Não é fantástico?

por Lelê Teles – Ouvi uma chamada para o Fantástico. O Brasil dos excluídos. Referia-se a uma reportagem especial sobre os rincões mais pobres do Brasil. Não seria uma referência à redução da miséria durante o governo Lula da Silva, claro. Resolvi assistir.

Foi cansativo. Que diabos é aquilo que fazem os apresentadores do programa, esfregando a mão sobre uma tela falsa? Aquilo é demasiadamente ridículo. Eles não acertaram uma! Zeca Camargo batia com o polegar em uma imagem e, blup, aparecia outra em um local que ele não havia sinalizado. A moça, Poeta, sorria, usava as duas mãos para “abrir a imagem” e a coisa se desenvolvia a alguns centímetros de onde ela havia tocado; enfim, coisa pra Homer Simpson!

Mas aí veio a tal matéria. Cidadezinhas com o menor IDH do Brasil, não ficamos sabendo quem governa os estados, quem são os prefeitos dos municípios e nem a que partidos pertencem, ou seja, tem caroço no angu.

Voz de Tadeu Schmidt, que tá com a bola cheia no semanário. Lero vai, lero vem, mostram lugarejos onde a maioria da população é desempregada: ali Chuchu é coisa de granfino, a gasolina é mais cara que na Europa e o quilo de tomate custa oito lascas. Corta pra umas garotinhas que nunca tomaram banho de chuveiro e uma mãe que nunca teve emprego. Ela diz que quando sentem “necessidades” vão para o mato. A conta de água chega à casa do cidadão, mas a água, não. Etc., generalidades, matéria sem foco, sem objetividade. Surge uma senhora com o cartão do Bolsa família, dizendo que sem a ajuda do governo a família morreria de fome. Opa.

A reportagem diz ainda que o governo paga cerca de mil e quinhentos reais para cada filho nascido no seio da miséria. Entra o senhor Osvaldo Pita, secretário de Saúde de Manari, sertão de Pernambuco, e diz que “suspeita” que o crescimento da taxa de natalidade no município é estimulado pela verba do governo. Ele diz: “Todas essas pessoas são agricultores (grifo meu). E sendo agricultor, a lei permite a ele um abono do governo federal de auxilio maternidade em torno de R$ 1500. Então, uma das razões de ter muita criança aqui – na minha concepção – é por receber R$ 1500”. Agora sim, a matéria tem um foco. Ela se refere aos trabalhadores rurais malandros que mamam nas tetas do governo, veja você.

E a reportagem segue por esse caminho. Um agricultor diz que a esposa engravida e já no oitavo mês começa a pensar no que vai comprar com o dinheiro: “Ela vai programar comprar uma vaca, comprar um aparelho de garrote ou dar uma arrumada na casa, comprar antena parabólica e fogão”, ou seja, futilidades. Um médico aparece e conta um caso de uma senhora que teve 22 filhos. Tudo isso só pra receber a grana do governo. Veja aonde quer chegar a “reportagem”.

Logo após mostrar esses produtores rurais malandros que se enchem de filhos para ganhar 120 dias de abono (um salário mínimo por mês), entra uma outra interessante matéria com a seguinte chamada: “Você vai ver agora uma história inacreditável. Um brasileiro, que mora na Inglaterra, anuncia na internet que está vendendo uma fazenda que é – nada mais nada menos – um assentamento de reforma agrária”. Entendeu a conexão de uma matéria com a outra? Para você não achar que só em Manari tem produtor rural malandro, entra essa matéria dando conta de que os assentados brasileiros estão passando nos cobres as terras que ganham.

Aí, nobilíssimo, entra uma terceira e definitiva “reportagem” dizendo que os Trabalhadores Rurais Sem Terra invadiram uma fazenda no Pará que pertence a Daniel Dantas! Daniel Dantas é aquele que Protógenes quer colocar na prisão, mas Gilmar Mendes e a Globo não querem deixar. E Mendes agora resolveu atacar o MST.

Agora dá pra entender por que ir a uma cidadezinha esquecida no mapa, fazer uma materiazinha sem sentido e ir alinhavando uma história na outra até chegarmos à conclusão de que quem invadiu as terras de Dantas foram aqueles malandros que enchem a barriga de menino para encherem o bucho com a grana do governo, os que engravidam para comprar parabólicas para assistirem o Fantástico; os que invadem terras para vendê-las a preço de banana!

Não é fantástico?



  • http://www.blogdocampos.net Fernando

    Parabéns pelo texto. Excelente.

    A única observação é que esses programas que dão dinheiro e elevam a taxa de natalidade também tem impacto nas grandes cidades.

    Em São Paulo, por exemplo, não é raro você conversar com pessoas que não trabalham por receber esse tipo de auxílio.

