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O teatro de Kadafi. E um pensamento sobre o Conselho de Segurança e o Brasil

por Daniel Lopes (18/03/2011)

Já é tempo do Brasil mostrar em que time pretende jogar no CS

-- Sem o aval do Brasil, CS declara guerra à guerra de Kadafi contra civis --

por Daniel Lopes

A diminuição no ritmo de matança na Líbia foi o primeiro efeito positivo da aprovação pelo Conselho de Segurança da resolução impondo “todas as medidas necessárias” para a proteção de civis.

Diminuição, veja bem. O cessar-fogo anunciado pela ditadura pouco depois da reunião do CS foi pura molecagem. Seu exército regular e seus bandos de mercenários continuam atacando rebeldes nas cidades de al-Magroun e Slouq, a cinquenta quilômetros de Benghazi, e continuam avançando em direção a esta. Em Misrata, as informações são de que os ataques na tarde de hoje, que incluíram tanques de fabricação russa, mataram pelo menos 25 pessoas, inclusive crianças. Se esse é o cessar-fogo que Kadafi oferece com os aviões da ONU cada vez mais próximos, imagine como seria o cessar-fogo que ele estava reservando aos rebeldes de Benghazi para assim que tivesse invadido a cidade, no sábado.

Felizmente, os líderes por trás da resolução (Obama, Cameron, Sarkhozy) parecem não ter caído na lábia de Kadafi. David Cameron disse que o ditador será julgado por seus atos, não por suas palavras. Obama disse que os termos da resolução são inegociáveis — embora sua própria disposição de combater na Líbia seja mínima. A França diz que já está pronta para atacar as forças de Kadafi.

Permanece uma grande interrogação sobre o futuro da operação. Ficará ela restrita a proteger Benghazi? Os rebeldes não querem isso. Querem a saída de Kadafi. Se ele não aceitar se mudar de boa vontade para a Venezuela, querem sua derrubada à força. Isso porque eles querem democracia, e já ficou provado que uma Líbia acomodando Kadafi e suas crias em outro lugar que não seja a prisão ou o jazigo será qualquer coisa, menos uma democracia. Além disso, isolar uma área do país e deixar Kadafi no comando do restante lembrará o Iraque pós-Primeira Guerra do Golfo — a não derrubada do iraquiano logo após sua expulsão do Kuwait apenas prolongou a agonia do país, permitindo à ditadura se reaparelhar, voltar a torturar e matar, e se relacionar com terroristas da região. Kadafi tem que cair, de preferência não como Saddam em 2003, mas como Saddam deveria ter caído em 1991.

Enquanto isso, antes que fique tarde demais, vale um comentário sobre a votação de ontem no Conselho de Segurança. O movimento surpreendende foi a mudança, nas horas que lhe antecederam, nas atitudes de China e Rússia, de oposição dura à intervenção a um lavar de mãos meio constrangido pelas circunstância. A oposição desses dois países até o último minuto e sua abstenção na votação não foram surpresa. São potências que disputam no Oriente Médio e na África (caso da China) espaço com os EUA. Do ponto de vista delas, principalmente da China, só existe uma coisa pior do que ditaduras árabes aliadas aos estadunidenses: democracias árabes aliadas aos estadunidenses. É menos constrangedor e mais efetivo você defender regimes democráticos quando seu próprio país é uma democracia. Se Egito e outras ditaduras da região, quando forem democracias, se alinharem mais ou menos à ordem global liderada pelos EUA (democracia mais capitalismo de mercado), como o fizeram os pós-ditadura Brasil, Chile e Espanha, parte do movimento “anti-imperialista” que se alimenta das esperanças da inevitável hecatombe estadunidense (e talvez, oxalá, do capitalismo) acabará dando com a cabeça na parede.

A abstenção da Alemanha também não foi surpresa. Angela Merkel é a típica conservadora isolacionista, uma espécie de George W. Bush de saias — antes do 11 de Setembro. E as abstenções de Brasil e Índia? Como dois países que almejam presença permanente no Conselho de Segurança, resolveram não desagradar nem gregos nem troianos, não se colocando nem contra nem a favor da resolução. Desse ponto de vista, foram abstenções compreensíveis. Colômbia e Bósnia, por exemplo, votaram felizes pela intervenção, em parte, porque não têm as mesmas aspirações de Brasil e Índia.

Por outro lado, será que já não é hora do Brasil mostrar o que está disposto a fazer em uma eventual vaga permanente no CS? Especialmente quando ficamos recentemente a favor do Irã na votação de sanções, contra inclusive Rússia e China, aliados apenas à Turquia, país com as mesmas não aspirações da Colômbia.

Não sei não, acredito que já é tempo do Brasil mostrar em que time pretende jogar no CS. No time de EUA/Reino Unido e eventualmente Japão e Índia (por causa da rivalidade regional crescente desta com a China)? Ou no time de China/Rússia? Não existe “independência total” nesse campo que vai abrigar as disputas das próximas décadas. Pelo menos 51% de seu corpo pende para um lado ou para outro. Nos grandes partidos estadunidenses, britânicos e franceses existe, não obstante discordâncias acirradas quanto a alguns pontos, uma linha geral de valorização dos valores da democracia liberal. Em governos federais do PSDB, podemos ter alguma confiança que esses valores serão defendidos no Conselho de Segurança. Com o PT no governo, não temos a mesma confiança, e quem fala isso é alguém que votou em Lula duas vezes e uma em Dilma. Embora o histórico do governo federal sob comando petista na arena internacional esteja longe de decepcionante (apenas o reconhecimento do Estado palestino já valeu muito, mas muito mesmo), também não é uma coisa que se possa classificar de invejável.

Não estou disposto a torcer por um assento permanente no CS pelo simples fato de ser brasileiro. No campo da geopolítica, patriotismo acrítico, já inútil em todas as esferas da vida, é ainda mais imprestável e muito perigoso. Quero me convencer de que o Brasil, sob direção de PT e PSDB, terá grandes chances de, como membro permanente do CS, peitar gente do calibre de um Lieberman, um Ahmadinejad, um Kadafi, gente que quer para seus povos o que não queremos para o nosso. Até agora, não reuni confiança suficiente para levantar a bandeira.

Daniel Lopes

Editor da Amálgama.

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