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Republicanos e Democratas: uma breve história

por Elton Flaubert (10/02/2016)

A vitória de Ronald Reagan marcou a mudança de base social entre os dois partidos.

1.

A melhor maneira de compreender os partidos Republicano e Democrata não é através de doutrinas ou ideologias, mas a partir da leitura do tecido histórico de ambos que, em sua hermenêutica, revela muito do povo americano, das disputas na construção da nação, de sua vida social e cultural e mesmo da modernidade política. No Brasil, ambos são geralmente retratados por aparências e estereótipos que escondem as especificidades da vida política dos Estados Unidos.

O primeiro presidente americano foi George Washington, eleito em 1789 por unanimidade pelo colégio eleitoral. Washington não era adepto de partidos e sempre evitou o espírito de facção no interior de seu governo, preocupando-se em conduzir a jovem nação num contexto de transição onde suas instituições ainda eram embrionárias. O seu grande desafio foi lidar com os anos anárquicos do pós-guerra e a realidade lhe impunha três temas: um sistema de cobrança de impostos, a dívida deixada pela guerra e a manutenção de uma defesa nacional.

Os assessores mais próximos de Washington divergiam em torno desses temas. Alexander Hamilton foi o primeiro secretário do tesouro e o principal responsável pela montagem da estrutura econômica do novo governo. Ele se inspirava mais em Jean-Baptiste Colbert e em medidas protecionistas do que nos adeptos do livre-mercado. Hamilton arquitetou a criação de um banco nacional e de uma casa da moeda e incentivou o uso do crédito público para industrializar a nação. Para implantar suas políticas, Hamilton propôs que o governo federal assumisse as dívidas que os estados adquiriram com a guerra de independência em troca de um sistema de impostos e de um banco nacional para estes fins.

As ideias de Hamilton foram fortemente combatidas por outros homens do governo de Washington, como Thomas Jefferson e James Madison. Enquanto Hamilton era protecionista, industrialista e defendia a formação de um governo central coerente, Jefferson e Madison defendiam que o governo central não podia limitar a autonomia dos estados e os agricultores não deveriam ser penalizados com a criação arbitrária de taxas.

Diante dessa polarização, se forma uma coalização nacional de banqueiros, empresários e políticos em torno das ideias de Hamilton, fundando-se o Partido Federalista. Os federalistas defendiam um governo central bem estruturado, industrialista, preocupado em organizar as finanças e que defendia ainda boas relações com a Grã-Bretanha e a condenação dos revolucionários franceses. Em contraposição, Jefferson e Madison formaram o Partido Republicano, que depois se chamaria Partido Democrata-Republicano, mas que será conhecido popularmente como “os republicanos”. Ele nascia sendo favorável à autonomia dos estados, à interpretação estrita da constituição, ao homem agrário, e preferindo a França à Grã-Bretanha.

2.

A eleição de 1796 foi à primeira com a presença de facções nos Estados Unidos. John Adams, vice-presidente dos Estados Unidos, representava as ideias federalistas e o seu adversário, Thomas Jefferson, era contrário a estas. Adams venceu no norte e perdeu no sul, mas os estados do meio lhe deram a vitória.

Adams foi o primeiro e único presidente federalista. O seu governo foi atribulado, marcado por críticas dos democratas-republicanos e por setores dos federalistas comandados por Hamilton. A sua popularidade caiu devido ao episódio da “quase-guerra” com a França. Os federalistas eram hostis à França pós-revolucionária e pediram declaração de guerra quando os franceses capturaram quase três centenas de navios americanos em portos no Atlântico, Mediterrâneo e Caribe. Adams optou pela diplomacia, que fracassou por dois anos devido a pedidos de subornos dos franceses. Os democrata-republicanos, mais favoráveis aos franceses, acusavam o presidente de inépcia.

