Um conservadorismo exausto após W. Bush se voltou para a busca pelo originalismo americano.
O governo George W. Bush e os neoconservadores
Filho do ex-presidente George H. W. Bush e ex-governador do Texas nos anos 90, George W. Bush venceu o democrata Al Gore na polêmica disputa presidencial de 2000. Antes, Bush teve que derrotar o senador do Arizona John McCain e o ex-embaixador Allan Keyes, nas primárias republicanas. Keyes representava alguns pontos do conservadorismo da década de 1920 e 30, como corte de todos os impostos e manutenção de poucas taxas, pouco Estado na economia, negação do laicismo e revitalização do cristianismo como fundador da nação. McCain tinha uma plataforma moderada, apelando ao pragmatismo.
Um dos conceitos utilizados por Bush na sua campanha contra Al Gore foi o de “compassionate conservatism”. O termo foi criado pelo jornalista Doug Wead na década de 1980, representando um conservadorismo mais paternalista, adotando políticas econômicas de bem-estar. Para Wead, a compaixão deveria guiar os políticos conservadores, e não a riqueza. Os políticos deveriam resolver problemas cruciais como saúde e imigração a partir da cooperação com empresas privadas e instituições de caridade e religiosas.
Para Bush, ser um conservador compassivo significa incentivar a prestação de serviços sem o Estado precisar fornecê-lo. Um dos assessores econômicos do presidente era John B. Taylor, um economista conhecido por unir a escola monetária com uma releitura do keynesianismo. O ex-governador do Texas se colocava na disputa então como um moderado em economia e conservador socialmente.
O conservadorismo americano, por ser pragmático e humanista (e não realista metafísico), sempre se caracterizou pela defesa do protagonismo da sociedade civil, das origens revolucionárias do país, pela constituição, pelo senso nacional. O compassionate conservatism é mais uma resposta retórica a ascendência de uma direita populista, libertária e anti-imigração.
No início do governo, Bush cortou impostos e fez uma reforma fiscal. No entanto, ele era um adepto do protecionismo. Sempre que perguntando, respondia que livre mercado sim, desde que o comércio fosse justo. O presidente aumentou as tarifas sobre importação do aço para proteger a produção americana, principalmente em estados-chaves para sua reeleição em 2004. Para ele, não era papel do Estado se meter no setor privado ou prestar serviços, mas era papel dele assegurar empregos, comércio justo e a boa prestação de serviços das empresas.
O que irá marcar de fato o governo Bush é o atentado às torres gêmeas no 11 de setembro de 2001 e a resposta a isto com duas guerras. Após o impacto do atentado, o presidente anunciou estratégias na “guerra ao terror” que envolvia inteligência político-diplomática, econômica e militar. O primeiro foi a invasão ao Afeganistão com tropas terrestres, que contava também com a participação britânica, francesa e canadense, com o objetivo de derrubar o governo talibã por dar abrigo à Al-Qaeda de Bin Laden. Em 2003, uma coalizão liderada pelos Estados Unidos invadiu o Iraque para depor o regime de Saddam Hussein. A invasão foi justificada através da alegação de que o governo do Iraque possuía armas de destruição em massa. O próprio presidente Bush admitiu depois que esta informação nunca passou de um equívoco.
A política externa do governo Bush e a própria maneira de enxergar o papel do Estado foi extremamente influenciada pelos chamados “neocons”, ou “neoconservadores”. O termo foi criado em 1973 pelo socialista Michael Harrington para definir alguns intelectuais até então ligados aos democratas, que apoiavam a guerra do Vietnã e criticavam certos aspectos do “modern liberalism” americano, como Daniel Bell, Daniel Patrick Moynihan e Irving Kristol. O termo se explica por supostamente ser uma nova forma de conservadorismo e por seus principais expoentes terem migrado do trotskismo para o centro.
Muitos dos primeiros neocons costumavam escrever para a revista Commentary de Norman Podhoretz. Eles tinham raízes na esquerda trotskista e à medida que sua hostilidade e divergência com a new left foi aumentando, deslocavam-se politicamente. Em 1972, McGovern ganhou as primárias democratas tendo como bandeira o antibelicismo e sendo contra a guerra do Vietnã. Os neocons até então eram socialistas que apoiavam o senador Henry M. Jackson para a indicação democrata. Jackson era anti-comunista, defendia direitos civis ampliados e era favorável ao aumento de gastos militares. A vitória de McGovern e o antissemitismo da esquerda durante a Guerra dos Seis Dias afastaram-nos do partido. O rótulo de neoconservador foi, pela primeira vez, assumido por Irving Kristol num artigo em 1979. Para ele, o neoconservador era um “liberal assaltado pela realidade”, após ver o fracasso das políticas liberais dos democratas. Ele defende a herança liberal clássica (e não moderna) e reformas sociais.