    Quanto ao MST, sugiro uma visita nos arredores de Jundiaí, mais especificamente na Serra do Japi. O local, é tradicionalmente frequentado por que pratica mountain bike e motocross aos finais de semana. Entre um trecho e outro, existem alguns acampamentos do MST com carros, na garagem. Isso mesmo : casa de alvenaria e carro na garagem. Diferente esse conceito de acampamento, não ?

    Quanto aos nomes citados, não há nem o que comentar … Triste realidade.

    Para ser sincero, em um país que elege apresentadores de TV, pseudo-cantores e afins para nos representar em cargos públicos, esse tipo de coisa não deveria causar espanto.

  • Daniel

    Fernando. Em que lugar do mundo agricultores com carro na garagem é um fator negativo? Só mesmo no Brasilzão do Gilmar! Aí, quando um miserável ROUBA carros na cidade, aparece um membro do curral eleitoral tucano pedindo socorro pro Capitão Nascimento.

    Abs.

  • http://www.blogdocampos.net Fernando

    Talvez eu tenha me expressado mau Daniel. Vou tentar colocar minha idéia de outra forma.

    Um agricultor com carro é tão normal quanto qualquer outro profissional com carro. Não foi essa a minha intenção. Aliás, quero mais é que os agricultores tenham ótimos resultados. É bom para eles e para o país.

    Só não é normal, na minha opinião (isso é só o que eu acho, não uma verdade universal) algo denominado de acampamento, receber recursos públicos para uma invasão e nesse local você encontrar uma casa com carro na garagem. Para mim, leigo no assunto, soa incoerente.

    No meu entendimento (talvez eu esteja errado e faço questão que me corrijam em ajudem a ter outra visão) quem invade uma propriedade é porque (suponho) não tenha outra alternativa, passa por grande dificuldade. Entendo que um bem material, como por exemplo um carro, não é compatível com uma pessoa em tão precárias condições.

    Desta forma, vou separar as coisas para não falarmos a mesa coisa e pecarmos na semântica :

    * agricultor (trabalhador rural) é uma coisa, MST é outra coisa,
    *reforma agrária é uma coisa, picaretagem e mau uso do dinheiro público são outras.

    Veja, não teria coragem de dizer que todo movimento X é picareta ou mesmo, que é honesto.

    Meu comentário resume-se a haver uma coerência entre uma causa e o comportamento de um exemplar (que vi) de membros dessa causa.

    Abraços,

    Fernando

  • Paulo Cunha

    Ah, a fina ironia…

  • Eneraldo Carneiro

    Fernando

    Você está confundindo Acampamento com Assentamento. Um Acampamento vira Assentamento quando os acampados finalmente ganham a posse definitiva da terra, a qual jamais ocorreria, como jamais ocorreu, por iniciativa do Estado.
    Se não houvessem as ocupações, com a organização do MST, não haveriam assentamentos.
    Só depois que os acampados viram assentados é que eles podem transformar as barracas de plastico em casas de alvenaria, instalar parabólicas, comprar carros, etc. todas coisas que movimentam e restauram o dinamismo de economias locais outrora estagnadas. Movimento e dinamismo econômico que jamais seria, como não é, proporcionado pela rapaziada de classe média alta com suas “bikes” e motos.

  • http://www.blogdocampos.net Fernando

    Eneraldo, obrigado pela sua explicação. De fato eu não sabia essa diferença.

    Quanto a “classe média alta”, considero um grupo grande de pessoas e não acho justo utilizar qualquer forma de generalização, assim como não o fiz com a questão do MST.

    Trocar farpas por fazer parte de um grupo ou de uma classe social diferente não contribui para nenhuma causa, nem leva conhecimento a ninguém.

    Com a sua contribuição, eu com minha “bike” da classe média alta terei outra visão em relação ao que observo ao passar no local, ao comentar com as pessoas e assim por diante.

    Mais uma vez agradeço,

    Fernando.

  • http://fastosenefastos.blogspot.com/ Lelê Teles

    E diga a rapazeada das baiques que dê uma olhada na região sul do Brasil. Ela tá rica, desenvolvida e cheia de edifícios luxuosos e turistas estrangeiros. Imagine se aqueles primeiros trabalhadores rurais que ganharam terras por lá tivessem que ficar eternamente debaixo de uma lona negra.

    A rapeize que pedala pelas colinas não fica dentro de uma barraquinha importada, com lapião a gás, churrasqueira e varandinha?

    O brasileiro de classe média e média alta tem nojo da mobilidade social. Por isso eles adoram dar cursos de pobres aos pobres par acontinuarem pobres: cursos de garçom, pedreiro, padeiro… Por desencargo de consciência, os caras dão a vara ou ensinam a pescar, mas ninguém quer ensinar psicultura!

