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Os ataques rasteiros a Yoani Sánchez

por Daniel Lopes (17/02/2013)

A mulher é uma ricaça que só sai de Cuba para confabular com reacionários

-- O PC cubano vai ao Photoshop --

— O PC cubano vai ao Photoshop —

A jornalista e ativista pró-democracia Yoani Sánchez enfim está saindo de Cuba para uma passagem por vários países, entre os quais o Brasil. Os veículos mais respeitáveis da esquerda ainda não publicaram seus textos ok-a-causa-dela-é-justa-mas-ela-também-não-é-nenhum-anjo. Mas ativistas e sites das camadas mais baixas, mas não pouco influentes, da banda progressista nacional já se movimentam há alguns dias, e se movimentarão ainda mais nos dias que seguem. Não, eles não acham que Yoani seja um anjo.

Uma das denúncias mais frequentes e toscas que se faz à blogueira é a de sua condição de “rica”. Sem dúvida, o salário pago a ela pelo jornal espanhol El País é bem razoável, apesar de não lhe transformar numa milionária. (Uma variante desse ataque é a linha do PC cubano de que a escritora “recebe dinheiro de potências estrangeiras”.) O que ela ganha, faz por merecer: por seu texto de qualidade, sua condição de dissidente célebre e seu papel de correspondente de um dos jornais mais respeitáveis do mundo na capital da última ditadura do continente americano. Para quem estiver realmente preocupado, há muitos outros trabalhadores com ocupação mais lamentável em Cuba – por exemplo, diretores de prisões que guardam presos políticos – e, possivelmente, com melhores salários.

Outros ataques apontam o fato de, embora Yoani ter passado os últimos tempos reclamando que não podia sair de Cuba, ela na verdade já ter conseguido sair, anos atrás, mas mesmo assim resolveu voltar. Esse é o argumento “Cuba: ame-a ou deixe-a”. Porque ninguém deve ter o direito de ficar num país se for para fazer oposição cerrada ao governo, ou tem? Yoani é cubana e com orgulho. Conhece como poucos a cultura do país. Não passa pela cabeça dos críticos que, ao manter campanha permanente contra a gerontocracia, ela honestamente queira o melhor para o país, porque os críticos associaram a gerontocracia ao melhor de Cuba.

O fato de Yoani ter saído e regressado a Cuba prova, na cabeça dessa esquerda com que estamos preocupados, que o regime cubano não pode ser tão ditatorial quanto dizem. Mas, sim, ele é. Não ter permitido a volta da blogueira lá atrás teria sido uma amostra de autoritarismo, da mesma forma que foi uma amostra de autoritarismo ter permitido a entrada mas não futuras saídas. E agora que Yoani pôde sair? Isso indica um relaxamento nesse ponto específico, relaxamento que se deve em grande parte a uma pressão internacional e nada a quem nunca achou que havia algo para relaxar, pra começo de conversa. Que ninguém se engane, porém: ainda há um longo caminho até a democratização.

Um intelectual bastante referenciado pelos ativistas brasileiros “pró-Cuba” é o sociólogo francês Salim Lamrani. Nunca ouviu falar? Não se preocupe, eu apresento. Lamrani é um professor universitário cuja especialidade é Cuba, e as relações desta com os Estados Unidos. Na opinião do professor Lamrani – que já subscreveu seu nome em vários manifestos por um mundo melhor –, virtualmente não há problemas em Cuba e, quando os há, é unicamente por culpa do bloqueio econômico estadunidense. No texto mais recente do destemido ensaísta traduzido no Brasil, publicado no Opera Mundi, ele jura que existe plena liberdade para debates na ilha e que Raúl Castro é “o verdadeiro dissidente” do pedaço. Pois é. Percepções em contrário existem apenas por culpa do “Ocidente” – essa entidade que, quando não está fazendo mal ao mundo, está interpretando mal o bem que se faz no mundo.

Salim Lamrani é a única autoridade que Altamiro Borges evocou para passar adiante bobagens contra Yoani Sánchez. Intelectualmente, Altamiro não existe. Se o cito aqui é porque ele personifica a chamada blogosfera progressista brasileira, e tem muitos milhares de leitores e seguidores. Ele também é “secretário nacional de Questão da Mídia” do Partido Comunista do Brasil, agremiação da base de apoio do governo federal, o que mostra como a defesa da “democratização da mídia” está muitas vezes nas mãos de apologistas de ditaduras. O PCdoB, por sua vez, é um exemplo acabado de falência moral na esquerda. Tendo nascido entusiasta de Mao Zedong e lutado para emplacar um maoismo adaptado às condições brasileiras, as bases do partido se mostram há algum tempo menos empolgadas com a China – país que chegou naquele estágio do socialismo em que falar mal do capitalismo dá cadeia – e mais afeitas a experiências mais próximas como Cuba e socialismos do século 21.

Uma linha que vai correr solta quando Yoani estiver pelo Brasil será a de que ela veio apenas ou principalmente para participar do Fórum da Liberdade, “de direita”. Primeiro: não, não veio. Segundo: bem, meus amigos, eu aposto que a moça adoraria receber um convite para debater Cuba, digamos, na sede da União Nacional dos Estudantes. Mas, se este e outros locais estão com as portas fechadas – ocorrendo também de, no caso da UNE, serem na verdade propagandistas do regime caribenho –, o que a jornalista deveria fazer? Falar apenas em praça pública? Esperar até que a esquerda se revolte contra a ditadura de esquerda e aí então lhe convide para um chá? No início do ano passado, Yoani teria gostado de vir ao Brasil para o lançamento do documentário Conexão Cuba-Honduras. Na ocasião, o senador Eduardo Suplicy soltou uma carta aberta ao embaixador de Cuba no Brasil, Carlos Zamora Rodríguez, intercedendo em prol da dissidente. Em vão.

Por outro lado, o que o senhor Rodríguez fez, agora, foi transformar a embaixada cubana em Brasília num centro para propagação de calúnias contra Yoani Sánchez. De acordo com o apurado pela Veja, gente do PT, do PCdoB e da CUT esteve reunida com representantes da ditadura, entre os quais um “conselheiro político” (Rafael Hidalgo) e o próprio embaixador. Na ocasião, foi apresentado um “dossiê” recheado de informações supostamente constrangedoras sobre Yoani, para serem espalhadas durante sua passagem pelo Brasil.

Independente do escalão, a presença de gente do PCdoB numa reunião dessas jamais me surpreenderia. Da CUT, deve ter sido gente pequena, nos dois sentidos. Do PT, idem. Exceto pela presença de Augusto Poppi Martins, nada menos que assessor do influente ministro Gilberto Carvalho. Isso é preocupante e justificaria a presença de Carvalho para prestar esclarecimentos no Congresso. Poppi Martins recebe salário para ser “coordenador geral de Novas Mídias” da Secretaria-Geral da presidência.

Daniel Lopes

Editor da Amálgama.

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