Nenhuma lágrima cai pelos cristãos do Oriente

por Paulo Roberto Silva (17/02/2015)

O humanista ocidental tem mais compaixão dos terroristas do fundamentalismo islâmico

Os mosteiros do Egito estavam situados em lugares solitários e desolados, no topo de montanhas ou nas ilhas do Nilo; e a sagrada trompa ou corneta de Tabena era o sinal bem conhecido que reunia os milhares de monges robustos e decididos, os quais, em sua maioria, tinham sido campônios da região circunvizinha. Quando seus retiros sombrios um invadidos por uma tropa militar a que se tornava impossível resistir, eles ofereciam o pescoço ao verdugo e comprovavam a fama nacional de tortura alguma conseguir arrancar de um egípcio a confissão de um segredo que ele estivesse empenhado em ocultar. O arce bispo de Alexandria, por cuja segurança ardorosamente sacrificavam suas vidas, perdia se em meio a uma multidão uniforme e bem disciplinada; à aproximação do perigo, as mãos oficiosas dos monges o transferiam prontamente de um esconderijo para outro, até ele atingir os assustadores desertos que a superstição, sombria e crédulas, povoara de demônios e monstros selvagens.
(Edward Gibbon, Declínio e Queda do Império Romano)

- Cristãos coptas no Egito (2013) -

– Cristãos coptas no Egito (2013) –

O texto acima é parte das longas paginas dedicadas por Gibbon a santo Atanásio, um dos patriarcas de Alexandria e defensor da ortodoxia cristã diante da heresia ariana. Apoiada pelo Imperador, a heresia avançava na perseguição a Atanásio, cuja proteção estava na rede de cristãos egípcios (coptas, na língua egípcia original) que se espalhava pelo interior do país, fora do alcance dos romanos. Inimigo do cristianismo e autor de uma História do Império que acusa os cristãos por sua decadência, Gibbon não poupa elogios a Atanásio e aos cristãos coptas.

Escrevo essas linhas no momento em que um vídeo com a decapitação de cristãos coptas pelo Estado Islâmico na Líbia circula o mundo. A cena, que resultou em operações militares egípcias, é apenas mais uma do doloroso genocídio que Al Qaeda e Estado Islâmico têm infligido à população cristã no Oriente Médio. Em sua maioria, sem que humanistas ocidentais derramem uma lágrima.

Quando imigrantes empobrecidos cometem um ato terrorista na França, são esses mesmos humanistas ocidentais, sempre preocupados com o colonialismo e o imperialismo, que clamam por contemporização. Quando o Estado Islâmico declara um califado na Síria e no Iraque sobre os cadáveres dos cristãos melquitas e caldeus, são os mesmos que defendem o diálogo com o terror.

O humanista fala em estudar história, mas se ele o fizesse, saberia que essas populações cristãs estão no Oriente Médio desde antes de o Islã existir. Sobreviveram esses anos todos a partir da convivência pacífica (às vezes não tão pacífica) com os muçulmanos. São comunidades cristãs mais antigas que a Alemanha de Bento XVI ou a Argentina de Francisco. Mas não, o humanista ocidental, em sua ignorância, acredita que essas comunidades foram transplantadas pelas Cruzadas.

Essas comunidades cristãs estão sendo assassinadas. Em quase todo o Oriente Médio, no Paquistão, na África e no Extremo Oriente. São os alvos de grupos como Boko Haran, Al Qaeda, Estado Islâmico, Taleban. Mas o humanista ocidental pede para contemporizar. Quando o Charlie Hebdo foi atacado, eles se lembraram das vítimas do Boko Haran. Mas não lembraram que essas eram vítimas por estudarem em escolas cristãs. O humanista não abre escolas na Nigéria.

Voltemos aos egípcios. Antes de decolarem os coptas, o Estado Islâmico ameaçou o Vaticano. Para eles, os cristãos de lá são representantes do Ocidente. Por isso, Vaticano e Charlie Hebdo são uma coisa só. Devem ter estudado História com os humanistas ocidentais.

Paulo Roberto Silva

Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

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