Aproveitando-se de um governo desgastado, Thomas Jefferson venceu Adams em 1800 e inaugurou a hegemonia dos democratas-republicanos. O partido chegava ao poder depois de criar uma rede de pressões. Centenas de jornais foram fundados em todo país para criticar os federalistas e propagar ideias na sociedade civil. Favoráveis aos franceses, alguns os apelidavam de jacobinos. Os democratas-republicanos acusavam os federalistas de construir um governo central forte igual ao da tirania do rei inglês da época de independência. Como os federalistas eram favoráveis aos ingleses, logo essa ideia se firmou no imaginário popular e levou o partido à ruína.

Thomas Jefferson assumiu prometendo a liberdade que havia fundado a nação, preservando a ordem sem que essa interferisse na vida particular dos cidadãos. Todavia, o que lhe garantiu uma fácil reeleição foram as redes do partido que deixavam setores da sociedade civil sempre politizadas e ativas na vida pública. Em 1808, Jefferson fez o sucessor, James Madison, em mais uma eleição fácil contra os federalistas.

Em 1812, explodiu a Guerra Anglo-Americana entre os Estados Unidos e o Reino Unido e suas colônias, como Quebec e Ontário. A origem da guerra deve-se a uma série de acordos comerciais entre franceses e americanos que prejudicavam os interesses britânicos. A guerra fez crescer o patriotismo americano e enterrou definitivamente as chances federalistas por sua simpatia com os britânicos. Rufus King, o candidato federalista em 1812, obteve apenas 2% dos votos gerais. O principal adversário de Madison para sua reeleição veio do seu próprio partido, DeWitt Clinton, ex-prefeito de Nova Iorque. Madison venceu por pequena margem.

No segundo governo Madison, o patriotismo pós-guerra levou a adoção de medidas protecionistas contra produtos estrangeiros e ao início de isolamento do país dos confrontos internacionais. Os americanos voltavam-se para dentro de si, para a concretização dos desejos de origem, da terra prometida, sempre em busca do oeste e do sonho de se livrar de vez do passado europeu.

3.

Após Madison, tivemos mais dois presidentes democrata-republicano: James Monroe e John Quincy Adams. Em 1824, só havia o Partido Democrata-Republicano e uma grande confusão no sistema eleitoral. Sem um inimigo em comum, as hostilidades cresceram dentro do partido.

Quatro candidatos disputaram o voto popular pelo mesmo partido. Henry Clay representava as reformas nacionalistas e protecionistas da era Monroe, William Crawford os velhos republicanos ao estilo Jefferson, Andrew Jackson alinhava-se mais aos setores populares e agrários com certo tom jacobino, enquanto John Quincy Adams foi o mentor da “Doutrina Monroe” e um defensor de reformas que levasse ao fim da escravidão. Andrew Jackson obteve mais votos, mas não conseguiu a maioria simples no colégio eleitoral. Por isto, a decisão passou para Câmara dos Representantes. Clay, que tinha grande influência, apoiou Adams (segundo colocado na eleição) e garantiu a vitória deste. Logo depois, Clay foi nomeado secretário de Estado.

Adams realizou um governo conturbando com muitas discussões internas a respeito do protecionismo e do expansionismo. Além disso, as disputas internas eram fortes no partido. Revoltados com a derrota de Jackson, os seus partidários criaram uma facção dentro do Partido Democrata-Republicano. Em 1828, esta facção transformou-se no Partido Democrata. Por sua vez, Adams e seus partidários tiveram que fundar o Partido Nacional Republicano. Na eleição daquele mesmo ano, Jackson derrota Adams, dando início a “democracia jacksoniana”.

Andrew Jackson venceu a eleição graças aos estados do sul, aos trabalhadores e aos fazendeiros do oeste. Ele era o primeiro presidente que não vinha do seio das elites americanas, era um ex-comandante das forças armadas que tinha se tornado popular por suas vitórias, gestos e demagogia. Jackson não era uma figura polida, de bons modos ou com grande retórica, por isto alguns opositores lhe chamavam jocosamente de burro, símbolo que foi incorporado pelo próprio e se tornou representante do partido democrata.

