“Dias Perfeitos”, de Raphael Montes. Ou “Clarice no Mundo dos Horrores”
Comentário sobre o livro e breve entrevista com o autor.
Antes de falar sobre Dias Perfeitos é preciso dizer que: 1) sou amigo do autor; 2) acompanhei o processo do desenvolvimento da ideia até a edição do texto. Assim, não tenho qualquer isenção. Dito isso – e passando ao que interessa –, posso dizer: puta livro!A essa altura, o leitor deve ao menos ter ouvido falar de Raphael Montes, que publicou seu primeiro romance, Suicidas, finalista em vários prêmios, aos vinte. Dotado de grande carisma e convicto do seu talento, Raphael surfou sobre o sucesso do livro, fazendo contatos, amizades, vendendo o seu peixe. Chegou, assim, a uma das mais importantes agentes literárias do país, Luciana Villas-Boas; à maior editora do Brasil, a Companhia das Letras; e participou de eventos literários se colocando como uma espécie de porta-voz da literatura policial brasileira. Aos vinte e três anos, é nesse cenário que Raphael publica o livro novo.
Dias Perfeitos, porém, não pode ser chamado de “policial”: está mais para a literatura de horror. Suicidas tinha uma investigação na trama, o que justificava a categorização, mas Dias Perfeitos é outra coisa: é a história da obsessão de um jovem médico, chamado Téo (mas que bem podia ser Tom Ripley), por uma garota, Clarice, aspirante a roteirista – e mais não é bom dizer para não estragar o que esse tipo de literatura nos desperta.
Posso dizer, porém, que Raphael faz grande literatura de homenagem aos mestres do crime, de Patricia Highsmith a Stephen King, de Edgar Allan Poe a Thomas Harris, de Dennis Lehanne a… Scott Turow, por que não? Aliás, Raphael recebeu um elogio de Turow, que ganhou a capa de Dias Perfeitos. A construção do romance paga essa dívida aos grandes autores de forma minimalista e tem um ar onírico de conto-de-fadas – o que é uma grande sacada. A personagem Clarice habita um mundo de horrores onde não faltam anões, maçãs envenenadas (na forma de seringas soporíferas) e pessoas que são colocadas em locais inusitados.
O livro está chegando às livrarias e eu conversei brevemente com o autor, por essa ocasião.
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Amálgama: Qual a relevância da literatura policial? Por que escrever livros de suspense, crime e horror?
Raphael Montes: Por muito tempo, a literatura policial serviu de puro entretenimento. Sem dúvida, entreter continua sendo importante, mas há muito mais. Através da literatura policial, é possível tratar temas universais, levar o leitor a reflexões, a enfrentar dilemas. A violência está intrinsecamente ligada ao ser humano e a nossa história. Nesse sentido, a literatura policial também serve a fazer um retrato da sociedade, uma espécie de fotografia de determinado grupo em determinado período histórico. Em uma resenha crítica de Suicidas, por exemplo, o jornalista escreveu que o livro retrata a “juventude carioca contemporânea, que parece sem rumos”. Esta é uma das leituras do livro. Há muitas outras.
Quais as raízes de Dias Perfeitos, o que ele difere de Suicidas?
São raízes absolutamente distintas. Suicidas é um thriller com ritmo acelerado que se torna um romance-enigma na metade final, bem ao estilo Agatha Christie. O livro tem mais de vinte personagens, é narrado de três formas distintas e simultâneas, repleto de flashbacks e ganchos entre os capítulos. Em Dias Perfeitos, quis fazer algo simples, linear, com poucos personagens; uma história cuja força narrativa estivesse mais na densidade psicológica dos personagens do que nas possibilidades da trama.
Como anda a literatura de crimes no Brasil? Como você vê o cenário e os autores?
Acredito que a literatura policial brasileira vive um bom momento, ainda que continue a engatinhar. O gênero policial é extremamente popular em diversas partes do mundo, mas, por aqui, nunca houve uma tradição literária do gênero. Pouco a pouco, alguns autores vêm ganhando espaço na mídia e junto ao público para firmar o que se poderia chamar de “literatura policial brasileira”. São autores profissionais, com produção periódica e de qualidade, e com uma abordagem mais universal, sem perder de vista a identidade brasileira. A tendência é que o gênero se consolide no Brasil, acredito.
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sidnei luis fermino