Assim, a primeira geração de neocons era de liberais socialdemocratas e anti-comunistas decepcionados com o partido democrata (alguns o definiam como paleoliberais) que, a partir dos anos 80 e da administração Reagan, passam para o campo conservador na promessa presidencial de enfrentar o expansionismo soviético. Eles eram liberais na tradição de Truman, JFK e Henry Jackson.
A tradição neocon se constitui então de liberalismo clássico e enfoque nas questões seculares. Eles defendem uma política externa agressiva como promoção da democracia liberal, inspirando-se em grande parte no idealismo do democrata Wilson de “tornar o mundo seguro para democracia”. A força militar deveria ser utilizada para garantir os interesses americanos, tornar o mundo mais seguro para democracia e promover os valores democráticos. A sua ligação com o conservadorismo encontra-se na defesa da inspiração originária do país e na importância da defesa desta na ênfase à política externa. De origem judaica, os neocons se mantêm numa esfera secular e política diferente do conservadorismo social americano.
Após a queda da URSS, o grupo perdeu influência, mas voltou à órbita política após os ataques terroristas de 2001. Os novos neocons tinham influência de Leo Strauss e do seu constitucionalismo liberal. Os principais nomes eram William Kristol, editor da Weekly Standard; o estrategista militar Paul Wolfowitz; John Podhoretz, editor da Commentary; e o historiador militar Max Boot.
A política externa de George W. Bush após o 11 de setembro ficou conhecida como Doutrina Bush. Na época, a administração Bush tinha proeminentes neoconservadores como, Paul Wolfowitz, Elliott Adams, Richard Perle, Robert Kagan, John Bolton e Paul Bremer. Muitos dos altos funcionários da administração, como o vice-presidente Dick Cheney, o secretário de defesa Donald Rumsfeld e a secretária de Estado Condoleezza Rice eram influenciados por estes intelectuais.
A Doutrina Bush foi desenhada como resposta aos atentados terroristas, em especial por Donald Rumsfeld e endossada pelo pensamento neocon. Ela constituía-se de dois braços, um externo e outro interno. Externamente, objetivava ser uma resposta rápida, eficiente e agressiva de demonstração da potência americana, declarava “guerra ao terror” e propunha a hegemonia da democracia liberal. O historiador Niall Ferguson, em seu livro Colosso, cita no prefácio um conversa de Ron Suskind com um “alto assessor” do governo Bush, que demonstra bem a beligerância, o triunfalismo e a ideia revolucionária de criar a realidade:
(…) ele continuou. “Nós somos um império agora, e, quando agimos, criamos a nossa própria realidade. E enquanto você está estudando essa realidade – tão judiciosamente quanto queira – nós vamos agir de novo, criando outras novas realidades, que você também pode estudar, e é assim que as coisas vão ser. Somos atores da história… e a vocês, a todos vocês, caberá apenas estudar o que fazemos.
Internamente, a doutrina almejava a modernização das forças armadas, o uso de métodos mais agressivos de interrogatório e o Patriot Act. O Patriot Act é uma lei do Congresso assinada por George W. Bush em 26 de outubro de 2001. Depois dos atentados terroristas, a preocupação da sociedade com novos atentados levou à criação de uma lei que permitia ao Estado uma série de controles visando o aumento da segurança. Entre outras medidas, permite que órgãos de segurança e inteligência interceptem – sem autorização judicial – ligações telefônicas e emails de pessoas suspeitas de envolvimento com o terrorismo. Em 2011, Obama estendeu a validade dessa lei.
Com o passar dos anos e sem novos ataques terroristas, o 11 de setembro foi ficando na memória e o nível de preocupação da sociedade com a segurança diminuiu. O que antes fazia todo sentido, como a perda de liberdades e participação na guerra, só era motivos de críticas agora. Medidas amargas são apoiadas em situações-limite que depois são esquecidas, e fica apenas o desgaste dessas medidas.
