Pela igualdade de oportunidades

Para a oposição, a questão fulcral é mostrar que, com um modelo que só consegue redistribuir renda, não se consegue ampliar a riqueza de modo satisfatório.

Bolsa Família

Chegou a hora de garantir ao brasileiro algo além da distribuição de renda coordenada e parida apenas pelo Estado. É preciso estimular o empreendedorismo, o trabalho, a geração de renda e riqueza, individual e coletivamente, promovendo educação e saúde de boa qualidade, por meio da construção de um Estado mais justo, transparente e respeitador do dinheiro público, por meio de um mercado mais livre, produtivo e próspero. Eis um discurso progressista para uma oposição com coragem de defender alternativas sérias ao petismo.

O economista e prêmio Nobel Amartya Sen defende a “liberdade como igualdade de oportunidades”, isto é, a liberdade como sendo constitutiva e, ao mesmo tempo, objetivo último dos processos de desenvolvimento econômico e social. Não há sentido algum em promover a liberdade que ignore a desigualdade, a pobreza, a miséria humana, assim como não há progresso econômico, de fato, se para atingi-lo for preciso prescindir da garantia primordial da liberdade.

Em outras palavras, um cidadão livre é um cidadão que, potencialmente, pode tornar-se pleno em seus sonhos. Homens e mulheres têm de ter liberdade para concretizar os seus anseios, suas pretensões e objetivos de vida. É dever do Estado garantir que as pessoas possam dedicar-se ao estudo ou ao esporte, à vida reclusa ou à religião, a atividades filantrópicas ou ao plantio para subsistência, a escrever artigos para um blog ou à criação de um produto novo para ofertar, no mercado, através de seu próprio negócio. Trata-se de uma visão nova sobre o desenvolvimento, que ultrapassa a visão distributivista ou focada, apenas, na ampliação do Produto Interno Bruto.

O Projeto Sonho Brasileiro, pesquisa organizada pela Box1824, concluiu que 28% dos jovens brasileiros com 18 a 24 anos, ao final de 2010, tinham dois grandes sonhos para o Brasil: “respeito e cidadania” (31%) e “oportunidade para todos” (28%). O resultado da pesquisa converge exatamente para o programa social-democrata pautado na igualdade de oportunidades, que deveria ser abraçado e defendido, diuturnamente, pela oposição e por suas novas lideranças.

Política é construção contínua, é comunicação e articulação, é proximidade e empatia. Política é o exercício do convencimento fundamentado em valores, projetos genuínos, que sejam fruto de ideias bem acabadas, estudadas e que possam ser transmitidas às pessoas de maneira simples. Não há outro motivo para ser político, a não ser a motivação de ajudar a promover mudanças que possam melhorar a vida da coletividade. É a política o instrumento que todos temos às mãos para promover o bem-estar social, através da construção contínua do Estado, isto é, da instituição máxima, para qualquer nação, porque é capaz de garantir o bom funcionamento dos mercados, a elaboração de políticas públicas de qualidade e a execução, enfim, dos objetivos maiores fixados pelos cidadãos, através das leis e da Constituição (ver Bresser-Pereira, Construindo o Estado Republicano, 2009, Editora FGV).

Temos, assustadoramente, deixado de pensar sobre nós mesmos, enquanto indivíduos e enquanto parte da coletividade, do País, da nação. Estamos, de certa forma, anestesiados pela conquista da consolidação democrática, do controle da inflação e dos positivos resultados promovidos no campo da distribuição de renda ao longo dos governos FHC, Lula e Dilma. Mais do que isso, ganhou força, entre os brasileiros, a ideia de que, há 10 anos, com a chegada do petismo ao poder, o país teria passado a superar seus dilemas, definitivamente, tornando-se, hoje, livre para crescer e distribuir renda de maneira acelerada. Um equívoco que, se alimentado, torna-se grave para o futuro do processo de desenvolvimento nacional.

Envergonhada, a oposição escondeu os seus feitos, como se tivessem sido ruins, como se os fatos correntes não fossem resultantes das mudanças que promoveu, em seus anos de poder, como se tudo tivesse começado com o PT, que passou a repetir esse argumento à exaustão, até transformar-se em verdade para boa parte da população e dos formadores de opinião. Era o papel deles. Cumpriram-no integralmente e fizeram valer sua visão sobre a economia, a política e a sociedade.

Agora, com a deterioração do modelo econômico intervencionista dos governos do PT, a oposição ganha nova oportunidade para acertar, caso opte pelo único discurso capaz de devolver-lhe a dignidade e, com muito empenho e um pouco de sorte, a presidência já em 2014.

