A sexta e última aventura da série Kenzie-Gennaro, de Dennis Lehane, não é sensacional, mas é boa.
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"Estrada escura", de Dennis Lehane
A vontade de ler o último livro do Dennis Lehane, Estrada escura, surgiu no instante em que recebi no e-mail a newsletter com a notícia do lançamento, enviada pelo site do autor. Sou fã de Patrick e Angie desde o início. Me apaixonei pelo primeiro livro, sofri com os personagens no segundo e terceiro, gostei um pouco menos do quarto e me decepcionei com o quinto (o penúltimo). Havia me dado conta de que havia uma estrutura repetida, e que nem sempre ela funcionava. Ainda assim, me interessei pela sexta história com a dupla assim que ela foi anunciada, sem nem saber de que se tratava.
Esperei sair a edição pocket em inglês; achei a versão normal muito cara. Esperei tanto que foi o tempo de dois amigos lerem o livro e me dizerem que era péssimo. Desanimei. Devia ser a estrutura repetida, a fórmula, o Lehane de sempre. Muitos autores de policiais americanos perdem o encanto quando sucumbem a uma fórmula que se repete em todos os livros. É o caso do Michael Connelly. Pensei que fosse o caso do Lehane. Afinal, era uma questão de voltar aos livros anteriores da série — aqueles que eu adorei — e perceber a estrutura: começa uma investigação, o problema cresce, os detetives correm riscos, a investigação é abandonada, o tempo passa, alguma coisa acontece para que a investigação seja retomada, algo terrivelmente trágico acontece (clímax!) e vem uma resolução mais ou menos satisfatória.
Isso, claro, para os livros da série Patrick/Angie, já que os outros são um pouco diferentes. Veio então a oportunidade para essa resenha e pensei que, enfim, vamos ver no que isso deu.
Lehane continua Lehane, no melhor sentido possível. Patrick ainda é um dos meus personagens favoritos da literatura policial: essa raiva de classe reprimida, que é dele e da Angie, revelada nos comentários os mais impertinentes nos piores dos momentos. Ela os coloca no mesmo lugar daquele detetive clássico americano, nascido com a literatura hard boiled: o detetive que não tem lugar nem com a lei nem com o crime. Todos têm interesses próprios, todos têm interesses que não são os dele. E nem poderiam ser. Esse detetive clássico é movido por uma vontade de justiça impossível, quase ingênua. Por isso me encantam o Patrick e a Angie. Eles são tão terrivelmente ingênuos, e, ao mesmo tempo, tão acostumados e tão à vontade nesse mundo sujo da criminalidade.
Neste livro isso fica mais evidente: faz algum tempo (uns dez anos) desde a última narrativa, eles têm uma filha de quatro anos, Angie está estudando e Patrick trabalha como detetive numa agência grande — trabalha para o interesse dos outros, para os interesses que ele não é capaz de compartilhar. Voltar ao campo de batalha e chegar em casa depois de levar uma pancada com uma barra de ferro na cabeça era tudo o que ele precisava: para perceber o quanto sentiam falta daquilo e o quanto a vida que levavam estava toda errada, mas também para perceber que insistir no campo de batalha não é vida.
A estrutura repetida não acontece. A narrativa se passa em um tempo curto, assim como também é curto o tempo que têm para resolver o problema sem que nada de ruim aconteça à filha deles. A trama é bem construída, mas talvez bem construída demais. A engenhosidade da personagem Amanda McCready — a mesma menina que desapareceu no quarto livro da série, Gone, baby, gone, e que volta a desaparecer neste livro, desta vez aos 17 anos de idade –, embora convincente e coerente, levanta suspeitas lá pelo meio do livro. Pensei: ele está levando a narrativa para esse caminho, e se ele fizer isso, o final pode ser um pouco decepcionante.
Dito e feito. Estava tudo lá, desde o começo, nas entrelinhas. Um livro engenhosamente planejado para um final coerente e lógico e correto, de amarrar todas as pontas soltas, mesmo as mais improváveis, mas mesmo assim um final que… enfim. Puxa. A gente fica sem nem saber o que fazer com todo aquele sangue.
Ora, não vou contar o final. O livro não é sensacional, mas é bom: Patrick continua o mesmo, prestando atenção nos mais estranhos detalhes, indignado com tudo e todos e sem entender que é essa indignação que o impede de participar desse mundo que ele despreza — mas que é o mundo do seguro de saúde e da boa escola que sua filha merece. Melhor ainda é que Angie não é nem um pouco mais sensata, e resta a ele fazer o papel do homem sensato que não é. Entendo a necessidade do autor de dar aos leitores a oportunidade de se despedirem desses personagens de forma decente. Entendo que os dois estivessem talvez enlouquecendo o pobre do Lehane, ansiosos por outro caso que valesse a pena. Justo, muito justo. Porque o livro é isso: uma despedida, com ameaças de morte e bastante sangue, mas uma despedida merecida.
Por esse motivo, talvez, o final fácil.
O final decepciona, mas não estraga. É leitura rápida, de fim de semana, e aos fãs da dupla vale a pena. Quem não conhece, talvez queira conhecer primeiro. Encarar um ou dois dos cinco primeiros livros, principalmente o primeiro e o terceiro. E depois tirar um pouco de férias do Lehane, porque aquele terceiro livro (Sagrado) é de matar.
Por ora, o Lehane ainda não se superou: construiu mais uma boa história, mas não conseguiu deixar aquela sensação de Meu deus que mundo é esse em que vivemos, como ele fez tão bem na segunda e na terceira narrativa da dupla.
::: Estrada escura ::: Dennis Lehane (trad. Fernanda Abreu) :::
::: Companhia das Letras, 2012, 336 páginas :::
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