Na sua posse, Jackson convidou o público para assistir o baile na Casa Branca. Ele prometeu imediatamente um governo dos “homens comuns” contra os “homens ricos”. A “democracia jacksoniana” inaugura um predomínio da coalizão de agricultores e classe trabalhadora, e o do sonho americano de ir sempre mais ao oeste. Os democratas representavam o compromisso com a sociedade agrária, com o governo dos homens fortes nos estados, com a demagogia de tudo pelo povo, com o nacionalismo contrário aos imigrantes.

Jackson foi um presidente ativo, que usou o direito de veto mais do que todos os antecessores juntos. O seu público cativava uma imagem forte do presidente, tido como um homem de imensa bravura e coragem, o “Old Hickory” (a velha nogueira). Uma das principais políticas dos democratas era facilitar a aquisição de novas terras para os fazendeiros, com a remoção indígena e a aquisição de territórios. Foi um período que cristalizou milhares de fantasias no imaginário americano.

Diante da vitória dos democratas e implosão dos antigos republicanos, os opositores de Jackson se aglutinaram em torno de um novo partido. O Whig foi fundado por Henry Clay, inspirando-se no partido sinônimo inglês que reunia as tendências liberais contrárias aos conservadores britânicos, para se opor as políticas dos democratas. Ele defendia a supremacia do Congresso sobre o poder do presidente, as políticas modernizadoras e industrialistas, o protecionismo econômico, uma interpretação restrita da constituição, o fortalecimento das instituições contra a tirania da maioria. O Whig representava os liberais do norte, a burguesia financeira e comercial. Em três décadas, venceu apenas duas eleições presidenciais.

O Whig fracassou em meados da década de 1850 diante dos insucessos eleitorais e da briga de facções por causa da escravidão, mas os seus pontos discordantes e sua base permanecera para a fundação de um novo Partido Republicano. Os novos republicanos se inspiravam nos valores do antigo, do primeiro grande partido americano enraizado na sociedade, por isto o seu apelido é “Grand Old Party” (GOP).

O Partido Republicano foi fundado em 1854 pelos que se opunham à expansão do trabalho escravo, como Abraham Lincoln. Logo, ele atraiu dissidentes do Whig e de alguns democratas do norte. O partido conseguiu apoio na classe trabalhadora do norte e do oeste, por estas serem temerosas de competirem com o trabalho escravo. O seu símbolo oficial era o elefante, que já tinha sido associado aos antigos republicanos.

4.

Eis a formação originária de republicanos e democratas. Em termos gerais, os republicanos representavam o liberalismo do norte, a burguesia financeira e comercial, as grandes cidades, o respeito à constituição, da defesa do Congresso como elemento que garantiria o governo misto e impediria a demagogia e a tirania dos mais fortes. Os democratas representavam as grandes massas, a expansão, os agricultores do sul, o governo forte nos estados e estes autônomos diante dos burocratas do governo central, os valores do nacionalismo.

Os republicanos perderam a eleição de 1856 para o democrata James Buchanan, mas em 1860 venceram com Lincoln tendo a abolição como principal proposta. A sua eleição desencadeou a secessão de estados do sul americano. Os sulistas alegavam que os estados tinham direitos acima do governo federal e que este não tinha legitimidade para abolir a escravidão em todo território. Alegando que os Estados Unidos eram apenas uma confederação de estados independentes, a Carolina do Sul resolveu sair da união, sendo seguida por Alabama, Flórida, Geórgia, Louisiana, Mississipi, que logo formaram os “Estados Confederados da América”. Depois, Texas, Arkansas, Carolina do Norte, Tennessee e Virgínia também aderiram à nova confederação.