Não é verdade que o Brasil não tenha avançado, nos últimos anos, do ponto de vista do desenvolvimento econômico e social. Entre 1994, primeiro ano do Plano Real, ainda no governo Itamar, e 2011, o PIB brasileiro por habitante (o PIB per capita) expandiu-se 184,3%, já descontando a inflação, tendo atingido R$ 21.254 ao final do período. Trata-se de patamar ainda muito baixo, quando comparado à média dos países desenvolvidos, mas avançamos. No campo da redução da desigualdade de renda, conforme medida pelo índice de Gini, também houve sucesso, com redução de cerca de 13% no mesmo período.

Há que se perguntar: será que tal processo constituiu-se no seio de uma visão garantidora e promotora da liberdade? Caso não tenha sido, a persistência da visão contrária, isto é, da visão que prescinde de liberdade, em prol da igualdade, tenderá a levar o Brasil para qual destino? Amartya Sen defende que não basta garantir a liberdade individual para que se consolide o desenvolvimento amplo, gerador de oportunidades para os indivíduos e para a coletividade. A liberdade de fazer escolhas, de fazer trocas (isto é, a garantia do bom funcionamento dos mercados), de participar da vida política do país, de ter acesso a políticas públicas de boas qualidades é pré-requisito fundamental.

Mas o Brasil ainda titubeia em galgar um passo mais audacioso, no campo da liberdade, que é a busca de maior igualdade de oportunidades. O desenvolvimento tem de permitir que os mais pobres tenham, cada vez mais, as mesmas chances dos mais ricos de prosperar, de acessar boas escolas, de ter bons serviços de saúde, de garantir que não será morto ao sair de casa e caminhar por ruas inseguras, marcadas pela ausência de políticas públicas adequadas, marcadas pela total privação de liberdade. De saber que, se desejar, poderá abrir o seu negócio, comprar uma casa própria, caminhar com as próprias pernas, enfim, incentivado, apoiado e amparado em um Estado eficiente, propulsor do desenvolvimento de fato.

Os governos do PT, com elevados nível de aprovação, têm promovido a igualdade de renda, através de mecanismos diretos de transferências de recursos, marcadamente, por meio do Bolsa Família. Discute-se a paternidade do projeto, mas este não é o ponto central. A questão fulcral é mostrar que, com um modelo que só consegue redistribuir, com todos os benefícios que a distribuição de renda carrega consigo, não se consegue ampliar a riqueza de modo satisfatório. Um discurso efetivamente “de oposição” precisaria apontar para a necessidade de tornar o Brasil um país verdadeiramente rico, e não apenas mais igual.

Essa prosperidade ou essa riqueza não são medidas, unicamente, em poder aquisitivo, em bens materiais e posses. Elas têm de ser medidas em termos de serviços acessados pelo cidadão, em qualidade e quantidade, de educação promovida pelo Estado, de capacidade do poder público em unir-se à iniciativa privada no fortalecimento dos mecanismos de mercado, e não em sua fragilização e, talvez principalmente, em termos do quão capaz é o Estado em tornar factível o sonho dos brasileiros. Seja o sonho de abrir seu próprio negócio, isto é, de empreender, seja aquele de ter um bom emprego, de estudar, formar uma família e dar vida digna aos seus. Um país que quer crescer não pode depender de grandes empresas campeãs embaladas no colo do BNDES e do Tesouro Nacional, isto é, do resto da sociedade, que financia a empreitada dos ditos campeões.

O desenvolvimento tem de ser um processo que dependa de todos e seja capaz de servir a todos. Apoiados de maneira adequada pelo Estado e estimulados por um mercado aberto, forte e profícuo, os brasileiros poderão ser incentivados a tomar a decisão de investir, de abrir uma padaria, uma loja de roupas, um escola, um teatro, uma fábrica de cosméticos, enfim, de realizar o seu sonho. A prosperidade, portanto, seria, aqui, entendida como algo muito além da partilha de receitas e rendas, pelo Estado, com expansão de sua participação na economia e consequente expulsão do setor privado. A prosperidade passa pela capacidade do Estado em propiciar a possibilidade de crescer, de prosperar, de ter seus direitos garantidos, de caminhar com suas famílias pelas ruas sem o medo de ser assaltado, de olhar para o conterrâneo e não enxergar, como enxergamos, hoje, homens e mulheres sem casa, sem comida, sem dignidade, sem esperança.

