O aumento do custo da mão de obra atrapalha o crescimento do Brasil?
Uma discussão sobre os motivos do baixo PIB com alta inflação, e os rumos políticos da economia brasileira.
Inflação baixa e alto crescimento econômico são positivos, certo? Basta olhar para estes indicadores medidos com razoável precisão por diversos institutos, e saberemos se as coisas estão bem ou não. Sob este aspecto, o Brasil foi mal em 2012. O crescimento oficial ainda não foi divulgado, mas já se sabe que esteve pela casa de 1% – o que é pouquíssimo. Em contrapartida, a inflação em 2012 foi de 5,84% (IPCA-IBGE), um índice bastante pesado, apesar de não destoar significativamente do histórico recente da nossa inflação. Tivemos índices maiores que esse na maioria dos anos anteriores. Só para comparar, dos 8 anos de governo FHC (1995-2002), apenas em 1997 (5,22%) e 1998 (1,65%) os índices foram menores que o de 2012. Nos oito anos de Lula (2003-2010), tivemos índices menores em 2005 (5,69%), 2006 (3,14%), 2007 (4,46%) e 2009 (4,31%). As estatísticas completas estão no sítio do IBGE.
Nada de diferenças tão significativas, exceto por 1997 e 2006, anos atípicos (será casual que a inflação tenha sido sempre a menor nos anos em que um presidente disputaria reeleição?). Mas tergiverso.
Minha questão é pensar sobre o custo do trabalho e como isso atrapalha o Brasil. A inflação de 2012 foi alta, ia dizendo. A de 2011 tinha sido ainda maior, com 6,5%, mas porque o crescimento estava muito alto no momento de retomada após o colapso 2008/2009 e o fim do mandato de Lula.
Leio assiduamente as colunas/blogs de alguns economistas, e salvo honrosas exceções, como o José Paulo Kupfer e o Drunkeynesian, a maioria dos colunistas de economia escreve todo santo texto alguma coisa sobre como o Brasil vai mal, inflação alta e crescimento baixo. São bons exemplos os sites ou blogs de Celso Ming, Ricardo Amorim ou Alexandre Schwartzmann. Some-se a isso tudo que escuto na CBN, especialmente os comentários do âncora Carlos Alberto Sardenberg.
Além da questão de tentar planejar um pouco a carreira profissional e as finanças pessoais, a economia me interessa pelos aspectos político e ideológico. E aí é sempre interessante perceber como não há uso de estatísticas, dados e “leis econômicas” que não possuam viés ideológico. Para mim isso é sempre muito claro, e é só por isso que me meto a escrever sobre o assunto.
O tema do custo do trabalho, e a relação disso com crescimento e inflação, acabam sendo uma discussão privilegiada para apontar como o enfoque da questão não pode ser neutro ou possuir a pretensa isenção técnica ou científica. Eu mesmo, já me posiciono aqui como um discurso em favor da renda do trabalho, o que me colocaria (se eu fosse economista) na categoria de “keynesiano de quermesse”, com a qual o Alexandre Schwartzmann gosta de espezinhar os que estão no espectro contrário da sua ortodoxia econômica.
Olhando com um pouco mais de atenção para a inflação de 2012 (que continua alta e subindo no início de 2013), percebemos quais são os itens de maior peso na composição do índice do IBGE. Está tudo detalhado com os mínimos detalhes nesta tabela, de onde tirei os dados a seguir:
Eis aí os principais itens que compõem o IPCA. Podemos ver que, entre os que mais pesam do bolso do brasileiro, o que subiu mais alto foi o custo do “empregado doméstico”, um eufemismo para empregada doméstica, pois a esmagadora maioria desta categoria profissional é de mulheres. Podemos observar que também tem um peso considerável no índice alguns componentes que os governos do PT vêm controlando com mão de ferro: gasolina, automóvel novo e energia elétrica residencial. Contrapesam o custo da mão de obra, pois vêm subindo menos que o índice geral. E formam o conjunto dos preços que o governo consegue influenciar diretamente. Os preços de alimentação, aluguel e ônibus urbano não estão sob influência direta do governo federal, nem mesmo pela manipulação da taxa de juros, como os ortodoxos gostavam de fazer crer nos tempos em que o juro era muito mais alto e a inflação não era nada mais baixa.
Essa inflação é o custo de vida em geral para a população. Ela é importante no cotidiano de cada brasileiro. Mas um fator a se levar em conta é que os salários dos mais pobres vêm subindo consistentemente acima da inflação nos 10 anos de governo do PT. O salário mínimo sobe bastante, e pressiona os salários relativamente mais baixos. Isso explica por que a inflação alta e o crescimento baixo não tiram a popularidade de Dilma, assim como não tiravam a de Lula. Os economistas e âncoras (papagaiando os interesses que os sustentam) querem inflação sob controle e crescimento mais alto (apenas até onde este último item não atrapalhe o primeiro). E têm razão. O único problema é que o governo também coloca na conta o preço dos salários, puxando o viés mais para o seu aumento. E a maioria do eleitorado não entende bulhufas de IPCA ou de PIB, mas sabe exatamente quanto está ganhando e o que dá pra comprar no supermercado.