A secessão levou à guerra civil e à vitória do norte em 1864. O presidente democrata Andrew Johnson tentou vetar o Ato de Direitos Civis de 1866 que garantia direitos aos negros, mas seu veto foi anulado no Congresso. Por pouco, Johnson não sofreu impeachment. A reconstrução do país foi paulatina e acompanhada de muito ressentimento. Muitos estados que tinham sido confederados e eram governados pelos democratas aprovaram leis de segregação racial. Em 1866, foi fundada a Ku Klux Klan, com o objetivo de impedir a integração social dos negros. Os democratas do sul aproveitavam o clima de hostilidade e associavam seus adversários aos negros.

Colhendo os louros de ter sido responsável pela abolição, praticamente só republicanos venceram as eleições entre 1869 e 1912. No poder, os republicanos colocaram em prática muitas medidas econômicas preconizadas pelos Whigs do protecionista Henry Clay, relembrando o próprio Alexander Hamilton com programas de modernização, bancos nacionais, construção de ferrovias e aumento de tarifas.

A exceção do triunfo republicano foram duas vitórias de Grover Cleveland. Ex-prefeito de Buffalo e ex-governador de Nova Iorque, Cleveland estava associado aos democratas do norte favoráveis a abolição. O seu governo fez reformas fiscais e associou-se a princípios do liberalismo clássico, tendo o apoio por vezes da ala reformista dos republicanos. Todavia, a depressão econômica de 1893 fez crescer o desemprego e a inflação e arruinou o Partido Democrata nas eleições de midterm.

Durante as quatro últimas décadas do século, a base social dos partidos manteve-se de maneira quase intocável. Os republicanos apoiavam-se nos estados do norte, nos empresários, profissionais liberais, nos agricultores de grande produção, dos escravos libertos no sul. Os democratas tinham os sulistas brancos (nem sempre racistas), a classe trabalhista, empresários do norte, donos de pequena propriedade e imigrantes católicos (em especial, irlandeses e alemãos). Entretanto, os partidos começariam mais um processo de mutação a partir do que se chamou de “era progressiva”.

A “era progressiva” foi um período de intenso encanto com as consequências da segunda revolução industrial, com a modernização, com as reformas sociais e políticas. O americano olhava para o futuro e via a realização dos seus sonhos profetizados na independência. A vitória na primeira guerra mundial fortaleceu a crença americana de estarem na terra abençoada.

Os chamados progressistas queriam fazer reformas políticas para afastar a corrupção e inserir as mulheres no sufrágio, regular monopólios, aprovar leis antitrustes e incentivar o uso da ciência para tornar a produção mais eficiente. Eles eram modernizadores que acreditavam no poder da ciência e dos modelos racionais e representavam o triunfo do modelo urbano-industrial sobre o agrário.

Os três primeiros presidentes da era progressiva, entre o final do século XIX e começo do século XX, foram republicanos: McKinney, Teddy Roosevelt e William Taft. Roosevelt dizia que o governo tinha o dever de ser o árbitro entre capital e trabalho, garantindo a justiça para toda sociedade. Leis trabalhistas, como aumento da idade mínima de trabalho e diminuição da carga horária, foram aprovadas para melhorar as condições de trabalho e reforçar o mercado consumidor.

5.

A transição de uma sociedade agrária para uma urbana-industrial modificou internamente os partidos. O país é filho de uma revolução e os seus moradores veem com bons olhos a modernização econômica e a modernidade política e cultural. Até a passagem para o século XX não havia qualquer traço de conservadorismo na gramática política. É no rescaldo da segunda revolução industrial e das transformações culturais que atravessa o país, que começa a se desenvolver um pensamento político conservador de tipo americano.

Os Estados Unidos nascem de uma transgressão política em busca da autonomia. Com a segunda revolução industrial, o tempo se torna vertigem e brota um sentimento de que os valores originários foram abandonados. O conservadorismo americano nasce buscando as origens revolucionárias do país, defendendo uma leitura estrita da constituição, que garantiria o encontro entre as antigas e novas gerações. Ele não é metafísico ou nostalgia do Antigo Regime, mas defesa dos valores que criaram a nação e se perdiam na vertigem urbana das grandes cidades e nos chãos da fábrica. Ele brota mais forte na sociedade civil nessa passagem de séculos, mas só terá mais força política a partir da década de 1950 e se cristalizará a partir do governo Reagan.

