No xadrez da comunicação instantânea, Gustavo Bebianno vence por razões menos óbvias.
A dificuldade do presidente Jair Bolsonaro em articular o que quer dizer é tanta que ele criou uma crise da qual, politicamente, poderia ter se saído muito melhor.
Estamos esquecendo qual foi o ponto inicial do conflito: Gustavo Bebianno dizer que, a respeito das acusações sobre o laranjal, não havia crise. Perceba que a crise é citada antes da crise. A crise era o laranjal. Agora, a crise são os áudios.
Bebianno faz naquele início um lapso lógico conveniente: ele afirma que o laranjal não criou crise entre ele e Bolsonaro — e a prova disso seria o fato dos dois terem se falado três vezes.
Carluxo e Bolsonaro entendem a declaração de Bebianno de forma diferente: entendem que Bebianno diz que a questão do laranjal estava resolvida, porque ele teria falado com o presidente três vezes (sobre o laranjal).
Como os Bolsonaro são paranoicos com a imprensa, inicia-se o pânico da ambiguidade (“Eles se falaram sobre o laranjal? Bolsonaro sabe e está tudo bem? Ou eles apenas se falaram sobre outros assuntos?”). E aí disparam tweets precipitados e a intervenção absurda do filho do presidente na história. E logo ninguém sequer se lembra qual era o ponto do tweet.
Por outro lado, Bebianno manobrou tudo com a calma dos justos. Em seu favor, pesa o fim de semana contemplativo, o requinte de ter deixado o pai moribundo para fazer campanha etc. Apesar de tudo, tê-lo como “justo”, é generosidade.
Bebianno abraça a versão de que, a todo o tempo, ele se referia apenas a “ter se falado” (sobre qualquer assunto) com Bolsonaro. Ele apresentou provas de que havia se comunicado com o presidente. E a falta de perspicácia de Carluxo e Bolsonaro favorecem Bebianno: eles não reagem de cara, dizendo que se referiam a uma conversa sobre o laranjal.
Num xadrez midiático intenso como esse, a única coisa a ser repetida exaustivamente pelo Planalto seria relembrar a todos que “não estava tudo bem [com o laranjal do Bebianno]”, e que “não falamos sequer uma única vez [sobre o laranjal do Bebianno]”.
Mas a esse ponto, ninguém mais se lembra que a matéria inicial era sobre o laranjal. A dúvida que pairava — se Bebianno havia falado com Bolsonaro sobre o laranjal, ou não — também foi dirimida, e explode no colo dos Bolsonaro: eles se falaram, embora sobre outros assuntos.
Assim, a incapacidade de articulação e comunicação fazem os Bolsonaro mentir sem terem mentido. Haja inaptidão para lidar com comunicação pública. Em tempos de Twitter, estar em silêncio tem seus benefícios.
Mais que isso, a terceira crise instaurada é a da interferência do filho, piorada muitas vezes pela defesa do pai. Claro, Bolsonaro não entende que Carlos mentiu. Ele entende que Bebianno mentiu: pois não falaram sobre o laranjal.
O sétimo áudio divulgado pela Jovem Pan demonstra isso: “Gustavo, usar que usou do WhatsApp para falar três vezes comigo, aí é demais da tua parte. Aí é demais e eu não vou mais responder a você”. Ou seja, nem aqui ele consegue articular um ponto forte de defesa.
Então enquanto Bebianno está, em seu benefício, falando de “nós falamos pelo WhatsApp sim”, Bolsonaro assente sem estar vocalizando a única coisa que poderia melhorar sua imagem: que ele e Carlos se referiram, o tempo todo, a falar sobre o laranjal.
Finalmente, no nono áudio vazado, Bolsonaro reage sobre o cerne da questão: “querer colocar essa batata quente [do laranjal do PS] no meu colo, aí é falta de caráter”. Fica claro, aqui, o mal-entendido a que Bolsonaro se refere em seu pronunciamento sobre a demissão do ministro. Mas o que fica mais evidente, também, é que tantas confusões — o laranjal, o filho, o bate-boca, a futrica — acabam por obliterar o que importa. A era do Twitter na comunicação presidencial não é para todos.
Ponha isso na conta do Carluxo, que twitta com a precisão de um canhão desgovernado. Mas também na conta do Capitão, que não sabe administrar crise. Por conta disso, Bebianno capitalizou seu papel de vítima e os Bolsonaro saíram de idiotas. Que são. E há, é claro, o laranjal do Flávio Bolsonaro por ser explicado.
Mas ninguém precisa de um cacique do PSL como vítima, em especial quando esse martírio vem às custas da polêmica sobre o próprio Bebianno, articulador de campanha e secretário da presidência, lavar dinheiro com sua sigla.
Sérgio Tavares
Doutor em cultura contemporânea, e consultor digital em Helsinki. Blog: Lutav.com.
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