  • http://poavive.wordpress.com Cesar

    Isso que o Fantástico fez, lamentavelmente não é novo na grande mídia.
    Mas muita gente é levada por ela a ter uma visão equivocada da realidade.
    Aqui em Porto Alegre os movimentos sociais e ambientalistas que estão enfrentando a indústria da construção civil, tentando impedir a alteração da lei que impede a construção de espigões na orla do rio Guaíba, já foram chamados de “escória da cidade”. Isso ocorreu na Câmara de Vereadores!
    O motivo?
    A “escória da cidade” prefere um parque na beira do rio que um conjunto de edifícios “progressistas” que colocará seu esgoto NÃO TRATADO direto no rio e ainda ocultará o pôr-do-sol para a plebe que não pode pagar cerca de um milhão de dólares por apartamento!
    Coisas do Brasil…

  • http://www.blogdocampos.net Fernando

    Ok Lelê. Direi.

    E também direi para a “rapeize da baique” que, se quiserem conversar sobre algum tema, que evitem dizer o que estavam fazendo, mesmo que de forma inocente e despretenciosa.

    Pois se for identificada qualquer informação ou atividade que pseudo-simbolize classe social, será taxado como pertencente a algum grupo e consequentemente, sua opinião não terá o mesmo valor que as opiniões dos demais.

  • carlos anselmo-eng°-fort

    parabéns pelo texto, lelê teles,

    por alguns comentários do post, essa classe mérdia brasileira se equivoca a não apoiar o mst e o blosa família do governo do presidente lula.
    mal sabem eles que nos esteites trinta e um milhões de americanos recebem cartões “alimentícios” para uso em supermercados. ignoram que a reforma agrária deles, de base familiar, foi feita no final do século dezenove.

    esses abestados continuam a atirar no próprio pé.
    ô raça!

  • Joaquim

    Interessante. Então, nem todo pobre é malandro, como diria o Fantástico; e quem não é pobre adora ensinar aos pobres como ser pobre, por desencargo de consciência.

    Uma lição por dia. Acabei de aprender o que é sofismar.

  • http://fastosenefastos.blogspot.com/ Lelê Teles

    Nada disso, nobilíssimo Fernando. Nada contra as bicicletas. Eu adoro fazer gol de bicicleta e adoro as pedaladas de Robinho, o homo habilis. E o melhor filme que vi na minha vida se chama Ladrões de Bicicleta, de Vitorio de Sicca. Veja-o, vale a pena. Você saberá o verdadeiro valor de uma bicicleta e talvez entenderá porque alguns trabalhadores rurais usam carros.
    Conheço inclusive uns cabras que pedalam ao ar livre ouvindo música eletrônica nos Ipods, ao invés de ouvirem o som da natureza. Mas como eu ia dizendo, nada contra as bicicletas.

    Joaquim, você precisa andar de bicileta, meu querido. Ensinar os pobres ser pobres? Que frase é essa? O que quer dizer? Como assim? Isso é um sofisma ou o sofisma foi eu quem o fiz? Eu não entendi. A corrente deve ter caído da minha catraca.

  • Joaquim

    É que eu ando de bicicleta com rodinha.

    Deveria ter escrito “dar cursos de pobres aos pobres”.

  • http://fastosenefastos.blogspot.com/ Lelê Teles

    Outro dia, Joaquim, encontrei-me em Brasília com o Netinho do Dia de Princesa. Disse a ele, o seu programa é uma piada. Ele deveria se chamar dia de cinderela e não de princesa. O nome está errado. E olha só, quando você dá aquelas roupas e maquiagem para as suas princesas você tá dando problemas pra elas: uma semana depois a chapinha se desfaz, três meses depois as roupas desbotam, quatro meses depois elas passam a ter problemas psicológicos, lógico!

    Por que você não distribui bolsas de estudo em faculdades, por que não premia quem é exemplo de força e luta para as suas comunidades, por que não ajuda quem se esforça e precisa de um empurrão pra chegar lá?
    Ele ficou de pensar. É aquela história, ou a vara ou ensino da pesca, mas psicultura, nada.

  • http://amaieski.wordpress.com Angela Maieski

    Claro que tem caroço no angu e não é pouco. Aplaudido como herói na época, agora passou a vilão. A reportagem da revista “Veja” desta semana diz que o material recolhido pela PF no inquérito que investiga a atuação de Protógenes mostra que o delegado recorreu a métodos ilegais de investigação e que espionou até mesmo integrantes do governo Lula.

  • Bosco

    A veja disse! Fantástico não é mesmo Angela!

  • Hiro

    Poxa, análise interessante de mensagem subliminar. Muito bom.
    Abs

  • luke

    Subliminar nada, é manipulação de opinião mesmo, pura e descarada.

  • Hiro

    Bom, vc não deixa de estar certo. Mas a maioria das pessoas provavelmente passam a ter o ponto de vista “mostrado” no programa sem saber de onde ele veio.

  • Hiro

    Cara, cada vez que eu releio isso eu acho mais engraçado. A crítica é realmente fantástica. Parabéns mesmo. Precisamos de mais disso no mundo.

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