Tanto democratas quanto republicanos são filhos de um mesmo partido conhecido por sua vocação jacobina e ambos ressoavam em diferentes aspectos a defesa de valores da modernidade política. Após a guerra de secessão, os democratas tiveram dificuldades para voltar ao poder e manter a coerência partidária. Havia duas alas: a dos “Bourbon Democrats”, que vinha do norte e defendia o liberalismo econômico em contraposição ao protecionismo republicano; e a ala agrária, que era composta por fazendeiros do sul e do oeste, herdeiros da “democracia jacksoniana” que sustentavam leis segregacionistas.

O único democrata a chegar ao poder nesse período foi Grover Cleveland, que pertencia a ala dos “Bourbon”. A sua estratégia foi denunciar a corrupção na administração pública e defender o liberalismo econômico. No entanto, a depressão econômica de 1893 durante seu governo arruinou a força da sua ala entre os democratas, que se enfraqueceram no congresso e mantiveram suas trincheiras no sul populista. Os insucessos eleitorais subsequentes de William Byran, político de Nebraska, que defendia uma democracia popular, fortaleceu a ala progressista que vinha do norte, principalmente de Nova Iorque.

A depressão de 1893, o fracasso da base partidária do sul em vencer eleições presidenciais, o declínio da sociedade rural e o crescimento da classe trabalhadora nas grandes cidades ofereceu uma oportunidade de renovação ao Partido Democrata a partir de sua base social. No começo do século XX, o comando do partido sai de James Jones do Arkansas para políticos do norte. Essa transformação do partido é consolidada pela eleição de Woodrow Wilson em 1912.

Neste ano, William Howard Taft era o presidente e buscava sua reeleição. As hostilidades entre ele e Teddy Roosevelt, ex-presidente, cresceram rapidamente. Taft se apoiava na ala conservadora irritada com o deslocamento do partido durante a “era progressiva”. Roosevelt era o representante dos progressistas. O abandono de Taft a Lei Anti-Truste de Teddy disparou o gatilho. Perdendo o apoio do partido para Taft, Roosevelt resolveu se candidatar por um novo, o Partido Progressista. Essa divisão republicana favoreceu a eleição de Wilson em 1912 e marcou tanto a transformação de ambos partidos quanto o aparecimento do conservadorismo na cena política americana.

6.

Formado em história, ex-governador de New Jersey e presidente de Princeton, Woodrow Wilson era um progressista com fortes ligações acadêmicas. E esse será um fator decisivo na remodelação dos democratas. Em 1884, em Londres, Edward Pease e amigos fundam a Sociedade Fabiana. Os fabianos eram socialistas que defendiam reformas no capitalismo e rejeitavam a ideia de revolução. Contrários à luta de classes marxistas, eles defendiam que através de reformas o capitalismo se aproximaria do socialismo. Os fabianos inspiravam-se em Stuart Mill e defendiam um estado de bem-estar, com um seguro universal de saúde, salário mínimo, direitos trabalhistas e controle de natalidade. Vários escritores e intelectuais renomados estavam ligados a sociedade Fabiana: H.G. Wells, Bernard Shaw, Graham Wallas, Leonardo Woolf, entre outros.

Em 1900, a Sociedade Fabiana foi um dos principais ingredientes da formação do Partido Trabalhista inglês, que se inspirou predominantemente no trabalhismo reformista. Em 1895, quatro fabianos estavam entre os fundadores da London Economic Schools: Sidney Webb, Beatrice Webb, Graham Wallas e Bernard Shaw. Os fabianos tinham entrada no mundo intelectual e político, e suas ideias convergiam com as transformações da década de 1900, marcada por reformas.