O governo Bush que começou com grande aprovação, terminou com baixíssimos índices de apoio popular. Contribuiu para isto a crise de 2008 e as medidas que o governo foi obrigado a tomar para preservar o sistema financeiro, utilizando dinheiro público. As guerras drenaram os recursos do país. O governo cortou impostos, mas foi obrigado a aumentar substancialmente os gastos militares. No geral, os gastos do governo aumentaram em 60%, de US$ 1,789 trilhões para US$ 2,983 trilhões. O governo aumentou suas despesas em segurança interna, defesa, medicare e seguridade social. Em oposição, o imposto de renda aumentou e o sobre receitas das empresas também. O governo Bush foi o que mais aumentou suas despesas desde Lyndon B. Johnson, quando o presidente resolveu levar o país à Guerra do Vietnã.
O vencedor das prévias de 2008 foi John McCain que, apesar de ser um defensor do pragmatismo na política externa, tinha entre seus assessores vários neoconservadores, como Max Boot, Robert Kagan e Randy Scheunemann. Obama venceu prometendo derrotar as políticas de Bush para o Iraque, mas manteve o secretário de Defesa de Bush, Robert Gates, e David Petraeus, o general responsável pelo Iraque.
O insucesso do governo Bush, os altos custos com a guerra, a crise econômica, a usurpação neocon do conservadorismo clássico e a derrota de McCain irritaram ainda mais a base republicana, que começara a se voltar contra o establishment do partido.
Durante os anos 1990, o libertário Pat Buchanan disputou as primárias relembrando o conservadorismo dos anos 1920 e 1930 contra o novo militarismo do GOP. Buchanann era crítico da imigração e da formação do NAFTA (pelo globalismo não respeitar as tradições locais), defendeu a volta da religião à esfera pública, o isolacionismo na política externa e um liberalismo clássico na economia, com poucos impostos e taxações. Para Buchanan, os Estados Unidos deveriam guiar o mundo pelo exemplo e não pela força militar, já que esta apenas aumentaria a hostilidade dos outros povos. Buchanan foi derrotado e depois se lançou como candidato em 2000 pelo Partido da Reforma. Mais tarde, fundou a revista The American Conservative.
No início do século, surge como resposta aos neocons, o “paleoconservatism”. Na verdade, ele era uma defesa de pontos clássicos do conservadorismo americano obnubilados pelos falcões da era Bush. Estes conservadores enfatizam que os neocons, ao combinarem militarismo com o idealismo de Wilson, são os responsáveis pelo desastre da era Bush e por este ter se afastado do campo conservador. Eles ressaltam a tradição, o governo limitado, a sociedade civil atuante a partir da religião, o liberalismo econômico contra as políticas paternalistas do estado de bem-estar, a identidade nacional e uma política externa com pouco intervencionismo, mais próxima do antigo isolacionismo. Eles também atuam contra a imigração legal, o relativismo e o multiculturalismo.
Desde a época do New Deal, o conservadorismo americano se caracterizava pelo apoio ao liberalismo econômico clássico; já os neocons eram favoráveis a algumas políticas do estado de bem-estar. Eles são criticados também por usarem a democracia e a liberdade como uma utopia revolucionária com fins beligerantes. Os paleoconservadores colocam, no final do governo Bush, novamente em circulação as críticas ao imperialismo norte-americano e ao intervencionismo, a importância do conservadorismo social, a proteção dos valores locais, a desconfiança com a imigração, o isolacionismo, o liberalismo econômico clássico. É nesse contexto que, em 2009, nasce o Tea Party.
Tea Party
A nova festa do chá emerge depois de décadas de irritação crescente da base conservadora com os seus representantes. Desde a candidatura independente de Ross Perot em 1992 e 1996 e o surgimento de Pat Buchanan nas primárias, ascendeu uma direita constitucionalista, defensora do originalismo americano, que clamava contra o excesso de imigrantes no país e contra qualquer intervenção do Estado na economia.
Bush sai do poder em meio a uma grave crise financeira, onde o povo ressente-se de pagar a conta de Wall Street. Os conservadores à moda antiga estavam aviltados com as novas tendências do partido. Eles propuseram uma releitura de uma política externa contida contra o militarismo neocon, viam com extrema desconfiança todas as reformas de imigração durante as últimas décadas, e defendiam uma série de medidas econômicas radicais contra taxações, regulamentações e interferência estatal.
