudante do segundo ano de Engenharia, matriculei-me em Física IV. A disciplina dava uma introdução ao que chamamos de Física Moderna. Tratava das duas teorias desenvolvidas na virada do século XX (Mecânica Quântica e Relatividade) que mudaram definitivamente nossa compreensão do universo. Isso me seduziu a ponto de mudar minha carreira. Deixei de lado a Engenharia e resolvi virar físico para tentar entender melhor as manifestações macroscópicas do universo quântico microscópico. Obviamente, muito dessa mudança de caminho deveu-se ao professor que lecionou a disciplina. Ele tinha a mesma cara que tem hoje, na quinta foto da coluna da esquerda do cartaz de divulgação do evento de “saúde quântica”.
Lama Padma Samtem, informa o cartaz. Na época chamava-se Alfredo Aveline e fazia doutorado em Física Teórica de Sólidos. Tornei-me amigo do Alfredo e presenciei o início da sua trajetória em direção ao misticismo oriental. Nunca mais o vi. Eu preferi o caminho da ciência, inspirado em parte por ele. Guardo o mais profundo respeito pela sua coragem por mudar completamente os conceitos que o orientavam e em assumir o modo de vida em que acredita até hoje, e assim ter se tornado uma referência importante dentro da sua comunidade.
Leandro Tessler
Físico (UFRGS) Ph.D. (Universidade de Tel Aviv), Professor Associado do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp.
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