Ode ao Biscoito

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por Fal Azevedo

Era 14 de março, estava de trabalho até a raiz dos cabelos, tinha não um, mas dois livros do Dani olhando feio pra mim ali da estante e exigindo resenha e tive que parar tudo pra processar essa novidade: o Idelber fechou o blog. Não, dessa vez ele não botou o blog pra nanar. Ele fechou o blog. Baubau.

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Quer dizer, de novo vem o Idelber me tirar do sério.

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Master Idelber. Então, que ele fazia esse blog, o Biscoito Fino e a Massa. Uns textos sobre futebol. Pra mim, chatíssimos, né, que acho futebol chatíssimo. Quem ama futebol, venerava os textos do Idelber. E eu lia cada um daqueles textos, do começo ao fim, detestando o futebol, não dando a mínima pra que diabo fez o Guarani, mas amando aquele entusiasmo desvairado. E os textos, claro. Lindos textos, tremendamente bem escritos. Sobre futebol, valha-me, mas lindos. Uns textos cacete sobre política, porque, ahhhww, política partidária neste porto tropical me torra o saco. E sabe o quê? Eu lia aqueles textos sobre política do começo ao fim. Concordando, não concordando, dizendo baixinho que ele era um gênio, gritando pra minha mãe “Ouve o que esse cretino disse agora, mã!”, eu lia. Porque o Idelber tem isso: você lê. Puta da cara ou amando loucamente, você lê aquele texto bem construído, bem ligadinho, bonito, fluido e fica passada. Você não concordou com uma linha dos 400 parágrafos, mas o texto arrebata você. Ou você concorda com tudo e quer mandar tatuar na testa e ainda assim, no meio da crise de paixonite, o texto é tão bem feito, que permite a você distanciamento suficiente para dizer: que puta texto.

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Mas vai daí que não são uns textos flutuando no espaço, né, os textos eram o Idelber. Era ele ali. E concordando ou não, você tinha que dizer: esse cara tem coragem. A coragem das próprias convicções. Gosto de gente assim, sempre gostei. Gostei de ler o Biscoito desde o começo, por isso, sempre foi assim. Se o Idelber acha que é azul, ele acha que é azul e sai da frente.

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Ele vai fazer falta, ele, os muitos eles que são o Idelber, fazem falta na minha tela mesmo quando estão lá. Imagine quando não estão. O Idelber cego pelas causas. O Idelber resmungão (meu favorito). O Idelber noveleiro, o Idelber boboca.

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Mais do que o boleiro ou adorador do PT, tem o Idelber crítico literário. Tremendo, tremendo. O Idelber escritor. Sensacional (Alegorias da Derrota é meu livro-totem há tantos anos). O Idelber queridinho.

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Quando fui falar num bendito encontro literário em Beagá, Idelber e Ana foram ouro sobre o azul comigo. Eu estava apavorada. Apavorada tipo, tendo crise de choro no banheiro, e eles não foram nada menos que uns amores. Quando meu marido morreu, Ana disse as coisas mais lindas, Idelber disse as coisas mais lindas. Sempre senti falta desse Idelber no blog. Sempre. Não é o estilo dele e meu marido adorava o Biscoito exatamente por isso (‘Bi, isso é blog de macho’, dizia meu doce Alexandre), mas eu sempre senti falta do Idelber-Idelber no Biscoito. Me fazia falta ler sobre o Idelber. Compras no supermercado, se os filhos tinham ligado, que-que ele usa no cabelo. Porque eu sou esse tipo de leitor. Quero saber a marca do chá do cara e se ele tem medo de trovão.

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O que mais lamento não é a perda do blog. É de saber do Idelber. Ele é o blog. Já mandei e-mail dando dura, mas qual, ninguém me obedece nessa blogosfera.

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Nunca tive saco pros discursos, pras brigas e pras intrigas palacianas do Biscoito Fino e, caras, aquilo era um vendaval de emoções. O pau tava sempre cantando. Nunca tive saco nenhum pros comentaristas-salvadores-do-mundo que apareciam por lá, aqueles seres superiores que não peidam, e acho a educação do Idelber com a grande maioria, por si só, uma demonstração de educação que vi poucas vezes na vida. Por outro lado fiz grandes, grandes amigos ali na meiuca dos comentaristas do blog dele, pessoas parecidas comigo, pessoas diferentes de mim, pessoas queridas, que Idelber me deu de presente.

