O governo Dilma reduziu a zero o protagonismo internacional brasileiro
Em setembro de 2008, uma Bolívia dividida ao meio conflagrou-se em manifestações violentas, entre apoiadores e contestadores da nova Constituição proposta por Evo Morales e aprovada pela Assembléia Constituinte. Em fevereiro de 2013, uma Venezuela divida ao meio conflagra-se entre apoiadores e opositores do chavismo. Naquela ocasião, Lula e Bachelet articularam via Unasul um processo de pacificação do país vizinho, criando condições para que Morales e seus opositores chegassem a um acordo. Nesta, apenas notas de apoio ao presidente Maduro e à “ordem democrática”, enquanto a violência cresce na Venezuela.
Um observador que entenda dos países sul-americanos poderia indicar que Maduro não é Morales, e o chavismo não se apoia na mesma base social do governo do MAS. Sim, é verdade. Morales é um líder com habilidade política, capaz de equilibrar mordidas e assopradas para obter conquistas concretas para a Bolívia e sua população indígena. Maduro é um líder fraco, que fala com passarinho, colocado no poder por um dedazo de seu antecessor, e não representa a totalidade do chavismo, um bloco tão heterogêneo quanto a base de apoio da presidente Dilma.
Da mesma forma, os movimentos indígenas bolivianos – katarismo, cocaleiros e sindicatos indígena-camponeses em geral – têm uma história ao menos 50 anos anterior ao partido de Morales, e seu apoio não é incondicional. Pelo contrário, há uma pressão constante sobre o governo e o MAS, fazendo com que Morales não tenha carta branca para passar do ponto. Diferentemente, o chavismo se apoia em massas desorganizadas, sem elaboração política, e que têm em Chaves sua única referência política.
Mas o assunto aqui não é a Bolívia ou a Venezuela. É o papel do Brasil, que diz aspirar a liderança regional. Quando Dilma demitiu o chanceler Antonio Patriota, reclamou que o Itamaraty só faz diplomacia, não faz política externa. De forma injusta para com os diplomatas profissionais, ela agiu como um banqueiro que pede dinheiro emprestado, ou um mecânico que leva o carro para o conserto. Política externa, cara Dilma, deve ser feita pelo presidente da República. Este foi o segredo da diplomacia bem sucedida de Lula e FHC, apesar de ambos registrarem fracassos pontuais.
No Brasil recente, políticas externas arrojadas foram obra e graça ou de chanceleres com respaldo político do presidente – caso de Mário Gibson Barbosa no governo Médici ou Azeredo da Silveira com Geisel – ou de presidentes com visão internacional – caso de Getúlio Vargas, Juscelino, Jânio Quadros, FHC e Lula. FHC tem no currículo a criação de uma das teorias mais interessantes sobre o sistema internacional, consolidada em Dependência e Desenvolvimento na América Latina. Lula tem reconhecidamente faro político. Por estes motivos, dois líderes tão diferentes conseguiram posicionar estrategicamente a diplomacia brasileira em temas como mudanças climáticas, OMC e integração latinoamericana, ainda que com direcionamentos diferenciados. Conquistas, como o mecanismo de desenvolvimento limpo e a quebra da patente dos remédios da AIDS no governo FHC, ou o comércio Sul-Sul e a articulação dos BRICs no governo Lula, foram resultado desta liderança presidencial na formulação da política externa.
Dilma não faz nada disso. A diplomacia presidencial de seu governo é apagada, e do gabinete da presidenta só saíram fracassos, como a surpresa com a deposição de Lugo no Paraguai em plena Rio+20 – qualquer um de seus antecessores teria intervindo antes que a situação transbordasse -, o asilo prolongado de 15 meses do senador boliviano Roger Molina e agora a reação pueril diante da espionagem comercial da NSA. Falta estratégia, e a estratégia se faz com o engajamento concreto do presidente da República. Dilma não faz nem deixa o Itamaraty fazer.
Se o Brasil quer mesmo liderar a América Latina, precisa saber construir pontes com a Aliança do Pacífico, atuar como moderador de crises como a venezuelana, construir alternativas para a crise econômica argentina, suportar o diálogo entre FARC e governo colombiano, entre outras coisas. Em suma, sair da mera diplomacia das notas de apoio e repúdio e sujar um pouco as mãos e as botas.
Mesmo no aspecto da correção de assimetrias regionais, FHC e Lula mostram ser maiores que Dilma, com iniciativas estruturantes como o gasoduto Brasil-Bolívia, a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), o Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) e o Sistema de Moeda Local com a Argentina. No governo Dilma tivemos apenas o Porto de Muriel, questionável justamente por não fazer parte de uma política estruturada, soando como mero apoio político a uma ditadura de esquerda.
Preocupa que os adversários de Dilma também não tenham visão estratégica sobre a inserção internacional do Brasil. Mas os generais Médici e Geisel também não tinham, assim como Bill Clinton não tinha quando foi eleito presidente. Contudo deram suporte a seus chanceleres – Mário Gibson Barbosa e Azeredo da Silveira nos casos brasileiros, Madeleine Albright no caso americano – e isso resultou em políticas externas estratégicas. Cabe ao futuro presidente brasileiro – mesmo que seja a própria Dilma – pelo menos deixar o Itamaraty fazer o que sabe.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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