Queremos olhar para os lados e enxergar algo novo, algo realmente novo, um país que prospere e que, com a expansão das oportunidades e a verdadeira inclusão de mais e mais pessoas às benesses das riquezas geradas pelo país, o faça crescer, desenvolver-se e tornar-se, em última análise, mais justo socialmente e próspero economicamente. Chegou a hora de um discurso novo, chegou a hora da igualdade de oportunidades como motor do desenvolvimento inclusivo, que seja capaz de preservar a liberdade individual e promover a expansão econômica, a riqueza e o progresso para todos os brasileiros e não para os agraciados com as bênçãos da amizade do rei.



  • João

    “Entre 1994, primeiro ano do Plano Real, ainda no governo Itamar, e 2011, o PIB brasileiro por habitante (o PIB per capita) expandiu-se 35,6%, já descontando a inflação, tendo atingido R$ 21.254 ao final do período”.

    Pelas séries do Ipea Data, o PIB per capita cresceu mais que nove vezes nesse período. Eu realmente não entendi o 35,6%.

  • André

    Não entendi, a mixaria (em % do orçamento) do Bolsa Família é que atravanca o desenvolvimento? Os amigos do rei são aqueles miseráveis que recebem cem reais de BF do estado?

  • http://blogdosalto.wordpress.com Felipe Salto

    Prezado João,

    Você está com a razão, o PIB per capita de 2011 equivale a quase 9 vezes o PIB per capita de 1994, em termos nominais, isto é, sem descontar a variação dos preços. Quando descontamos a inflação, a relação cai para 2 vezes, isto é, um aumento de 184,3% e não de 35,6% como está no texto. Já solicitei ao editor que corrija o número e agradeço pelo seu comentário.

    Abs,

    Felipe Salto

  • http://blogdosalto.wordpress.com Felipe Salto

    André,

    Os amigos do rei são os poucos agraciados com os bilhões de reais que foram injetados, pelo Tesouro, no BNDES. Sou favorável ao Bolsa Família. Não sei de onde você tirou a relação de causalidade acima exposta em seu comentário, que evidentemente refuto.

    Abs,

    Felipe Salto

    • André

      Ué, num artigo crítico aos gastos do governo, diz que eles atravancam o crescimento, põe uma foto de uma das amigas do rei com cartãozinho do BF em destaque, critica o BF por um problema que ele não se propõe a solucionar, a sigla BNDES só aparece no finalzinho (quando deveria ser o grande tema de discussão), qual leitura você esperava do seu texto?

      • salvador

        Quem costuma LER o texto em vez de só ver as figurinhas entendeu que o benefício da foto é útil como redistribuição de riqueza, mas não basta para o desenvolvimento.

        • André

          Eu li o texto, bebê! Mas figurinha também é comunicação, muitas vezes ela diz mais sobre o texto que o próprio texto.

  • http://blogdosalto.wordpress.com Felipe Salto

    Prezado João,

    Sendo mais preciso na minha resposta anterior, leia-se 2,8 vezes, no lugar de 2 vezes, e 9,5 no lugar de 9.

    Abs,

    Felipe Salto

  • João

    Disponha, Felipe.

  • Rogério

    Gostei do texto principalmente porque acredito que é o momento de ampliar o debate sobre as soluções para a nossa sociedade. Realmente a política assistencialista do PT não pode ser vista como uma solução de médio e longo prazo, mas serve perfeitamente como um paliativo para o combate a pobreza. A justificativa “Quem tem fome tem pressa” cabe muito bem a iniciativas como o bolsa família e outras formas de transferência de renda do mesmo gênero, mas não podemos parar por aí. Precisamos pensar num projeto político que seja sustentável a longo prazo, que seja capaz de gerar riqueza. Porém não podemos mais aceitar aquela velha máxima de que “é preciso fazer crescer o bolo para então dividir as fatias”, a produção de riqueza deve estar aliada ao combate a desigualdade, como citado por Amartya Sen, o desenvolvimento deve ampliar o acesso as oportunidades e dessa forma garantir uma verdadeira ampliação no sentido de liberdade.

  • http://blogdosalto.wordpress.com Felipe Salto

    Prezado Rogério,

    Grato pelo comentário. Concordo com boa parte do seu comentário. Este é o caminho: tomar medidas que permitam ampliar as taxas de crescimento, mas que paralelamente garantam uma maior eficiência do Estado na provisão de bens públicos de qualidade, com serviços que efetivamente permitam ampliar o bem-estar social.

    Um abraço,

    Felipe Salto

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