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O pedido de ajuda dos líbios e o receio de que ela ocorra

por Daniel Lopes (12/03/2011)

Quem deu destaque aos pedidos de não-intervenção, agora se cala diante dos pedidos de intervenção

-- Kadafi. O coronel avança impiedosamente, mas há sério "risco" de intervenção --

por Daniel Lopes

Ainda não acredito que as nações responsáveis deixarão Kadafi esmagar Benghazi, cidade-base da oposição líbia. É difícil até de imaginar isso ocontecendo. Mas não custa nada continuar passando adiante o pedido de socorro dos líbios.

Jalal Tuwahni, morador de Benghazi, diz ao Guardian: “As pessoas sabem que se ele [Kadafi] voltar [ao controle da cidade], todos morrerão. Todo mundo em Benghazi tem algo a ver com essa revolução. As mulheres saíram às ruas. Seus filhos juntaram-se à revolução.” Reporta o jornal britânico: “O desapontamento se transformou em raiva diante da inversão na situação militar dos últimos dias e a relutância das nações com capacidade de fazê-lo em responder às demandas dos rebeldes para a imposição de uma no-fly zone para derrubar os bombardeiros de Kadafi, ou mesmo para ataques aéreos.”

Rebeldes batendo em retirada de Ras Lanuf também pedem para a ONU impôr a zona de exclusão aérea. E a Liga Árabe, que se reuniu neste final de semana no Cairo, aderiu à ideia. Por fim, confiram as esperanças das mulheres de Benghazi, nesse vídeo da Al Jazeera. O que aconteceria com essas pessoas se os bandidos de Kadafi chegassem até a cidade?

Agora vejam que engraçado. Aqueles seres entre nós que militam por um mundo melhor, e que antes espalharam com estardalhaço os pedidos de não-intervenção que vinham da Líbia (quando os revoltosos ainda contavam com uma queda relativamente rápida de Kadafi), agora dão pouco ou nenhum destaque aos pedidos de intervenção como os que acabamos de citar. Ou citam um deles apenas para mostrar seu menosprezo. No Vermelho.org, site que se diz da “esquerda bem informada”, noticia-se que “o cerco imperialista à Líbia” se amplia. Na primorosa notícia, descobrimos que a Liga Árabe, quem teria imaginado, age como quinta coluna do Ocidente. Como alguém ainda pode acreditar quando essa gente se diz preocupada com as aspirações dos povos oprimidos?

Mas não precisamos ficar citando e lincando artigos de sites do nível desse do PCdoB. Vamos à edição da semana passada da Carta Capital, talvez a melhor revista brasileira. Antonio Costa nos ensina que o maior risco para a Líbia “é uma intervenção direta dos EUA”. É preciso considerável disposição para inverter prioridades para elevar um cenário pouco provável a um possível pesadelo e gastar todo um texto com ele. Primeiro, removendo as lentes da ideologia tacanha é possível ver que o maior risco para a Líbia é os açougueiros de Kadafi derrubarem Benghazi e partirem para o acerto de contas com os opositores de todo o país. Segundo, França e Reino Unido, como sabemos, estão mais dispostos do que os EUA a cometerem a imprudência de atacar as forças de Kadafi — no início do mês, o secretário de Defesa dos EUA criticava o “loose talk” dos britânicos. Uma intervenção na Líbia, se ocorrer (como agora torcem os rebeldes), dificilmente será como uma “intervenção direta dos EUA”. O país de David Cameron não aparece na referida reportagem. “China” também não consta. “Rússia” aparece, mas no contexto de 1848. É sempre bom um pouco de história, mas não custava lembrar que, se a intervenção na Líbia for menos global, será porque um desses dois países (ou ambos) terá bloqueado uma resolução no Conselho de Segurança.

O jornalista diz que “na Líbia, os rebeldes falam como seculares, mas ao mesmo tempo rejeitam a intervenção do Ocidente em sua guerra civil”. Isso já não era verdade quando a revista foi às bancas, e agora o é muito menos. Pode ser que a maioria rejeite tropas estrangeiras em solo líbio, mas já faz uns dias que o líder da oposição pediu no-fly zone e ataques às forças da ditadura, pedido que só fez aumentar desde então. Mas eis outro termo, “no-fly zone“, que não aparece na Carta Capital. “Dado o histórico do Iraque”, lemos, a intervenção “dos EUA” é possível. Vejam bem, não o Iraque das no-fly zones que não deixaram Saddam acabar com os curdos, mas o Iraque da “intervenção direta” estadunidense. Então é os líbios por si mesmos ou intervenção direta de Obama? É reduzir demais as opções!

Na edição atual da revista, quem escreve sobre a Líbia é Gianni Carta.

Na última Carta que eu havia comprado, do início do ano, Antonio Costa dá um jeito de criticar os Estados Unidos até mesmo numa matéria sobre a matança de cristãos pela Al-Qaeda no Egito, na virada do ano. Escreveu ele:

Ao contrário do Egito de Sadat e Mubarak, o Iraque de Saddam Hussein tratou muito bem sua minoria cristã, tanto que teve como segunda figura mais importante do regime e o vice chanceler Tariq Aziz, cristão de rito caldeu. A invasão estadunidense deflagrou, porém, os ódios sectários e os cristãos tornaram-se, também ali, bodes expiatórios, apanhados no fogo cruzado entre fundamentalistas sunitas e xiitas. O ramo local da Al-Qaeda atacou a catedral católica siríaca de Bagdá em 31 de outubro e deixou 58 mortos.

Ah!, que pérola para se guardar sobre os males do imperialismo. Mas é sempre bom um pouco de história. Que tal o tratamento de Saddam a outra minoria, a curda, com vilas inteiras dizimadas com armas químicas? Que tal as covas comuns que ele reservou à maioria xiita? Como era bom nosso ditador. Tariq Aziz, claro, pôde provar dessa bondade quando Saddam arranjou para que seu filho fosse sentenciado em 2001 a 22 anos de prisão; desde então ele passou a ser solto e reconduzido várias vezes aos confortáveis cárceres iraquianos, para que o pobre Aziz, em suas negociações no exterior, nunca esquecesse quem era que mandava no Iraque. Aí os EUA vieram para trazer o ódio entre as distintas correntes.

Se a Al-Qaeda continuar no mesmo ritmo ou intensificar a matança de cristãos no Egito democrático, por favor lembremos de pôr a culpa não numa organização que precisa ser esmagada, mas naqueles responsáveis pela derrubada da ditadura e pelo possível relaxamento na guerra aos extremistas: os democratas egípcios. Da mesma forma, se uma coalizão de países ajudar os líbios a derrubarem Kadafi — por meio de zona de exclusão aérea, ataques a forças do ditador ou doação de armamentos e informações aos rebeldes — e, no futuro, a presença da Al-Qaeda crescer no país, preparem a caneta para escrever que, ao se sujeitarem ao imperialismo, os líbios pediram pela desestabilização e o terrorismo. Quem não tiver estômago para tanto, pode simplesmente culpar a derrubada dos talibãs no Afeganistão.

Daniel Lopes

Editor da Amálgama.

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