Alexandre de Moraes parece pautar sua carreira política pela polêmica. E pela incompetência.
Quando morreu Teori, houve uma grande comoção. As pessoas preocuparam-se com o futuro da “Lava Jato” (sic) no STF; com a homologação da delação premiada da cúpula da Odebrecht (dita, “do fim do mundo”); ou, até, com o futuro dos ativismos recentes do Supremo: células-tronco embrionárias, casamento homossexual, cumprimento antecipado da pena, e etc.
Entretanto, o principal nos escapou: Michel Temer poderia indicar um ministro para o STF. Isto não é qualquer coisa. Michel Temer, constitucionalista medíocre, político medíocre, o presidente que mais voltou atrás em suas decisões deveria tomar uma decisão definitiva que afetaria a vida da nação por muitos e muitos anos. Veja, mudar de ideia não é um mal em si, já que, como dizia o Barão de Itararé, “não é triste mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar”. Acontece que Temer, ao contrário do que dizia Apparício Torelly, muda de ideias exatamente porque não as têm.
Assim, para continuar no Barão, adotei uma de suas máximas mais famosas quando perguntado sobre a indicação do presidente dos brasileiros: “de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”. Porém, Temer, ao indicar Alexandre de Moraes, demonstra a disposição de ombrear Lula e sua indicação de Dias Toffoli. Cada vez mais, ele prova que não era o vice de Dilma Rousseff por acaso.
Acredito que é necessário colocar as coisas em perspectiva. As indicações de ministros do STF feitas após a redemocratização têm sido medíocres, apesar de algumas boas surpresas. Celso de Mello, por exemplo, apesar de aprovado em primeiro lugar no concurso para promotor em 1970, era um jovem burocrata de alto escalão – trabalhava como secretário geral na Consultoria Geral da República, contando, então, 43 anos – quando indicado por Sarney em 1989. O hoje decano do STF melhorou muito com o passar do tempo e a experiência adquirida, sendo – quase sem discussões – um dos melhores juízes que compõem a corte atualmente. Entretanto, se analisarmos a indicação no momento em que ela ocorreu, a escolha de Celso de Mello foi péssima.
Por outro lado, existiram boas indicações, como as escolhas de Sepúlveda Pertence – pelo mesmo Sarney e no mesmo 1989 em que Celso de Mello foi indicado – ou de Eros Grau. Neste sentido, uma boa notícia que tem nos escapado é que as indicações de pessoas filiadas a partidos políticos têm diminuído: de mais de 50% dos indicados na I República, passando por pouco mais de 42% na II República, e chegando ao 1/3 do período atual. Assim, é bom ver que a grande maioria da sociedade reage mal a indicação de filiados ou ex-filiados a partidos políticos. No entanto, é interessante ver como Dias Toffoli é visto como suspeito por ter advogado para o PT, mas que a carreira política de Ayres Britto – candidato a prefeito pelo PDT em 1985, deputado federal pelo PT em 1990 e pré-candidato ao Senado pelo mesmo partido, em 2002, quando não conseguiu superar as prévias – tenha passado abaixo do radar.
Mesmo este tema da indicação de filiados a partidos ou com carreira política (mandatos eletivos) merece uma consideração menos inflexiva. Paulo Brossard, por exemplo, teve sólida carreira política – foi eleito deputado estadual em 1954, tendo sido, posteriormente, Senador e ministro de estado – e foi um excelente ministro do STF, indicado também por Sarney em 1989. Francisco Rezek, entre outros, acredita que a manutenção da diversidade de origens dos indicados é benéfica para a Corte. O ex-ministro do STF disse em entrevista que “seria uma tragédia se o Supremo fosse um lugar para premiar juízes em fim de carreira. A corte ganha com ministros vindos da magistratura, ministério público, advocacia e também da política, como muitos que tivemos na história”. Obviamente que Rezek tem um ponto. Entretanto, eu argumentaria que o risco da indicação de um Nelson Jobim ou de um Alexandre de Moraes é grande o suficiente para querermos a mudança no modo de escolha dos ministros ou que a lei dê um entendimento mais estrito e objetivo para os critérios constitucionais. Paulos Brossardes são absolutas exceções. Alguém com uma atuação política como a de Moraes poderia ser considerado como não preenchendo o requisito de reputação ilibada, por pairarem dúvidas suficientes sobre a sua capacidade de comportar-se de modo imparcial, como o mister exige. Seria melhor que o presidente e o Senado não tivessem tanto poder discricionário para indicar e aprovar ministros. Assim, a definição dos critérios tornaria o ato mais vinculado e objetivo.
Além do mais, Alexandre de Moraes parece pautar sua carreira política pela polêmica. E pela incompetência. É aquele tipo de administrador público que quer passar a impressão de que “sabe fazer”, de que as coisas funcionam devido à sua presença, e de que os limites institucionais não existem: legal é o que ele quer, ilegal o que os outros querem. Por exemplo, um de seus primeiros cargos públicos foi o de presidente da antiga Febem, em 2005. Lá chegando, montou um “plano radical para acabar com os torturadores” que resultou na exoneração de 1.674 servidores. Como a lei não foi seguida – as demissões não foram precedidas por processos administrativos que apurassem as faltas cometidas pelos servidores –, as exonerações foram revertidas pelo judiciário e o Estado de São Paulo teve de arcar com a recontratação de todos os servidores e um rombo de mais de 30 milhões de reais, após a decisão definitiva do STF, apenas com os direitos trabalhistas (ações de danos morais também foram ajuizadas pelos trabalhadores). O dinheiro seria suficiente para a construção de 11 novas unidades na época.
