Cruz mostrou sua força em um estado favorável. Sanders e Clinton ficaram tecnicamente empatados. O que esperar de New Hampshire?
Finalmente aconteceram os caucus de Iowa. Transcorreu com razoável tranquilidade a primeira votação no que promete ser uma longa campanha nas primárias, tanto do lado republicano quando do lado democrata. Mas o que significam os resultados de Iowa para as campanhas?
O caucus republicano em Iowa
Após a divulgação da última pesquisa do jornal Des Moines Register, que tem alto histórico de acerto, poucos duvidaram de uma vitória de Donald Trump, ou pelo menos uma disputa acirrada com Ted Cruz. Não foi o que aconteceu. Cruz liderou todo o processo e obteve vitórias mesmo em condados no norte do estado, onde sua posição contrária ao subsídio federal ao etanol de milho prometia gerar problemas. Os resultados finais estão aqui.
A derrota de Donald Trump, quase ultrapassado por Marco Rubio, gerou surpresa e permitiu um momento inusitado. Quem diria que o terceiro colocado faria um discurso de vitória?
Marco Rubio tem muito a comemorar saindo de Iowa. Tendo se posicionado como um candidato aceitável para o establishment republicano e o eleitorado mais conservador, seu desempenho nos dois primeiros estados precisava justificar que o partido passasse a apoiá-lo em vez de candidatos como Jeb Bush ou Chris Christie. Com 23% dos votos e quase ultrapassando Donald Trump, a primeira etapa do plano de Rubio foi cumprida com louvor.
Por outro lado, Trump não causou surpresa apenas ao perder a disputa, mas ao fazer um discurso rápido, sem atacar ninguém e parabenizando a todos, inclusive o vencedor Ted Cruz.
Todos esperavam algo menos contido. Esse discurso parece a prova de que Trump não está para brincadeira. Irá jogar o jogo até quando puder, e espera não cometer erros (como faltar ao debate ou depender de um apoio muito desorganizado) que o deixem em má situação para as primárias de New Hampshire. O problema vai ser lidar com esse fato inesperado: uma candidatura baseada na ideia de “vencer sempre” acabar perdendo sua primeira disputa.
Finalmente, o discurso do vencedor Ted Cruz:
Ted Cruz mostrou sua força em um estado favorável, por ter muitos eleitores evangélicos e conservadores nas hostes do Partido Republicano. Poderá reproduzir essa força? O estado de New Hampshire não lhe é muito propício (nele, os republicanos estão mais ao centro), mas Cruz está de olho na Carolina do Sul e nos estados que serão disputados no dia 1º de março, a maioria deles no Sul. Uma vitória em Iowa era essencial para esses planos. Consegui-la depois de múltiplos ataques de políticos tradicionais e do próprio governador de Iowa? Cruz está forte no jogo.
Após tudo isso, o que esperar da campanha para a nomeação republicana à Casa Branca?
Entre os eleitores republicanos, New Hampshire é um estado ideologicamente muito mais moderado na comparação com Iowa. E é por isso que muitos nomes escolheram desistir de Iowa e focar seus esforços nas primárias do “Granite State”. São eles John Kasich, Chris Christie e, em menor medida, Jeb Bush.
Os três estão acima dos 10 pontos na média das pesquisas, praticamente empatados com Cruz e Rubio – enquanto Trump está na liderança com mais ou menos 30 pontos. Todos acham que ainda têm chances de obter a nomeação se conseguirem sair de New Hampshire com uma vitória.
Isso não vai ser fácil. O motivo é que nem Cruz, nem Trump são aceitáveis para a maior parte da elite republicana. Uma vitória de Cruz agora em Iowa, seguida por uma vitória de Trump em New Hampshire, pode fazer a corrida se dividir entre os dois. E o único bem posicionado para mudar isso é Marco Rubio.
A próxima semana, até o dia 9, será decisiva. Cruz e Rubio emergem como vencedores. O primeiro precisa garantir que seu apoio não suma caso sofra mais ataques do establishment republicano. O segundo precisa mostrar que só ele pode bater Trump e Cruz, o que demanda um abandono de barco dos outros candidatos.
Enquanto isso, um fator de animação para os republicanos: 186 mil eleitores foram ao caucus do GOP, 50% a mais que o recorde anterior. Isso pode indicar maior entusiasmo da base republicana para a eleição geral: os democratas tiveram em torno de 170 mil presenças, num estado que normalmente tem muito mais participação democrata do que republicana.
Outros candidatos não tiveram boas noites. Ben Carson, com menos de 10% dos votos, não tem mais chances, mas parece que irá continuar por enquanto. Rand Paul, que não campanha por ter chances mas por divulgar o discurso da ala libertária do partido, conseguiu um belo quinto lugar. Carly Fiorina não mostrou muita força e deve começar a desaparecer até mesmo de estados mais favoráveis.
Os vencedores em Iowa nos anos anteriores não foram bem e ficaram com menos de 2% dos votos. Mike Huckabee venceu em 2008 e encerrou ontem sua campanha. Rick Santorum, vencedor em 2012, deve acompanhá-lo. O candidato Jim Gilmore, por sua vez, demonstrou toda sua nulidade, obtendo apenas 12 votos. Para comparação: Santorum, o pior desempenho fora Gilmore, obteve 1.783.
O caucus democrata em Iowa
Não foi uma noite animada apenas para os republicanos. Numa disputa que se desenhava apertada, mas com vantagem para Hillary Clinton, a única descrição possível foi “empate técnico”. Por exemplo, Hillary fez um discurso de vitória quando o resultado ainda não parecia definido suficientemente.
Bernie Sanders falou depois, usando a expressão “virtual tie” (empate técnico é a melhor tradução) e agradecendo a todos.
No final, os resultados reais ainda não são verdadeiramente conhecidos. O sistema republicano era simples: reuniões, voto secreto por cédula, contagem em cada local. O sistema democrata não: candidatos com menos de 15% num local de votação não são “viáveis”, então seus apoiadores precisam migrar; o voto é público, não secreto; não há contagem oficial de votos, apenas de delegados; não há certeza até agora sobre quantos delegados estaduais cada um obteve. É um sistema maluco. Enquanto isso, Martin O’Malley desistiu após resultados decepcionantes, deixando apenas Sanders e Clinton contando seus delegados.
Dentro dessas limitações, o número exato pouco importa. Sanders e Clinton irão dividir os delegados quase igualmente. Clinton sofreria dano à reputação se perdesse novamente em Iowa, mas não algo que pudesse questionar seriamente seu favoritismo. Deve perder em New Hampshire, mas depois as disputas sulistas (onde o eleitorado negro deve lhe dar vantagem enorme) colocarão as coisas nos trilhos novamente.
Por outro lado, Sanders tem tudo o que comemorar. Sua campanha é um sucesso por qualquer ângulo que se olhe. Iowa é um estado favorável, mas enfrentar a máquina eleitoral de Clinton não é tarefa para qualquer um. Obter um empate, quase 50% dos votos, com um discurso visto como radical não é para poucos. E obter milhões de pequenas contribuições, que o fazem arrecadar tanto ou mais do que Hillary, é impressionante.
Bernie Sanders mudou a conversa no Partido Democrata e influenciou o rumo da campanha. Hillary está precisando se esforçar e fazer propostas mais à esquerda. Algo similar está acontecendo no campo republicano com a insurgência de Trump e Cruz. Se as campanhas das primárias se arrastarem por tempo demais, não vai ser fácil para ninguém voltar ao centro para ganhar os eleitores independentes sem alienar suas próprias bases.
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do The 58th Presidency