A influência dos fabianos chegou aos Estados Unidos e, em especial, a Harvard. Walter Lippmann, um dos escritores dos famosos quatorzes pontos de Wilson, foi aluno em Harvard do fabiano Graham Wallas e do progressista Felix Frankfurter. Com Wilson, há uma aproximação entre este mundo intelectual e a política, ao mesmo tempo em que, os progressistas vão se assimilando ao partido. Durante a primeira guerra mundial, Walter Lippmann, Felix Frankfurter (futuro ministro da suprema corte nomeado por FDR) e Franklin Delano Roosevelt serviram no mesmo departamento da marinha.

O partido democrata continua com sua base de sustentação popular e agrária no sul, mas quem comanda o partido são os progressistas do norte. Ligados ao reformismo trabalhista, estes não defendem mais o liberalismo clássico como contraposição ao formato hamiltoniano dos republicanos na segunda metade do século XIX, mas sim um “modern liberalism”.

O liberalismo moderno significava a defesa de uma nova concepção de liberdade. Para os homens serem livres, eles precisavam ter igualdade. O liberalismo moderno americano sustenta a ideia de igualdade como centro do conceito de liberdade civil, defende ampliação de direitos, leis trabalhistas, busca por justiça social e uma economia mista. Assim, o governo não deveria só cuidar da segurança, mas deveria ampliar gastos com saúde, educação e promover o desenvolvimento. Sua base começa com Teddy Roosevelt e os progressivos, mas ele só se condensa a partir de Wilson e da influência intelectual dos fabianos.

Na economia, o novo liberalismo dos democratas irá defender algo mais próximo de um estado de bem-estar a partir do New Deal de Franklin Delano Roosevelt na década de 1930. A maior parte dos integrantes do ‘brain trust’ de Roosevelt eram progressistas, keynesianos e defendiam um governo promotor do desenvolvimento e da igualdade. Roosevelt definia um partido liberal como aquele que acreditava que, para além dos homens e das mulheres individuais, o governo tinha o dever de encontrar soluções para os novos problemas que apareciam. Os novos liberais americanos acreditam que só a partir dos poderes do governo o individuo poderia ser livre, desfrutando da vida e buscando a felicidade. Eles amparavam também uma leitura ampla da constituição.

Durante todo século, o Democrata vai se tornando um partido de esquerda. A partir da influência intelectual (principalmente Fabiana), o partido do modern liberalism aproxima-se da Social-Democracia europeia. O que lhes diferem é a realidade sobre a qual trabalham suas ideias, pois a tradição americana do self-made man e forte politização da sociedade civil não permitem determinados desdobramentos.

É a partir do modern liberalism e da ampliação da base conservadora no GOP que começa a se segmentar a gramática política americana, onde ser liberal significa ser de esquerda e ser conservador de direita. Antes disso, não havia traços de conservadorismo e a palavra liberal não se associava a base trabalhista.

7.

Do lado do GOP, apesar da vitória americana na primeira guerra, os custos do conflito e a tentativa de criar a Liga das Nações (que os Estados Unidos jamais aderiu), desgastaram o governo democrata de Wilson. Os americanos desconfiavam da ideia de um governo mundial, de um concerto das nações para “criar um mundo seguro para democracia”. A ideia que predominou depois da guerra era a de que o país era a maior potência, que seus pais fundadores estavam corretos sobre aquela terra e sua fundação e que o melhor a fazer era se afastar dos problemas europeus.

A maior parte da base do GOP era contrária à política externa internacionalista dos democratas e eram denominados de isolacionistas. Após Wilson, só republicanos venceram eleições na década de 1920: Warren Harding, Calvin Coolidge e Herbert Hoover. Harding uniu conservadores e moderados entre republicanos, colocou-se em contrário a Liga das Nações e resgatou o orgulho pelos founding fathers (termo que cunhou como jornalista). Na economia, Harding aprovou uma legislação contra o trabalho infantil, diminuiu as despesas federais e viu a taxa de desemprego cair pela metade. Após o seu assassinato, Coolidge assumiu a presidência e foi reeleito em 1924. O governo de Coolidge foi imprescindível para demarcar a preferência republicana (e conservadora) por menos impostos e regulamentação ao contrário dos democratas.

