A estratégia do prefeito injeta elementos novos nos confrontos do imaginário político.
Mesmo que seus adversários não admitam (é claro que eles nunca admitiriam), João Doria tem feito um uso exemplar das redes sociais para se promover no Brasil. É algo irônico que um político tucano, de discurso liberal, esteja atualizando a propaganda de governo no país. A esquerda, tão ciosa do seu vanguardismo, fica novamente para trás.
É algo irônico, sim, mas também previsível. O petismo passou muitos anos alimentando um discurso ideológico que já tinha falido no século passado. Apoiados pela geração de intelectuais mais cínica que o Brasil já teve, Lula e Dilma bancaram um projeto de “mídia alternativa” que nunca se interessou realmente pelos fenômenos da convergência e da conexão na sociedade em rede.
Por isso, enquanto a academia estudava Manuel Castells e Henry Jenkins, Lula tomava cafezinho com o esquadrão encarregado de fazer sua defesa na blogosfera. Dilma não mexeu em nada neste conceito. Incompetente e frágil, a presidente chegou a se tornar refém de um dos seus melhores funcionários, o criador da “Dilma Bolada”. Ao contratar youtubers para fazer sua propaganda, Michel Temer segue passos semelhantes aos dos seus antecessores.
Mas não deu certo até aqui? – alguém poderia dizer. Deu, sim. Em 2014, Marina Silva saiu correndo para o melodrama quando a artilharia petista a atacou com todos os golpes baixos imagináveis. Perdeu feio, já que ninguém domina melhor as narrativas de vitimização que o petismo. O fato é que, apesar de prometer modernidade, a REDE ainda não conseguiu explorar o potencial das redes.
Deu certo até aqui, sim. Não quer dizer que dará certo sempre. A estratégia de João Doria injeta elementos novos nos confrontos do imaginário político. Quando o prefeito de São Paulo saca o celular e grava a si mesmo saindo de carro na madrugada, ele dispensa os atravessadores e aparece como o criador das suas próprias conexões. Para os eleitores cada vez mais conectados em rede, essa é uma mudança importante. É bem verdade que a habilidade com a câmera dá a Doria uma vantagem sobre outros políticos. Mas não é só isso. Essa vantagem não faria grande diferença se ele não soubesse conciliar as suas performances com a lógica de valoração da era do compartilhamento.
A fórmula é bem simples. Antes que um jornal publique que você paga caro para youtubers de péssimo gosto defendê-lo, seja o seu próprio youtuber e mostre que você tem algum talento. A demonstração do valor e a exemplaridade estão no núcleo dessa estratégia, que é igualmente melodramática, mas em outro formato. João Doria é o herói de uma narrativa de virtudes, e não de vítimas. Até quando sua jornada seguirá sem enfrentar grandes crises, não sabemos. Mas a natureza da sua presença na mídia tem sido incrivelmente positiva. Donald Trump, o bufão do Twitter, bem que deveria fazer um workshop no Palácio do Anhangabaú.
Rodrigo Cássio
Professor e pesquisador. Autor de Filmes do Brasil Secreto (Ed. UFG).
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