Como secretário de Segurança Pública de São Paulo, Moraes colecionou outras polêmicas. A mais emblemática foi quando, em 13 de maio de 2016, utilizou um parecer furibundo da Procuradoria do Estado para realizar uma reintegração de posse sem mandado judicial, ao arrepio dos marcos legais e da jurisprudência estabelecida. Também, foi acusado de praticar improbidade administrativa quando seu escritório de advocacia foi contratado pela PM para patrocinar uma ação penal – que deveria ter sido promovida pela Procuradoria do Estado. No Ministério da Justiça, sua personalidade “pavônica” encontrou máximo esplendor. Em julho, armou um imenso escarcéu para anunciar o desbaratamento de uma célula terrorista em território nacional, que pretendia realizar “atentados nas Olimpíadas”. Entretanto, na coletiva de imprensa, minimizou o poder do grupo, chamando-os de “absolutamente amadores” e deixando dúvidas com as informações desencontradas: se a célula era absolutamente amadora, sem nenhum preparo e desorganizada, enfim, se não oferecia nenhum risco, então por que todo aquele estardalhaço? No final do mesmo mês, em um momento entre o cômico e o trágico, deixou-se filmar podando pés de maconha no Paraguai: conseguiu provar que não apenas entende nada de política sobre drogas, como também que é incapaz de limpar um lote. Demonstrou, ainda, seus poderes mediúnicos ao “prever” novos desdobramentos da Lava Jato em comício de candidato a prefeito de Ribeirão Preto, dizendo: “quando vocês virem essa semana, vão lembrar de mim!”. No dia seguinte, ocorreu a prisão de Palocci, ex-prefeito de… Ribeirão Preto!
Porém, o indicado mostrou mesmo toda a sua “capacidade” em janeiro deste ano, quando uma série de massacres desencadearam uma “crise penitenciária” (sic). Primeiro, foi pego na mentira quando disse que não tinha recebido nenhum ofício da governadora de Roraima pedindo auxílio. Depois, lançou um Plano Nacional de Segurança Pública que foi muito criticado pelo seu amadorismo e falta de concretude – além da atitude do “ministro pavão” que foi comparado a Fidel Castro por falar por mais de 2 horas! Entre informações desencontradas – como a meta de erradicar a maconha no continente – e boas intenções, o plano culpava os governos anteriores pela crise – apesar de quase 80% dele consistir em projetos requentados desses mesmos governos – e como se o fato dele ter deixado o DEPEN e sua Assessoria de Informações Estratégicas, respectivamente, dois e seis meses sem chefe não tivesse nenhuma relação com o ocorrido. Tal amadorismo e a criação de oito novas vagas no Conselho Nacional de Política Penitenciária – uma tentativa de conseguir uma maioria biônica no órgão – levou à renúncia da sua cúpula. Além disso, Moraes teve tempo, também, de defender a gravação das conversas entre advogados e clientes em presídios de segurança máxima, em clara afronta à Constituição e ao Estatuto da OAB.
Diante de toda essa “ficha corrida”, boa parte da comunidade jurídica e da imprensa nacional passou a pedir a cabeça do ministro. Afinal, voltando ao Barão de Itararé, Moraes é como o tambor: faz muito barulho, mas é vazio por dentro. Entretanto, como costuma acontecer no Brasil, o ministro não só não foi demitido como foi indicado ao STF. Percebe-se porque nossa situação não é acaso: é fruto de extenso e metódico planejamento. Não só Moraes não parece reunir a capacidade de alheamento necessário para ser ministro do STF – e que Gilmar Mendes tenha trabalhado pelo seu nome é um sintoma muito claro disso, como suas credenciais acadêmicas não inspiram admiração. O fato de ser autor de alguns dos livros mais vendidos de Direito Constitucional no país, muito usados em concursos públicos, diz mais sobre o estado intelectual do Direito e dos concursos públicos no país, do que sobre suas capacidades intelectuais. Não que um ministro do STF precise ser um intelectual, um acadêmico que pense o Direito. Mas seria melhor que Moraes fosse conhecido pelo seu respeito intransigente pela Carta, e não por “gambiarras jurídicas” ou pela pouca consistência intelectual. Também causa assombro que a sua indicação vá de encontro àquilo que defendeu em tese de doutorado, em uma reedição do que FHC nunca disse.
Logo, parece-nos claro – e sua posição sobre o cumprimento da pena a partir da segunda instância demonstra o pouco apreço que tem pela Constituição e pelas leis – que Alexandre de Moraes é muito mais notório do que notável.
Hugo Guimarães
Bacharel em Direito pela UFPR, com mestrado em Filosofia pela mesma instituição.
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