Direito, terrorismo e exceção

A produção de legislação às pressas, de maneira açodada, atende a certos interesses de produção de um ordenamento de exceção.

– Dep. Cândido Vacarezza e Sen. Romero Jucá –

No dia 10 de fevereiro, lamentavelmente, morreu o cinegrafista da Rede Bandeirante que fora atingido por um artefato explosivo durante uma manifestação ocorrida no Rio de Janeiro, no dia 6 do mesmo mês. A 12ª vítima fatal ligada às manifestações que, por um motivo ou outro, tomaram o país desde junho do ano passado. No dia seguinte, retomou-se proposta no Senado da República com a intenção de tipificar o crime de terrorismo. Segundo o senador Paulo Paim, o Senado deve responder ao fato legislando.

Essa curta sequência de eventos já apresenta alguns dos vários problemas que atingem o PLS 499/2013, de autoria do Senador Romero Jucá (PMDB-RR) e do Deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), que tramita no Senado. Demonstra, também, o acerto de Nietzsche ao definir as forças reativas como aquelas que nos querem fracos, que querem limitar a vida. E essas forças fazem uso até de cadáveres para atingirem os seus objetivos.

Essa proposta de tipificação penal do terrorismo apresenta vários pontos passíveis de crítica. Nesse texto, limitaremos as nossas críticas a dois pontos que, acreditamos, são mais sensíveis: problemas na origem do projeto; e problemas com a tipificação em si, isto é, com a definição de terrorismo utilizada.

Primeiramente, há que se perguntar pela oportunidade de colocação em pauta desse projeto (na verdade, vale para vários outros projetos ao longo dos anos): fala-se em reagir à morte de um cinegrafista, ou na realização de eventos esportivos de expressão internacional (Copa do Mundo e Olimpíadas). Por outro lado, a Constituição dispõe sobre o crime de terrorismo (art. 5º, XLIII), mas esse fato nunca levou à colocação em pauta de propostas ou ao chamamento para o debate pelo Congresso Nacional. Uma lei, uma norma, faz referência a uma situação comum, a uma situação normal que ela toma como objeto. Sendo assim, como explicar, em uma democracia, a norma excepcional? Isto é, qual a necessidade de uma lei que disciplina situações excepcionais? Por que nossa legislação é feita aos “trancos”, às “pancadas”? Em suma: por que não temos um funcionamento normal de nossas instituições (Congresso Nacional, por exemplo)?

Vê-se, assim, o caráter excepcional não só dessa proposta, mas de boa parte do Direito Penal produzido no Brasil desde a redemocratização. A súbita necessidade de leis ou de tipificação de novos crimes que estão desde a Constituição (há 26 anos!) sem serem regulamentados revela não a necessidade de sua tipificação, mas a necessidade de criação de leis e tipos penais excepcionais. Isso nos autoriza a dizer que há, sim, vícios de origem na formação da legislação penal brasileira.

Foi Agamben quem, a partir de Schmitt, soube definir a real natureza do estado de exceção: ele suspende o Direito estatal pontualmente (no caso concreto), fundando um Direito de exceção através da existência de um estado de exceção permanente. Isto é, o que temos é a coexistência de duas ordens que vão sendo construídas, paralelamente: a ordem jurídica normal, aplicável ao cidadão; e a ordem jurídica excepcional, aplicável ao outro, ao inimigo. Assim, a produção de legislação às pressas, de maneira açodada, atende a certos interesses de produção de um ordenamento de exceção: ela interdita o debate e a discussão; impede que o debate acadêmico tenha qualquer influência no texto do projeto; bem como busca evitar reações da sociedade civil.

Em segundo lugar, a própria redação do projeto é problemática. O projeto tenta definir terrorismo como “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado”, expressões que padecem de dois problemas principais: em primeiro lugar, elas são muito abertas, levando à criminalização de praticamente qualquer conduta que possa ser enquadrada como lesão ou ameaça de lesão de um dos direitos posteriormente elencados (vida, integridade física, saúde ou privação da liberdade); segundo, essa definição está focada em um estado psíquico da vítima, ao invés de estar focada na intenção dolosa do agente. Estas duas críticas ferem o tipo de morte. Pela primeira, muito ampliados estão os poderes judiciais para decidir se determinada lesão ou ameaça de lesão enquadra-se como lesão corporal comum ou terrorismo (com significativo aumento da pena abstrata), por exemplo. Isto escancara a opção pelo decisionismo judicial (sem controles racionais e democráticos) e pelo direito penal de autor¹. Pela segunda crítica, o terrorismo torna-se um crime quase impossível de ser verificado: precisaremos de laudos técnicos sobre o estado psíquico de quantas pessoas para sabermos se foi provocado ou infundido “terror ou pânico generalizado”?

O que temos nesse projeto, portanto, é uma “antidefinição”: há uma clara violação do princípio da legalidade estrita através da não definição do crime em lei, impossibilitando a verificação concreta da sua ocorrência ou não. O que se vê é uma presença muito forte de um direito penal simbólico que busca estigmatizar certos indivíduos como “terroristas”, em oposição a outros que cometerão os mesmos crimes, mas não serão assim categorizados: isto mostra o caráter político da definição de terrorismo.

Assim, os dois pontos se unem na construção de um direito que se caracteriza como “de exceção” de duas maneiras distintas: na sua origem, determinada pela situação excepcional que propiciou o seu surgimento; e na sua aplicação, através do poder decisório exacerbado (e sem controles democráticos) do órgão julgador.

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¹ Nesta espécie de Direito Penal, pune-se a pessoa pelo que ela é, e não pelo fato que ela cometeu (direito penal do fato). Isto é inadmissível em uma democracia.

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  • André Martins

    Eu sou a favor à lei desde que ela também criminalize o terrorismo de estado responsabilizando o comandante da polícia, o secretário de segurança e o governador (quando for praticado pela PM) ou o comandante da polícia, o ministro da justiça e o presidente (quando for praticado pela forças federais).