Em Manaus, falta oxigênio num canto, comida e água noutro, remédios num, e leitos em todos.
Ser brasileiro nestes tempos tem sido difícil. Ser amazonense, sobretudo, ainda mais. Para mais da metade da população do Estado – isso é, nós, habitantes da capital – ser amazonense significa acordar em uma cidade em colapso. Seja o seu estado de saúde grave ou tenha você uma lesão simples, em precisando, não encontrará um leito sequer de hospital, seja público ou privado. Se encontrar, saiba que não é um leito: é uma câmara de asfixia. Para a outra metade, no interior, a situação não é melhor: os hospitais regionais lotados sofrem da falta de insumos básicos e não têm como enviar seus pacientes para a capital.
Em meio ao caos instalado, de hospitais sem materiais e medicamentos básicos ao seu funcionamento, e de profissionais de saúde exaustos e traumatizados, a esperança trazida pelas vacinas é breve: como o amazonense não tem um segundo de paz, as estratégias de vacinação são também marcadas por suspeitas de desvios, favorecimentos e furadas de fila da parte das elites da cidade, além de um total de 60 mil doses cujo paradeiro é incerto, enquanto diversas unidades de saúde que atuam em linha de frente seguem com seu pessoal não imunizado, e as unidades de atenção ambulatorial e básica não têm ideia, no atual plano de vacinação de quando será sua vez.
Falta oxigênio num canto, comida e água noutro, remédios num, e leitos em todos. O sistema de saúde da capital, sempre sobrecarregado, enfim tombou. Falta ação do governo: em verdade quase tudo pode ser traçado de volta à inação e falta de perspectiva do poder público: da fechada dos hospitais de campanha, da abertura de leitos sem fazer o devido planejamento logístico (como qualquer gestor em saúde pode atestar, estes novos gastos e faltas poderiam ser previstos com semanas de antecedência), e de, em estado de crise completa, permanecer impassível em seu estado estanque de reclamações de logística, enquanto jovens munidos das redes sociais e de força de vontade angariam fundos e insumos fundamentais, em síntese fazendo o trabalho do governo, que ainda dificulta suas ações e nega a gritante necessidade.
Nestas circunstâncias, é impossível manter a saúde mental intacta e incólume. Se não, hoje em dia, uma sentença de morte, ser amazonense é pelo menos estar sentenciado à depressão ou aos surtos de raiva, ódio, desespero e incredulidade, tendo certeza de que, com Jair Bolsonaro e Pazuello na esfera federal (e tentando empurrar cloroquina para nós como se fôssemos uma lata de lixo), Wilson Lima como governador e David Almeida como prefeito, estamos por nós mesmo, apenas podendo esperar da união do nosso povo e na força da nossa juventude. É a triste realidade a ser atestada, mas que sempre foi sabida: é o Norte pelo Norte.
Lucas Pessoa
Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Amazonas.
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