Muitos conservadores americanos estavam irritados com o estilo de campanha de McCain em 2008, e alguns deles tinham apoiado o libertário Ron Paul ou o ex-governador de Arkansas Mike Huckabee nas primárias. Havia um clima de extensa animosidade contra o establishment político e econômico e de como o Estado estava intervindo após a crise de 2008.
As operações de bailout de instituições financeiras entre o final do governo Bush e o começo do governo Obama será o estopim para criação do movimento. Em 24 de janeiro de 2009, Trevor Leach, então presidente da Young Americans for Liberty no estado de Nova Iorque, convocou um protesto contra as políticas intervencionistas e gastadoras do governador David Paterson. Intitulado de nova “festa do chá”, o movimento rememorava os primórdios da revolução americana, quando os colonos se rebelaram contra o monopólio da Companhia das Índias Orientas. Contra o monopólio e contra as taxações que consideravam abusivas, os colonos atiraram todo carregamento de chá nas águas. No protesto em Nova Iorque, muitos usavam roupas típicas da época para simbolizar uma nova revolta americana contra os impostos de um governo tirânico.
Nos primeiros meses de governo, Obama criou um pacote de medidas para recuperar a economia e estimular o crescimento. Em 18 de fevereiro de 2009, logo após o presidente anunciar um plano para ajudar no refinanciamento da hipoteca, o ex-editor da CNBC, Rick Santelli, fez duras críticas à proposta durante um programa da Chicago Mercantile Exchange, por promover o mau comportamento econômico de assumir hipotecas de alto risco, e conclamou o povo de Chicago para protestar num novo “Chicago Tea Party”. O discurso de Santelli virou um viral no país através da sua divulgação no Drudge Report.
Horas depois da fala de Santelli, já se coordenava protestos nacionais contra as políticas do governo Obama para o dia 27 de fevereiro (Nationwide Chicago Tea Party) e para o Dia da Independência. Durante os protestos, víamos cartazes como: “we the people” e “don’t tax me, bro”. Os protestos se sucederam durante algum tempo, mas foram perdendo força nas ruas, ao mesmo tempo em que ganharam força institucional dentro do GOP. Alguns políticos participaram (como a vice de McCain, Sarah Palin) e emergiriam do movimento.
A pauta do Tea Party é heterogênea. O que dava unidade ao movimento era a busca pelo originalismo americano, significando a defesa estrita da constituição, a valorização da sociedade civil e a desconfiança dos burocratas de Washington; e a defesa de uma política fiscal mímica, com pouca intervenção do governo. Havia a sensação de que o governo gastava demais, taxava demais e tinha tirado a liberdade do povo americano. Além da irritação com a imigração e a descaracterização da América e a descrença numa ordem mundial liberal de tipo americana.
Portanto, a diversidade do movimento parte da ênfase dada a três dessas suas características: o conservadorismo social, o libertarianismo econômico e o nacionalismo populista. Os conservadores sociais enfatizavam suas bandeiras na luta contra o aborto e o casamento gay, e davam a devida importância às lições dos founding fathers de que a Constituição só serviria para um povo cristão. Os defensores de uma política fiscal conservadora enfocavam temas econômicos e o abuso do governo nessa área, opondo-se à importância das outras pautas por serem mais difusas (alguns eram favoráveis à liberalização da maconha, por exemplo). Enfim, o último grupo enfatizava a identidade nacional americana e a sua descaracterização com os imigrantes. Para estes, não poderia haver respeito às origens da nação sem que os estrangeiros legais fossem obrigados a se adaptar e os ilegais deportados.
Na política externa, muitos políticos e militantes ligados ao Tea Party foram contra uma intervenção na Síria e fizeram uma reavaliação positiva do isolacionismo da década de 1920 e 1930.
Nos últimos anos, ocorreu um duplo movimento com o Tea Party. Ao mesmo tempo em que tornou-se mais fraco nos estados e perdeu sua capacidade de mobilização, as suas bandeiras foram atendidas e incorporadas em diferentes intensidades por todo partido republicano. Ser contra o aborto ou contra a dissolução da família é consenso. Mais do que isso, sua linguagem, seu destaque a sociedade civil e a fundação da nação, foram reincorporados à gramática política, que antes se interessava demais por militarismo. Em síntese, o establishment tornou-se um pouco Tea Party.
No post de amanhã, falarei do GOP em 2016.
Elton Flaubert
Doutorando em história das ideias (UnB). Estuda a fundação da ONU.