União, estados e municípios em crise. De quem é a culpa?

É na aliança perniciosa entre a esquerda e a direita não liberal que vem sendo gestado nosso fracasso.

Funcionários públicos protestam na Assembleia paranaense

Funcionários públicos protestam na Assembleia paranaense

Assim como no assunto corrupção, que o PT tenta justificar a todo custo com casos do passado ou recorrendo ao velho e canalha relativismo moral, agora os petistas tentam colocar todo mundo na vala comum da irresponsabilidade fiscal, uma vez que a presidente, que deveria dar o exemplo, jogou a Lei de Responsabilidade Fiscal no lixo, transformando déficit em superávit.

Pior: tentam politizar uma rotina institucional típica de repúblicas federativas, como a transferência de recursos da união aos estados e municípios, em “favores” da presidanta a governos de partidos adversários! Como é boazinha a Dilma. Como se um colapso no abastecimento d’água em São Paulo não tivesse nenhum efeito sobre a economia do Brasil.

A primeira conclusão sobre a crise atual dos governos estaduais é que o governo federal é a raiz da crise generalizada, afinal a União abocanha 2/3 do que é arrecadado justamente nos estados e municípios para depois fazer politicagem com a liberação de recursos. Ou melhor, com a devolução de recursos extraídos dos entes federativos mais próximos dos verdadeiros geradores de riqueza.

E quando analisamos os recursos que saem e entram de cada Estado separadamente, as distorções causadas pelo governo federal ficam ainda mais evidentes. Simplesmente 19 dos 28 estados da federação recebem mais da união do que enviam. Ora, se alguns recebem mais do que enviam e a União não produz riquezas, a conclusão é que alguns estão pagando pelo todo. E quais são estes estados?

Pela ordem, quem mais paga é São Paulo (-88%), Rio de Janeiro (-84%), Santa Catarina (-61%), Rio Grande do Sul (-58%), Paraná (-57%), Espírito Santo (-54%), Amazonas (-37%) e Minas Gerais (-35%). O Distrito Federal também poderia aparecer nesta lista, mas estou deixando de fora por uma razão muito simples: os dados do DF estão contaminados por uma grande distorção: por ter a maior concentração dos funcionários públicos (os mais bem pagos do país) o imposto de renda retido na fonte é a maior fonte de recursos federais no DF; ou seja, seu superávit é financiado por riquezas geradas em outros estados. (E mesmo assim todos viram o que o governo do PT foi capaz de fazer em Brasília.)

Agora vamos para os estados que recebem mais do que contribuem para a União. São eles: Acre (+988%), Amapá (+816%), Roraima (+810%), Tocantins (+664%), Piauí (530%), Alagoas (+437%), Maranhão (+420%), Paraíba (+340%), Rondônia (+262%), Sergipe (+278%), Rio Grande do Norte (+257%), Pará (+255%), Ceará (+120%), Mato Grosso (+85%), Mato Grosso do Sul (+82%), Bahia (+75%), Pernambuco (+52%) e Goiás (+3%).

Está muito óbvio que nosso país precisa de uma urgente reforma federativa. A atual configuração só estimula a ineficiência e a criação de novos entes federativos deficitários. E quanto mais estados e municípios deficitários são criados, mais pressionados serão os superavitários por recursos para sustentar as novas estruturas de poder que surgem sempre que uma unidade é desmembrada. No final, o potencial de crescimento do país cai como um todo. Não por acaso, o Brasil, que está em plena fase de usufruir do seu bônus demográfico (período onde a proporção da população economicamente ativa está em seu auge), mal consegue crescer na média dos países ricos, cujas populações não mais crescem. O que acontecerá com nosso país quando a base da pirâmide etária for invertida? Quase nada se fala sobre isso, mas 2030 será o ano da virada.

Enquanto isso, já gastamos hoje com a previdência percentualmente o mesmo que os países ricos, uma das principais razões dos déficits europeus que levaram ao a crise atual. E, ao invés de promovermos reformas estruturais que amenizem tais distorções, criamos cada vez mais novas bombas-relógios. Em todos os setores da sociedade, desde a redemocratização, o esporte favorito do brasileiro é o que os economistas chamam de “rent-seeking”, o que na prática significa que grupos organizados específicos mobilizam-se para conseguir “benefícios” às custas do conjunto da sociedade. É este tipo de gasto fixo que aumenta progressivamente e que está asfixiando nosso potencial de crescimento, exatamente como previu Hayek no seu clássico O caminho da servidão. Em outras palavras, são gastos que não podem ser baixados facilmente, pois adquirem status de “direitos”, tornando uma tarefa suicida para políticos que queiram tocar na ferida.

Para quem quiser se aprofundar no tema, sugiro a pesquisa dos economistas Mansueto de Almeida e Samuel Pessoa. O que quero dizer com esta divagação é que algo muito parecido também está ocorrendo com os nossos estados e municípios, afinal a maioria dos políticos representantes dos estados pobres sempre prevalecerá sobre a minoria dos representantes dos estados ricos.