Todavia, a crise de 29 tirou os republicanos do trilho da presidência. Franklin Delano Roosevelt venceu a eleição em 1932 e se reelegeu com folgas em 36, 40 e 44, mantendo-se no poder até a sua morte, em 1945. No rescaldo do keynesianismo de FDR e depois do retumbante fracasso do GOP com o progressista Alf Landon (defensor do New Deal) em 1936, a ala conservadora tinha novamente a maioria do partido, mas não a cúpula.

Na convenção de 1940, a grande discussão no GOP era entre manter-se afastado da guerra (posição predominante entre os três principais candidatos) e os que defendiam dar ajuda aos aliados ingleses. Com o temor devido ao avanço de Hitler contra a Inglaterra e graças às regras da convenção republicana, o partido lançou um ex-democrata, Wendell Willkie, que saiu do partido frustrado pela corrida de Roosevelt por um terceiro mandato. Willkie foi mais um moderado derrotado por FDR.

Os principais oponentes ao New Deal dentro do GOP eram contrários à interferência estatal na economia, ao governo interferindo na sociedade civil, às mudanças constitucionais contra o espírito fundador da nação, e ao internacionalismo democrata que favorecia a guerra. Durante essa época, formatou-se muito do conservadorismo americano e também os primórdios dos conservadores libertários de hoje.

Essa ala disputou o comando do partido com os progressistas moderados. A recuperação econômica e a onda de nacionalismo com o triunfo americano na guerra enfraqueceu a ala conservadora, libertária e isolacionista no GOP, comandada pelo senador de Ohio, Robert Taft (até hoje o senador é conhecido com um dos maiores libertários da política americana). Thomas Devey, seu adversário, e líder progressista dentro do partido junto com Nelson Rockefeller, foi derrotado por Roosevelt em 1944 e surpreendentemente por Truman em 1948.

A segunda guerra tinha reforçado dentro do GOP a ala dos moderados, que defendiam uma política externa ativa, o nacionalismo, o anticomunismo e uma economia pragmática entre princípios liberais clássicos e o keynesianismo. Foi com um dos representantes dessa ala, Dwight Eisenhower, um ex-comandante das forças armadas, que o GOP voltou ao poder depois de vinte anos. Ike, como era conhecido, chegou a defender abertamente um partido progressista, o que estava em moda nos Estados Unidos, mas tinha muitos conservadores dentro de sua administração interna. Ele expandiu seguros sociais e acabou com a segregação racial dentro do exército.

Com o desastre de Nixon e Gerald Ford, a hostilidade da base conservadora aumentou contra a cúpula. Ronald Reagan foi o responsável por reunificar o partido e condensar a gramática política conservadora. Depois de séculos, os conservadores chegavam de alguma forma ao poder. O conservadorismo que brotava no GOP desde a era progressiva era também defesa do liberalismo econômico clássico, enquanto o conservadorismo sulista dos democratas está mais associado a sua base, a segregação racial, ao ressentimento com o governo central e ao protecionismo na economia. Durante alguns períodos da década de 30-40, houve uma coalização conservadora bipartidária no Congresso contra leis que lhe desagradavam.

Assim, ser um conservador americano significa respeitar a inspiração originária do país; defender a autonomia dos estados; ter uma leitura estrita da constituição; respeitar os valores judaico-cristãos que dão origem a sua civilização; confiar no excepcionalismo americano e nas instituições; ser contrário ao comunismo, ao relativismo e ao multiculturalismo; defender as liberdades individuais; ser pró-negócios e aceitar as premissas do liberalismo clássico, com livres trocas, menos impostos e menos regulamentações. Ele é alicerçado na crença de que um governo grande e forte limita as liberdades e tira a iniciativa da sociedade civil organizada. O conservadorismo americano é empirista, pragmático e humanista, diferindo da tradição europeia continental.