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Nunca li um texto do Idelber sem concordar e discordar, às vezes no mesmo parágrafo, às vezes na mesma frase. Nunca.

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Já fiz parte duma mesa literária com ele (com muito orgulho), duma mesa de bar (mais orgulho ainda), já abracei o Idelber, ri das piadas dele e sempre admirei a construção do pensar dele, a forma como ele concatena as ideias, a fúria com que ele defende as coisas que defende (já me apavorei também, com essa mesma fúria, e dei um passo para trás, e é assim mesmo, quando a gente ama).

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Sinto e sentirei falta do amor adulto que o Idelber desperta em mim. Esse tipo tão raro de admiração de parte a parte, que diz: “Nós não concordamos o tempo todo e se na mesma cidade estivéssemos, capaz que eu desse com o cardápio na sua testa depois da batatada que você disse, mas nós nos gostamos e está tudo bem”. Tipo estranho de gostar esse, porque é seu primeiro e mais infantil gostar: seu irmão. É só pro seu irmão que você pode dizer as coisas mais terríveis e ouvir as coisas mais assombrosas e seguir amando e sendo amado. E descobri agora, velhinha, que é também o amor da maturidade.

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Meses depois de o Alexandre morrer (ou anos depois, vivo num mundo completamente a parte, meu tempo é diferente do tempo do planeta), empacotei uns livros dele pro Idelber. Todos os livros de futebol do Alê. E o livro que ele tinha no criado-mudo, bem ao lado da cabeça dele, no momento em que morreu. Uma edição capenga de Moby Dick, nosso livro preferido. Pareceu tão, tão correto, que os livros do Alê, os livros que ele mais gostava, fossem parar nas mãos do Idelber. Ainda parece.

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E se vocês querem saber, assisti muita sessão da tarde, li muito livro da Alcott e, por isso, carrego aquela esperança tola no coração, aquela fantasia adolescente, de que o Idelber vai aparecer a qualquer momento aqui no umbral do meu Apart Hotel do Conde Drácula, com uma rosa entre os dentes, usando uma daquelas batas malucas, blogando de novo, prontinho pra me irritar. Se ele lesse esse treco, riria das minhas fantasias burguesas decadentes, claro, mas não ligo. Sou grata a todas as vezes que tive que espanar o pó dos neurônios pra concordar com ele ou que tive que dar todinho pros meus pobres neurônios pra discordar dele. Sou grata a toda a leitura à qual ele me obrigou, dele, dos textos de referência, dos comentaristas, de outros blogs. Amar o Idelber foi, e é, um exercício de inteligência (no meu caso da pouca inteligência que tenho), todos os dias. E a gente ama. Simplesmente.



  • http://catapalavras.blogspot.com Adrina

    Que declaração de amor linda. Uau.

    • fal

      O Master, né Adrina, o Master merece.

  • http://agora.opsblog.org Ricardo C.

    Carajo, Fal, me encantó, é você e o Idelber, escarrados de tão aí.
    Beijos mil pros dois — e um milhar pro Daniel, o editor-mais-demiurgo-e-ateu desta blogosfera brasuca.

    • fal

      besitos, Ricardo.

  • http://educarparaomundo.wordpress.com Deisy Ventura

    Que protesto delicioso ! Pavê mesmo essa ode ao biscoito :)

    • fal

      Ô Deisy, beijucas.

  • Idelber

    Fal: Algum dia, numa mesa de bar, vou lhe dizer por que este texto chegou numa hora tão especial. E chegou arrancando lágrimas. Porque eu sabia, claro, que no fundo você achava aqueles textos de política um pé no saco–na verdade, eu nem sabia que você os lia–e que o futebol não era sua praia. Mas, como você, eu escolho minhas afinidades menos pelo ponto do vista do texto ou pelos assuntos tratados, e muito mais por aquele “plus” que a gente vê no escrito: paixão, entrega, caráter, convicção, bom humor (este último tão maltratado nestes tempos). Por isso posso dizer, apesar da diferença de estilo dos nossos blogs: me espelhei em você, aprendi com você, “copiei até o descarado e devoto plágio”. Se há duas memórias que nunca me deixarão deste período de blogagem, serão o email que recebi de Alexandre na véspera da sua ida a BH (o email mais lindo que recebi na vida) e o seu gesto de me escolher como destinatário dos livros dele sobre futebol.

