O romance de estreia de Marcelo Maluf é uma incursão espiritual aos laços familiares, à morte e ao passado.
Às vezes aparece um livro novo por aí que me pega de surpresa. Não que eu seja difícil de agradar, muito pelo contrário: sou uma otimista literária, tendo a ver aspectos positivos na maior parte das obras que leio, não só porque respeito (e entendo) o esforço e dedicação necessários para se criar uma narrativa, mas porque resenho (e critico, de certa forma) essas obras. A resenha exige, em certas situações, uma leitura mais “formal”, em que me vejo, por diversas vezes, prestando atenção à estilística, à forma, pensando no livro em partes separadas, como um trabalho a ser analisado. Contudo, com A Imensidão Íntima dos Carneiros (Reformatório, 150 páginas, 2015), de Marcelo Maluf, eu não tive a chance de realizar essa análise. Desde a primeira frase, “O medo estava no princípio de tudo”, fui arrebatada e afogada nas páginas desse livro que é vivo, tem braços e boca, a fim de sussurrar tragédias e amores ao pé do ouvido.
O personagem Marcelo, descendente de libaneses, vive em Santa Bárbara d’Oeste e nunca conheceu o avô, Assaad Simão Maluf, fugido do Líbano quando criança, em 1920, vítima de uma tragédia familiar inenarrável e inesquecível. Fascinado pelo avô que nunca conheceu, e alimentado pelas histórias do pai, Michel, e dos familiares que tiveram parte de sua convivência com o patriarca da família, Marcelo se vê ligado àquela figura. Há, então, um laço impossível de ser desembaraçado. Assim, o protagonista observa pelos olhos do parente toda a trajetória de sua vida, desde a infância, na década de 1920, pastoreando carneiros, até a morte, redentora e intencional, ocorrida em uma cidade do interior de São Paulo, na década de 1960.
As vidas distintas de Marcelo e Assaad se misturam na narrativa, e é por meio dos olhos dos dois personagens que o leitor vislumbra as belíssimas paisagens campestres do Líbano do século XX, os horrores da morte, as delícias do amor e os costumes desses homens que, tais quais os carneiros, são subjugados, ordenados e postos de joelhos sobre um monte sacrifical.
Mais do que um livro espiritual, de enorme carga emocional e filosófica, A imensidão íntima dos carneiros trata de origens, de autodescoberta, de esmiuçar o passado e, nele, tentar encontrar algo que justifique a própria existência, o viver e o ser. Há entre Marcelo e Assaad o anseio de todos nós com relação a nossas origens. Afinal, é possível saber quem somos sem entender de onde viemos?
A imensidão íntima dos carneiros é o primeiro romance de Maluf, que já publicou o livro de contos Esquece tudo agora (2012) e o infantil As mil e uma histórias de Manuela (2013), entre outros. É um conforto para a literatura brasileira saber que Marcelo está por aí, disposto a oferecer novos frutos, colher alguns outros, e arrebanhar alguns carneiros.
Bruna Gonçalves
Formada em Letras pela PUC-Campinas, revisora, tradutora e "semiescritora" nas horas vagas.
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