8.

A vitória de Reagan marcou também a mudança de base social entre republicanos e democratas. Até o final do século XIX, a base republicana vinha do norte, dos empresários, das grandes cidades. Depois do triunfo do “New Deal” e do progressismo dos democratas, essa base foi migrando. Em compensação, o partido começou a ganhar o sul, a sociedade agrária, os conservadores das grandes cidades e os empresários que queriam menos interferência estatal.

Em 1952, Eisenhower derrotou o democrata Adlai Stevenson. Na figura abaixo, em azul estão os estados vencidos pelos democratas e, em vermelho, os vencidos por rebuplicanos. As trincheiras democratas mais fortes estavam no sudeste.

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Em 1980, na retumbante vitória de Reagan sobre Carter, as trincheiras democratas mais fieis permaneciam no sudeste, mas já estavam presentes no nordeste e nas grandes cidades:

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O mapa eleitoral da vitória do democrata Clinton sobre o republicano Bob Dole em 1996, já mostra essa alteração da base. Os democratas tem forte presença no nordeste, nas grandes cidades, nas costas litorâneas do pacífico. Os republicanos são forte no sudeste, no meio do país, na sociedade agrária, nos polos de pensamento conservador como no Texas:

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Nos últimos vinte anos, o GOP venceu uma única vez nos estados do nordeste. Em 2000, com George W. Bush em New Hampshire contra Al Gore. E não vence em Michigan, Illionois e na California desde a eleição do Bush pai em 1988. Em compensação, sua base no sul se ampliou. Os democratas não vencem na Geórgia desde a primeira vitória de Bill Clinton. E em Kentucky, Arkansas, Louisiana e no Tennessee desde a segunda vitória de Clinton. Um dos motivos da transformação dessa base deve-se as mutações da cultura do novo capitalismo, dominado pelo setor de serviços e tecnologia.

Hoje, o perfil mais forte da base democrata está entre os mais pobres, na classe trabalhadora, numa boa fatia de Wall Street, entre as grandes corporações, entre hispânicos e negros, nas grandes cidades, no nordeste e na costa pacífica. E o perfil mais forte da base republicana está entre os mais ricos, entre os defensores do livre comércio, na classe média, entre os protestantes, no interior do país, no sudeste, na sociedade agrária, nas menores cidades, e cresce entre hispânicos e católicos insatisfeitos com as políticas sociais dos democratas.

A crise do Welfare State no mundo que foi representada pela vitória de Thatcher no Reino Unido e de Reagan nos Estados Unidos, foi respondida pela esquerda com a terceira via, que significava a renovação da social-democracia. A terceira via pedia a ampliação de direitos civis, o mesmo conceito de liberdade, mas defendia uma economia pragmática com um Estado eficiente e mobilizador que não fosse tão endividado. O governo de Bill Clinton, como da esquerda noutros países, representa este novo momento.

Depois da crise de 2008 e do desgaste do governo de George W. Bush com sua política externa hawkish, os democratas voltaram-se ao crony capitalism, a temas clássicos da social-democracia e à defesa de temas sociais como o aborto e o casamento gay. O legado de Obama é uma transformação gradual da sociedade a partir do estado e de suas elites (daí grande desconfiança popular com estas). Seu legado é o Obamacare, o desrespeito ao poder legislativo a partir do abuso das executive order, o fortalecimento do capitalismo de compadres, o reestabelecimento de relações com Cuba, o acordo com o Irã, o ímpeto pela aprovação do casamento gay. Ao estilo fabiano, Obama fez uma grande inflexão do país à esquerda.

Os democratas de hoje nunca estiveram tão à esquerda. O casal Clinton fez uma inflexão em temas sociais e econômicos, e o socialista Bernie Sanders é o principal concorrente de Hillary à indicação de 2016. As mudanças dos republicanos após o governo Bush, veremos no próximo texto.

Elton Flaubert

Doutor em História pela UnB.