Mas voltando a lista de estados em crise divulgada pela Folha. Entre os que conseguiram terminar o ano no azul, apenas um estado governado por petista: a Bahia. Nos demais, quatro foram do PSDB (São Paulo, Minas Gerais, Pará e Roraima), dois do PMDB (Rondônia e Sergipe) e um do DEM (Rio Grande do Norte). No caso de Sergipe, o governador do PT faleceu em 2013, assumindo o vice do PMDB que governou no período mais difícil do governo Dilma.

Ou seja, com todas as falhas do PSDB (e não são poucas), ainda assim seus governos apresentam melhores resultados, sejam em estados que mais destinam recursos para a união, como São Paulo e Minas Gerais, ou em estados que mais recebem recursos da união, como o Pará e Roraima.

Mas como explicar o caso do Paraná, um governo reeleito com ampla maioria no primeiro turno e que até então só colecionava vitórias?

A explicação é simples. Beto Richa governou como o PT: mais de olho na próxima eleição do que no longo prazo. Foi um governo preocupado em atender todas as demandas do funcionalismo público (rent-seeking). Não por acaso, enfrentou apenas uma grande greve (dos professores), a qual foi finalizada em poucos dias, com todas as reivindicações atendidas.

Como sempre acontece, conceder aumentos e direitos trabalhistas em épocas de vacas gordas é muito fácil. O problema surge quando a economia entra em recessão e as receitas empacam (o PT que o diga). Daí para entrar numa espiral de déficits crescentes é um pulo. Foi nesta areia movediça que Beto Richa atolou, trazendo de volta às ruas de Curitiba as famigeradas bandeiras vermelhas da CUT, PT e MST.

O que o caso do Paraná nos ensina?

1) Que o PSDB foi contaminado pelo vírus populista do PT; 2) que o PSDB, apesar do rótulo de “direita” cunhado pelo PT, continua sim social democrata, o que no espectro ideológico equivale ao centro-esquerda (aliás, como já admitiu o próprio Lula ao revelar seu orgulho da eleição de 2006 disputada apenas por esquerdistas); 3) como já disse Roberto Campos, o Brasil está tão distante do liberalismo como o planeta Terra da constelação Ursa Maior!

Neste último ponto, está a explicação não apenas para o quadro generalizado de crise no Brasil, como também nossa conhecida tendência a voos de galinha. Com exceção do saudoso Roberto Campos, não existem políticos liberais no Brasil. Até que tivemos alguns bons candidatos a deputado nas últimas eleições, mas, infelizmente, nenhum foi eleito. Uma esperança surge com o Partido Novo, que se prepara para lançar seus primeiros candidatos nas próximas eleições. Até lá, vamos ter que continuar escolhendo entre os menos esquerdistas, uma vez que a direita não ideológica está quase toda aliciada pelo governo do PT.

Portanto, é na aliança perniciosa entre a esquerda e a direita oportunista não ideológica que vem sendo gestado nosso fracasso. Enquanto isso, os liberais continuam clamando no deserto, até que o Novo faça ecoar no Congresso algumas verdades que precisam ser ditas. Só espero que então já não seja tarde demais.



  • André Martins

    Como é feita a contabilização dos impostos pagos por empresas que atuam no Brasil todo mas tem sede em um estado específico? Os impostos decorrentes de uma atividade econômica desenvolvida em um estado podem ser recolhidos em outro estado? Isso afeta esse balanço entre os estados?

    • http://visaopanoramica.net/ Amilton Aquino

      Olá André, não conheço muito da torre de babel que é o regime tributário brasileiro, mas empresas de atuação nacional, como um banco com sede em SP, por exemplo, pagam impostos em cada unidade da federação onde suas agências são instaladas. Claro que uma indústria que não tem filial em outros estados se beneficia com um maior mercado, mas tem contra elas as dificuldades logísticas do Brasil que tornam competidores locais, mesmo que menores, mais competitivos. Além dos mais, os estados também cobram impostos por circulação de mercadorias, independente de onde eles venham. Abraço

  • Hugo Silva

    Amilton,

    Inicialmente, o texto pretende fazer uma defesa da aplicação do liberalismo no Brasil mostrando problemas que a ausência de liberalismo gera. Até aí tudo bem, já que o liberalismo é plenamente defensável e uma alternativa plausível, respeitando-se os limites constitucionais. E o problema está aí. Afinal, existe algo que os liberais parecem não entender e que é muito simples: por mais que queiram um Brasil mais liberal, a constituição da república de 1988 trouxe um modelo de Estado Social ao país, com princípios típicos de um Estado Providência. Logo, a não ser que queiram derrubar nossa república e convocar outra Assembleia Constituinte que vote uma Constituição mais liberal, o liberalismo sempre será um liberalismo pela metade no Brasil.

