Essa guerra pode ser o prelúdio de algo com mais repercussões imediatas à paz e estabilidade globais.
Noah Rothman, Commentary
trad. Daniel Lopes e Guilherme Arnoldi
O “conflito congelado” no leste da Ucrânia está descongelando. Esta semana, após um muito esperado telefonema entre o presidente Donald Trump e o presidente russo Vladimir Putin, novamente irromperam batalhas nos distritos orientais da ex-república soviética. Desde domingo, oito soldados ucranianos foram mortos, e outros 26 feridos. De acordo com o governo em Kiev, um número não especificado de civis também foi vitimado nos conflitos. No entanto, a violência frequentemente intensa entre tropas ucranianas e forças apoiadas pela Rússia tem sido recebida com silêncio sepulcral na distraída classe política dos Estados Unidos. Seria um erro gravíssimo ignorar esse conflito cada vez mais quente.
Kiev e Moscou culpam uma a outra pelo recente pico de violência, mas essa é uma preocupação imaterial para americanos que desejam ver a agressão russa contida. Do Oriente Médio às fronteiras da OTAN, não é a Ucrânia, e sim a Rússia, que tem demostrado inclinação ao irredentismo e expansionismo. O Ocidente e os cidadãos dos Estados Unidos não deveriam fazer vistas grossas a essa guerra. Ela pode ser o prelúdio de algo com mais repercussões imediatas à paz e estabilidade globais.
Durante a campanha, Donald Trump não escondeu seu desejo de ceder a Moscou uma esfera de influência geopolítica sem rivais no Oriente Médio e na Europa. Ele chegou ao ponto de aventar a hipótese de não sair em socorro de uma aliada da OTAN como a Estônia, se, na sequência de um ataque russo, ela invocasse as cláusulas de defesa mútua.
O perigo nessas declarações não era que Donald Trump assumisse a presidência e imediatamente se retirasse da Europa e do Oriente Médio, dando a Putin algo semelhante a um Pacto de Varsóvia reconstituído – embora o empenho de Trump em respeitar os objetivos de Putin seja uma fonte de preocupação. O temor mais urgente é que as declarações de Trump passem a Putin a ideia de que um governo Trump lhe dará uma nova latitude. Se Putin estiver com a impressão de que poderá ter liberdade de ação renovada naquilo que Moscou chama de exterior próximo, ele provavelmente testará essa suposição, sondando os parâmetros do empenho do Ocidente em defender seus interesses. Tal sondagem pode estar ocorrendo neste exato instante no leste da Ucrânia.
Se a ofensiva na Ucrânia apoiada pela Rússia passar inteiramente batida por Washington, Putin terá tido sua resposta. Os separatistas apoiados por Moscou ficarão mais agressivos, a Rússia se tornará mais entusiasmada e o teste seguinte pode ocorrer em um teatro que Donald Trump não poderá ignorar. Ele pode vir na forma de uma incursão no Iraque, sob o convite de Bagdá; pela introdução de mísseis nucleares de médio alcance no enclave russo de Kaliningrado; ou na forma de uma incursão pelas fronteiras de uma república báltica – o que não seria algo inédito.
Se a Rússia promovesse tal ataque insolente aos interesses dos EUA, o presidente Trump rapidamente aprenderia que as pressões institucionais para que o presidente norte-americano dê uma resposta não podem ser ignoradas com facilidade. O principal risco é que a Rússia incorra em tal erro de cálculo ao dosar a violência da agressão que exija retaliação dos Estados Unidos e do Ocidente. É desse tipo de calamidade que eclodem as guerras.
Durante a administração Obama, congressistas republicanos tomaram a decisão – estrategicamente válida e moralmente correta – de manter o presidente democrata inflexível em seu compromisso de defender os aliados dos EUA na Europa. Barack Obama não tinha interesse em se contrapor à Rússia em 2014, mesmo após a invasão e anexação de um território ucraniano na Península da Crimeia. Ele precisava da cooperação russa para eliminar as armas químicas da Síria e assegurar a consecução de um acordo nuclear com o Irã. Foi sob a liderança do Partido Republicano na Câmara de Representantes que o presidente ucraniano Petro Poroshenko foi convidado a se dirigir ao Congresso reunido em sessão conjunta. Foram as Casas do Congresso controladas pelos republicanos que aprovaram o envio de “ajuda letal” à Ucrânia para que o país travasse sua guerra contra os aliados da Rússia – uma lei que foi vetada por Barack Obama. Os republicanos abandonariam agora sua defesa virtuosa do compromisso dos EUA de resguardar a integridade territorial da Ucrânia e frustrar agressões russas somente porque o presidente – dessa vez, um republicano – a ela se opõe? Muito mais que instalar uma tragédia, fazê-lo seria relegar seu desígnio a gerações futuras.
A guerra na Europa mais uma vez é do tipo quente, e ao ignorá-la nos colocamos em risco. Se isso for o prelúdio de mais uma provocação, em outro lugar, um lugar que os Estados Unidos não estarão em posição de simplesmente ignorar, nós lamentaremos ter perdido a oportunidade atual.
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