Inés Bortagaray escreve em frases curtas e com muitas repetições
Sou simpática a livros curtos. Com Bonsai, de Alejandro Zambra, foi paixão na primeira leitura. Existe algo na finura do exemplar, no tamanho grande da fonte e nos grandes espaços em branco na página que me atraem logo para a leitura. Como se um livro breve fosse a melhor representação da frase “o que é bom dura pouco”. Óbvio que essa impressão existe também com os grandes romances – em que 700 páginas são lidas sem mal notar. Mas com o livro curto você sabe que será rápido mesmo, em um, no máximo dois dias (se você se esforçar demais para adiar a leitura), vai terminá-lo. Era isso o que eu pensava logo que comecei Um, dois e já (Cosac Naify, 2014), primeiro livro da uruguaia Inés Bortagaray publicado no Brasil.
Nas 93 páginas do livro, uma menina conta como está sendo a viagem da família de Salto para La Paloma, no litoral do Uruguai. Não sabemos seu nome ou idade, apenas que é a filha do meio: tem uma irmã mais velha, um irmão mais velho e uma irmã caçula. Seus pais estão no banco da frente, as quatro crianças se apertam no banco de trás, revezando os lugares na janela a cada 200 quilômetros de estrada percorrida. Sabemos que eles já viajaram para La Paloma antes, que a história não se passa nos tempos atuais, mas anos atrás, quando o Uruguai ainda estava sob a ditadura, e que seus pais fazem parte do partido oposicionista – em certo momento, a menina lembra de uma passeata contra a censura que foi com os pais e uma amiga filha de um norte-americano. Mas essas coisas são só o pano de fundo em Um, dois e já.
A narradora está enfrentando o tédio nessa viagem, o que Inés deixa muito bem marcado. Ficar sentado dentro de um carro durante horas e horas de viagem não é o passatempo preferido de uma criança, ainda mais se ela tiver que dividir um espaço mínimo com outras crianças. O que Inés apresenta neste livro é isso: uma viagem monótona, comum, e os devaneios de uma menina enquanto tenta se ocupar até chegar ao seu destino – ah, é claro, o livro terminará quando eles chegarem lá, não que a narradora deixe isso claro (ela provavelmente nem se dá conta que é personagem de um livro), mas é fácil para o leitor perceber isso.
A menina conta postes, placas, vacas, mais postes, qualquer coisa que entre no seu campo de visão. Ela se preocupa com o pai, no banco da frente, travando o pino da porta do motorista com medo que ela abra de supetão e ele caia na estrada. Ela conta com pesar os quilômetros que faltam para sair da janela e trocar de lugar com um dos irmãos. E, quando se cansa de todas as alternativas de entretenimento, dorme no ombro da irmã mais velha, tem sonhos. Em alguns momentos, até pensa nos seus amigos, naquela que ficou cuidando dos seus dois peixes e na outra, a filha do americano, que foi embora.
O assento está reto. Meu pai é reto. Dirige depressa, mas com cuidado. Travo o pino da porta dele. Agora sim, ele está a salvo. Eu também, porque meu pai não vai despencar na estrada, e vou continuar a ter pai, porque ele não vai despencar.
Inés escreve no ritmo que uma criança escreveria: frases curtas, muitas repetições, um estilo que gera um efeito positivo e que convence o leitor. E os temas dos devaneios da menina se alteram conforme sua atenção cai sobre alguma outra coisa – algo na estrada, a frase de um irmão ou uma lembrança. E então ela discorre sobre tudo, elabora teorias, antecipa o que será feito quando chegar à praia. A autora consegue te fazer imaginar o que havia antes da família entrar no carro e seguir viagem, e também o que acontecerá depois. Lemos a viagem, o trajeto, mas ao mesmo tempo pensamos no que aconteceu até os personagens se encontrarem ali, dentro do Renault 12.
Esse é o tipo de efeito que eu gosto de encontrar nesses livros pequenos. Eles te apresentam uma história comum, sem nada de muito especial, mas de alguma forma te conectam a essas personagens corriqueiras dotadas de um conversa simples. Enquanto estiver virando as páginas, sei que vou ser surpreendida com alguma gracinha da narradora, com a inocência e inteligência em construção de uma criança que ainda não conhece bem o mundo em que vive, mas que tem uma ideia de onde está nele. Um, dois e já tem essa qualidade.
Taize Odelli
Escreve no R.izze.nhas
[email protected]