    Ignorando-se isso, o texto apresenta alguns problemas, na minha visão.

    1- Um dos primeiros argumentos do texto é que existem Estados que contribuem mais com o todo (com a União), do que recebem de volta. Isso está plenamente correto. O problema aparece porque o autor considera isso errado e, ao fazê-lo, ignora o que diz a Constituição. As transferências não são isonômicas porque o art. 3º, III, da Constituição estabelece como um dos objetivos da República “reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Para atingir esse objetivo, um dos mecanismos é a distribuição desigual do bolo: estados mais pobres devem receber mais. Assim, pode-se discutir porque alguns estados recebem tanto ou tão pouco (isto é, se são mais ou menos pobres que outros estados), mas não dá pra dizer que um governo está errado ao fazer o que a Constituição manda.

    2- Desse argumento falacioso, vc tira uma conclusão problemática: que esse sistema estimula a criação de entes federativos deficitários e ineficientes. Entretanto, olhando-se para a história, vemos que, desde 1988, NENHUM Estado-membro novo foi criado. É certo que existia uma criação absurda de novos municípios antes da EC 15/96, que utilizou um truque para impedir a criação de novos municípios no Brasil (logo, nenhum é criado desde 1996), mas isso apenas significa que precisamos de regras para a criação de entes federativos. Sendo assim, seu argumento perde completamente a força.

    3- A previdência é continuamente modificada no Brasil. Não dá pra dizer que não promovemos “reformas estruturais que amenizem tais distorções”. A última alteração na previdência dos servidores públicos federais, por exemplo, é de 2013 com a criação de fundos de previdência complementar e a regulamentação do teto (fim da aposentadoria integral). E eu diria que seu diagnóstico sobre o gasto com funcionalismo é equivocado. O problema não está nos aumentos concedidos. Por exemplo, um funcionário da justiça federal com curso superior recebe, atualmente, entre R$ 8.800,00 e R$ 13.300,00 – isso em renda bruta, quer dizer, sem contar os descontos de imposto de renda e previdência. Entretanto, encontramos alguns servidores recebendo o teto do serviço público. Por quê? Porque no passado, o governo errou cálculos, suprimiu direitos, violou a isonomia, etc. Basicamente, porque o governo injustamente cortou partes de seus vencimentos e eles ganharam na justiça aquilo a que tinham direito. Ou, de outro modo, o governo republicano tentou reduzir o salário dos servidores que herdou da ditadura, mas o judiciário considerou, corretamente, que eles tinham direito adquirido ao modo como a sua remuneração era feita.

    Assim, seu diagnóstico é incorreto. Os gastos com pessoal apresentam problema no salário de servidores antigos que possuem gratificações e outras parcelas incorporadas em seus salários. Além, é claro, nos agentes políticos (juízes, congressistas, membros do MP, etc) que, por uma excrescência, podem definir seu próprio salário. Parece-me que, nesses casos, precisamos é de regras republicanas, transparência e um severo controle.

    Abraços!

    • http://visaopanoramica.net/ Amilton Aquino

      Olá Hugo,

      Concordo com muita coisa que vc pontuou, portanto vou focar
      apenas no que discordo de uma forma bem objetiva, pois estou sem tempo agora.
      Uma coisa é a constituição dar uma direção. Outra é levar tal orientação a
      extremos. Convenhamos que um estado receber mais de 900% do que contribui é uma absurdo. Logo, não temos aqui um problema constitucional e sim um problema de interpretação da constituição. Sobre a questão da criação de novos estados, saliento apenas que embora até agora só o estado de Tocantins ter sido criado, existem pelo menos mais dois projetos de criação de novos estados, ambos com empenho total de políticos e não da população que normalmente resiste a tais desmembramentos.
      Portanto, se não há mais projetos destes é porque não são fáceis de serem tocados. Aliás, podem até desgastar o político. Se fosse mais fácil pode ter certeza de que haveria muitos outros, como pode ser constado com os municípios, onde a mobilização é facilitada. De qualquer forma, a questão que quero chamar aqui é para a viabilidade de tais estados e municípios. Uma coisa é um ente federativo ter déficits de 20% ou 30% durante alguns anos até evoluir para o equilíbrio. Outra, é passar décadas e décadas recebendo muito mais do que paga sem ao menos apontar para uma redução desta dependência. Quanto ao funcionalismo, em nenhum momento falei que eles são o maior gasto da união. A tese que citei como referência fala que os gastos sociais de um modo geral têm aumentado desde a redemocratização, motivo pelo qual temos hoje uma carga tributária européia para serviços africanos. Ora, se os gastos sociais aumentam os serviços não melhoram na mesma proporção, a conclusão óbvia é que tais recursos não estão sendo bem aplicados. E é esta a discussão que deve ser feita: a qualidade dos gastos públicos e, principalmente, a sustentabilidade de tais gastos levando em conta a breve inversão da pirâmide etária.

      Abraço!

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