    O amor é recíproco. Obrigado, Fal, muito mesmo.

    • fal

      Master, como eu disse no e-mail, em nossos corações. Que venha logo essa mesa de bar.

  • http://www.biajoni.com.br Biajoni

    mais que mestre, luz na internet. farol da blogosfera.

    • fal

      hahaha, Bia, seu cachorro.

  • Pingback: A Fal e o fim do Biscoito « Duas Fridas()

    • fal

      Bah, é tããaão phino aparecer no Fridas, meu bom Deus.

  • MarcosVP

    Belo texto, Fal. E ligue não. O biscoito fechou mas o Idelber não aguentou dois dias de abstinência no buzz, facebook e twitter…:-)

    • fal

      Marcão, minha esperança é essa. Conto com a fraqueza moral do Idelber, hahaha!! Beijocas, lindo.

  • Ignez

    Tô lendo tudo sobre a Libia, o Japão…mas não resisti quando vi que era sobre o “Biscoito Fino”. Eu o descobri um pouco tarde, mas desde que descobri fiquei imantada. “De repente, não mais que de repente” ele se foi. Agora, só te lendo… Pelo menos você é um pedaço do Idelber, pelo que senti.

    • fal

      Ô Ignez, sou só mais uma fã e seguidora fiel. Mas ser um prazer saber de vc, aqui e no Drops. Beijos, boa semana.

  • Glau

    eu sempre me emociono contigo, Fal.
    Master Idelber será sempre Master.
    beijo e obrigada pelo texto!

    • fal

      Sempre será, Glau, querida. Beijos em vc.

  • Ana Manga (ex-soturna)

    Desde o tal bendito encontro literário em Beagá – um dos divisores de água dessa minha vidinha – que eu te amo desse jeitinho aí que vc ama o Idelber. Se vc parasse de blogar, como por uns diazinhos de luto eu cheguei a temer que vc pararia, nem sei. De repente, lendo vc lamentar a despedida do Idelber, fiquei muito grata porque vc bloga. Don’t wanna take it for granted. E amo mesmo, simplesmente =)

    • fal

      Ana, sua linda. Tou aqui, frô, e lá no Drops. E com vc no coração. Tao bom saber que vc taí. :o) beijos grandes, grandes.

  • Pingback: Ode ao Biscoito – Milton Ribeiro()

    • http://www.dropsdafal.blogbrasil.com fal

      beijos, Miltão

  • Pingback: Sul 21 » Ode ao Biscoito()

  • Bosco

    Conhecí o biscoito através do index do Daniel Lopes, ele já estava desativado, mas mesmo assim procurei ler os textos do blog. Quando ele voltou, fiquei muito feliz, registrei a minha alegria no biscoito. Acho que foi o Daniel que avisou no index. A volta do biscoito foi a melhor notícia do ano. O Fim do biscoito foi a pior notícia do ano. Foi uma grande alegria a notícia do fim da hibernação, e uma grande tristeza o fim das postagens.

    Será que volta um dia? Se o Idelber podesse entender o bem que o blog dele faz nas pessoas mais simples que o acessam, quem sabe ele encontrasse uma maneira de está novamente conosco!

    Valeu Idelber. Muito obrigado pela sua ótima cachaça que bebí, até breve.

    • http://www.dropsdafal.blogbrasil.com fal

      Ô Bosco, tomara. :o)

  • http://www.mantech-am.com.br Cynara

    Queria saber colocar meus sentimentos em palavras…assim desse jeito.Lindo!

    • http://www.dropsdafal.blogbrasil.com fal

      Cy, todo um amor pelo Idelber, né? Besuca.

  • K.

    Emocionante ! Não sei sou eu que choro à toa ou se sua homenagem e a resposta do Idelber é que foram de arrepiar.

    • http://www.dropsdafal.blogbrasil.com fal

      Ô Querida, beijos grandes.

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