O governo teme entrar em colisão com os mais extremistas do chavismo
Vladimiro Mujica, no TalCual / 13 de fevereiro
O momento que muitos temíamos na nossa convulsiva história dos últimos 15 anos está para acontecer. Um governo arrogante, soberbo e, ao mesmo tempo, amedrontado diante de seu próprio povo está recorrendo a uma das ferramentas mais destrutivas para o controle da sociedade: a repressão.
Não é que o governo venezuelano não tenha uma longa experiência na matéria, mas tudo parece indicar que, qualitativamente, estejamos presenciando um momento político distinto, em que o regime encara uma situação de descontentamento popular que vai muito além das fileiras opositoras.
A primeira reação frente à verborragia do oficialismo para justificar os ataques contra os estudantes em Táchira e Mérida é de incredulidade por tanto cinismo.
Essa reação, por sua vez, leva a uma pergunta importante: o que busca o governo abrindo a caixa de Pandora da repressão? A primeira resposta é que não lhe resta outro remédio: tem que reprimir porque não pode corrigir o rumo político e econômico conforme está exigindo uma parcela cada vez mais importante do país.
O governo não pode corrigir seu caminho porque isso o poria em curso de colisão com alguns dos setores mais extremistas do chavismo.
Tampouco pode permitir que o protesto estudantil, ou de qualquer outro setor, cresça, porque então pode perder o controle do país. Uma coisa é controlar manifestações em um par de cidades, outra muito diferente é enfrentar uma avalanche de protestos que requereriam a intervenção da força pública, ou dos vigilantes e bandos armados do chavismo, segundo for o caso.
Deixando de lado o horror que possa gerar, a repressão é um instrumento de controle social que opera pela via do medo. Uma de suas principais características é a brutalidade na retaliação ao indivíduo, porque se trata de aterrorizar o coletivo.
É esse fracionamento da identidade coletiva o que em última instância quer a violência exercida contra os dirigentes do movimento estudantil. Entender isto é importante no contexto da tarefa mais importante que tem neste momento a oposição democrática na Venezuela: como converter os protestos populares em um movimento articulado de rebelião cidadã.
Uma das primeiras e mais importantes considerações, na qual coincidem todos os principais dirigentes da oposição, é que os protestos devem ser não violentos. A isso há que se acrescentar que eles têm que ser coordenados e conduzidos de acordo com uma estratégia bem definida, que articule os protestos com os objetivos do movimento democrático.
Para que se alcance este triângulo virtuoso, é indispensável que se encontre um centro para o qual convirjam as distintas formas da oposição. O chamando para esquentar as ruas não pode estar desprovido de estratégia e, ao mesmo tempo, qualquer estratégia plausível da alternativa democrática não pode desconhecer o valor dos protestos.
De fato, uma organização e crescimento de baixo para cima, como há defendido Henrique Capriles, pode perfeitamente coexistir com um protesto não violento.
Alguém pode sentir-se tentado a imaginar que o governo tenta controlar a violência que pode ser gerada nas demonstrações de rua. A verdade é exatamente o contrário: ao governo interessa que a violência se manifeste, sempre e à medida que possa colocar a responsabilidade por seu desencadeamento na oposição.
Tal se dá, não somente porque a repressão para supostamente tentar controlar a violência permite ao governo evidenciar sua decisão de aplicar uma “mão dura” para defender a revolução, mas também porque a discussão sobre o desastre para a Venezuela de toda essa gestão governamental acaba se desviando para o inevitável tema da violência.
Para a oposição democrática, a violência incontrolada é o pior dos mundos, porque o controle das armas está com o adversário, e porque uma explosão caótica a impediria de centrar sua ação política em diminuir o terreno da preferência popular pelo chavismo e abriria as portas para aventuras militaristas. O desafio de avançar no processo de construir uma rebelião cidadã pacífica é enorme, mas estes são os tempos em que vivemos.
Não tenho nenhum conselho simples para dar acerca de como enfrentar a repressão de um regime corrupto e amedrontado frente à possibilidade de perder o controle da Venezuela, um país que os dirigentes encaram como sua fazenda grupal. Somente digo que será preciso uma combinação de calma e muita inteligência para se navegar por estes tempos obscuros.
Amálgama
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