O que o IPCA não revela é que o aumento dos salários pressionam os custos de produção. Esse custo é repassado para a inflação nos serviços, que têm o preço determinado por fatores domésticos. Mas nos produtos agrícolas, pesa muito a cotação internacional. E nos produtos industriais, a concorrência dos importados. O que se tem é um quadro geral em que produzir no Brasil está ficando mais caro, como mostra este gráfico. O custo de mão de obra no Brasil está muito mais alto que em outros emergentes, o que complica as coisas na hora de competir com os produtos importados. Mas nosso custo ainda é ridiculamente baixo se comparado aos países das chamadas “economias maduras” (estão quase caindo de podres, mas deixa pra lá).
Ou seja, para os analistas de economia, o salário já está alto demais no Brasil, a ponto de prejudicar a produção. Mas, em comparação com as principais economias industriais, nosso salário ainda é uma fração minúscula. Outro argumento que sempre dou muita risada quando escuto, e escuto todo dia, é que o Brasil tem falta de mão de obra “qualificada”, especialmente engenheiros. Isso não passa nem perto da verdade. Quem conhece o público que estuda engenharia sabe que os problemas realmente existem na ponta da formação universitária (os professores de cálculo consideram razoável seu índice de reprovação de alunos na casa dos 90%), mas são muito mais graves na hora de transitar para o mercado de trabalho. Tem muito engenheiro trabalhando com vendas, administração ou no setor financeiro. Porque os engenheiros têm uma formação muito boa, desenvolvem competências que servem em vários setores do mercado de trabalho mas, ironicamente, ganham bem menos que outros tipos de profissionais.
Ou seja, volta o problema do custo. As empresas não têm engenheiros? Porque não querem pagar o que custa um engenheiro, esse é o fato. Outra coisa: a quem compete formar a mão de obra? Ao governo e suas universidades públicas? Não só. As famílias tem um peso muito maior na condução da carreira educacional dos filhos, e o fato de que as maiores indústrias no Brasil são filiais de empresas estrangeiras reflete no fato de que aqui não se treina mão de obra para os próximos 20 ou 30 anos. Se quer o funcionário pronto, de preferência ganhando o mínimo possível; se não der certo, fecha-se a fábrica, e bora produzir em outro lugar.
O governo Dilma, sendo de viés desenvolvimentista, tem em mente estes problemas, e batalha para reduzir o custo de energia, desfavorecer a competição do importado via câmbio e taxas de alfândega, bem como desonerar a folha de salários no item previdenciário (apesar de ainda fazer isso de forma tímida e esdrúxula). No setor de serviços, não há remédio: vai demorar décadas até que o Brasil se acostume a não ser um país de mão de obra barata, e a classe média ainda vai chorar muito até aprender a viver sem alguém para limpar suas latrinas.
Também não canso de me lembrar como o ódio de amplos setores sociais ao PT se deve a esse fato notório de que a concorrência dos debaixo está pressionando o custo do conforto mediano que era privilégio de uma elite reduzida até bem pouco tempo. Este texto, por exemplo, demonstra como o crescimento da Classe C vem pressionando a inflação. É por isso que os eleitores do PSDB gostam de reclamar do Bolsa Família e das políticas “populistas” do PT.
Quanto às trabalhadoras domésticas, estão em vias de desaparecer. Porque, afinal, o Brasil vai se tornando uma economia mais ou menos normal. Por exemplo, só agora se está discutindo pra valer no Congresso a extensão dos direitos trabalhistas plenos às empregadas domésticas, o que significa um encontro da CLT de Getúlio com a Lei Áurea da Princesa Isabel meros 125 anos depois. Não pensemos que alguém faz isso por caridade ou defesa dos direitos humanos. Simplesmente a melhora de vida dos mais pobres, a urbanização, a escolarização das mulheres, o aumento do salário mínimo, entre outros fatores, estão fazendo da empregada doméstica uma profissão em extinção.
Vejamos, por exemplo, este estudo do IPEA, que usa dados até 2009. Pelo gráfico da página 7 do pdf, sabemos que em 1999 36,9% das empregadas domésticas estavam na faixa entre 30 a 44 anos, enquanto 21,7% estavam na faixa entre 18 a 24 anos. Em 2009, eram 42,5% na faixa entre 30 a 44 anos, e a segunda faixa etária mais numerosa passou a ser a de mulheres entre 45 a 59 anos, representando 26,5% das trabalhadoras domésticas. O serviço doméstico está desaparecendo em uma geração, pois estas mulheres batalhadoras trabalham pesado, mas podem proporcionar educação para suas filhas trabalharem em outros serviços, que podem não ser muito melhor remunerados, mas têm mais reconhecimento social. Se acrescentarmos os dados trazidos pelo economista Samuel de Abreu Pessôa em sua coluna na Folha de São Paulo veremos que o número de trabalhadoras domésticas caiu de 7,2 milhões em 2009 para 6,6 milhões em 2011, com a participação desse tipo de trabalho caindo de 7,8% para 7,1% do total de empregos.
Pra resumir a história: que triste que o Brasil cresceu só 1% em 2012, e que pena que a inflação está tão alta. Mas o que importa é que continuaremos votando no Partido dos Trabalhadores (ou outro mais à esquerda) enquanto ele estiver nos dando vantagem do salário sobre a inflação. Os custos de mão de obra terão que ser resolvidos por outros meios que não o arrocho salarial. Talvez por investimentos em pesquisa, tecnologia intensiva, treinamento de mão de obra especializada, mudança de hábitos de consumo dos estratos superiores, etc. É uma lenta mas aguda revolução que está em curso na economia brasileira. E não se iludam, o eleitor não quer voltar atrás.
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Márcio